Aprovada e divulgada na tarde deste sábado (16), a declaração final do G20 Social, construído a muitas mãos durante o encontro inédito para participação da sociedade civil organizada nas pautas da Cúpula do G20 – marcada para dias 18 e 19 no Rio de Janeiro – elenca uma série de reinvindicações.

Resultado de três dias de debates, o texto de quatro páginas exige dos integrantes do grupo uma transição energética justa, enfrentando a exclusão social e a pobreza energética; além de cobrar “firme compromisso” de redução da emissão de gases de efeito estufa e de proteção das florestas tropicais. Reforma da ONU e FMI e taxação dos super-ricos.

Senhores e senhoras líderes do G20, é hora de assumirmos a responsabilidade de liderar uma transformação que seja efetivamente profunda e duradoura. Compromissos ambiciosos são essenciais para fortalecer as instituições internacionais, combater a fome e a desigualdade, mitigar os impactos das mudanças do clima e proteger nossos ecossistemas”, afirma o documento coletivo do G20 Social.

Leia a íntegra do documento

Rio de Janeiro (RJ), 16/11/2024 – A representante da sociedade civil nacional, líder da Marcha das Margaridas, Mazé Morais durante mesa de encerramento das atividades do G20 Social, no Boulevard Olímpico na zona portuária da capital fluminense. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Representante da sociedade civil nacional, a líder da Marcha das Margaridas, Mazé Morais, fez a leitura da declaração final do G2 Social (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)

Coube à Mazé Morais, secretária de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) e coordenadora-geral da Marcha das Margaridas, a leitura da carta de encerramento do G20 Social, representando a sociedade civil.

Que não destruam os nossos biomas, que não violentem, nem matem as pessoas, que respeitem os seres vivos e os bens comuns. Que se protejam nosso territórios e nossos corpos e que se nutram com nossos saberes populares e ancestrais.”

Segundo ela, o G20 Social deu oportunidade à sociedade civil organizada de incluir nas discussões questões necessárias para toda a população, como direito à alimentação, à terra e à transição energética. “Este espaço nos deu oportunidade de trazer essas discussões ao centro do debate, o que é louvável”.

A expectativa de Mazé é que, a partir do G20 Social, haja avanços com compromissos e práticas efetivas para a transformação do sistema agroalimentar para uma perspectiva agroecológica que promova o diálogo com a natureza, com a biodiversidade, mas que leve à transição energética justa, que não envenene a terra, o bem mais precioso, e as águas.

Temos a expectativa de que a marca da participação deixada pelo G20 Social se reflita e se consolide, que continue nas outras cúpulas de chefes do G20, crie um ambiente propício à construção de uma agenda estratégica para o futuro e tenha um horizonte com o bem viver”, disse.

A representante da Contag defendeu ainda o direito à alimentação, que, segundo ela, é negado sobretudo, às mulheres e aos negros. “Para garantir esse direito, será necessário investir em mudanças estruturais capazes de romper com modelos produtivos nocivos e a sua lógica destruidora que contribui para a crise climática que o mundo vem vivendo”, afirmou.

Para Mazé, não é pela via dos mecanismos de mercado que se enfrentará a crise climática. “Não é possível enfrentar o dilema sem democratizar o acesso à terra, às sementes, à água e à energia, sem que se fortaleçam as práticas produtivas, a cultura e os modos de vida da agricultura familiar camponesa, da agricultura praticada pelos povos indígenas e pelos povos de comunidades tradicionais, sem que se reconheçam os solos do campo e da floresta como parte importante da solução, tanto para a mitigação e adaptação, como o enfrentamento aos impactos climáticos.”

Para o presidente do Comitê Econômico e Social Europeu e representante da sociedade civil internacional, Oliver Röpke,  o G20 Social precisa ser um exemplo para o futuro, com combate às desigualdades globais e luta por uma melhor situação mundial. Ele ainda elogiou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por estabelecer no Brasil um conselho de desenvolvimento sustentável e defendeu uma ação conjunta com o órgão que representa.

O nosso comitê vem buscando sempre mais inclusão, mais governança, e temos reiteradamente nos esforçado pela promoção do crescimento inclusivo e demais salvaguardas dos direitos sociais. A cooperação global significa ter escuta e aprender uns com os outros”, observou.

O que diz o documento

Soberania alimentar

Para combater a fome, a declaração do G20 Social defende a construção da soberania alimentar. “Os povos devem ter reconhecido o direito de acesso democrático à terra e à água, de controlar sua própria produção e distribuição de alimentos, com ênfase em práticas agroecológicas e de preservação do meio ambiente”, diz o documento.

Diferentemente do conceito de segurança alimentar, que enfatiza o acesso aos alimentos, o conceito de soberania alimentar enfatiza a produção desses alimentos, priorizando o mercado interno com o controle social da produção. O conceito surge a partir da Via Campesina, organização que reúne movimentos do campo de todo o mundo.

A dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Cássia Bechara, presente no G20 Social, destacou que a soberania alimentar é parte central do projeto de reforma agrária do MST para enfrentar a fome, a crise climática e transformar a matriz produtiva do país.

Soberania alimentar é quando os camponeses dos países têm condições de decidir o que plantar e como plantar no sentido de abastecer o mercado interno como prioridade, sem depender do pacote verde de insumos estrangeiros, de toda essa dependência do pacote tecnológico. O conceito de soberania é bem diferente do de segurança alimentar, que é botar qualquer bolacha só para não morrer de inanição, não interessando o que está comendo, muito menos como esse alimento é produzido”, explicou Cássia.

Os movimentos sociais e organizações da sociedade civil que elaboraram o documento pedem ainda que os países, “em caráter de urgência e prioridade máxima”, façam a adesão a iniciativa do Brasil da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que prevê um fundo para financiar políticas e programas de combate à fome.

Trabalho decente

A declaração dos grupos reunidos no G20 Social ainda afirma a “centralidade do trabalho decente, conforme os padrões da OIT [Organização Internacional do Trabalho], como elemento essencial na superação da pobreza e das desigualdades”. A declaração aprovada pede o combate ao trabalho escravo, ao trabalho infantil, ao tráfico humano e demais formas de exploração e precarização do trabalho.

Enfatizamos a defesa da formalização do mercado de trabalho e de economia inclusivas e contra-hegemônicas, como a economia popular e solidária, cooperativas, cozinhas solidárias e o reconhecimento e valorização da economia de cuidados”, afirmam os movimentos.

Por fim, pedem que todos tenham acesso a empregos dignos, sistemas de seguridade e proteção social e exigem a ampliação dos direitos sindicais. A pauta é apresentada em momento de intensa mobilização da sociedade contra a jornada de 6 dias de trabalho e 1 de folga.

Transição energética justa

O documento afirma que a maioria dos países desenvolvidos e suas elites não têm compromisso com o enfrentamento das mudanças climáticas, provocadas pela queima de combustíveis fósseis, que causam o aquecimento da terra.

A declaração pede que seja respeitado o Acordo de Paris e destaca a importância das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), que são os compromissos de cada país com a redução dos gases do efeito estufa. O Brasil foi o segundo país a apresentar a atualização da sua NDC, definindo uma redução de 59% a 67% dos gases até 2035.

É uma exigência ética que os líderes mundiais assumam um compromisso firme com a redução de emissões de gases do efeito estufa e do desmatamento, bem como a proteção dos oceanos, condições essenciais para limitar o aquecimento global a 1,5ºC e evitar danos irreversíveis ao planeta”, afirma o texto.

A declaração que será entregue aos líderes das maiores potências do mundo defende ainda que a transição energética precisa ser justa, substituindo o modelo de produção baseado em combustíveis fósseis por uma economia de baixo carbono.

Essa transformação precisa enfrentar a exclusão social, a pobreza energética e o racismo ambiental, e garantir condições equitativas para trabalhadores e trabalhadoras, pessoas negras e comunidades vulneráveis”, acrescenta o documento.

Por fim, os movimentos sociais pedem que os países protejam as florestas tropicais por meio da criação do Fundo Floresta Tropical para Sempre (TFFF). A proposta do fundo é uma sugestão do Brasil para financiar a proteção das florestas tropicais, essenciais para a captura de carbono na atmosfera.

Reforma da ONU e FMI e taxação dos super-ricos

O terceiro grande tema da declaração do G20 Social pede a reforma da governança global, com maior participação dos países menos desenvolvidos em instâncias como o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). A terceira proposta aprovada pede a ampliação da participação social nos organismos internacionais “para dar legitimidade e eficácia” às instituições multilaterais.

 proposta construída no G20 Social defende “a taxação dos super-ricos, enquanto pessoas física e jurídica”, de forma igual em todos os países e com a garantia de que os recursos arrecadados sejam destinados a um fundo de financiamento de políticas sociais, ambientais e culturais que os povos necessitam. De acordo com o texto, os recursos arrecadados devem ser destinados a fundos nacionais e internacionais.

Os movimentos sociais e entidades da sociedade civil organizada propõem “a necessária e inadiável reforma do modelo atual de governança global que já se mostrou incapaz de oferecer respostas aos desafios contemporâneos”. E pede que os organismos internacionais reflitam “a realidade geopolítica” atual, com a ampliação da participação dos países do Sul Global, em sua maioria pobres ou emergentes.

vice-presidenta da Central Única dos Trabalhadores, a CUT, do Rio de Janeiro, Adriana Nalesso, destacou que o objetivo é melhorar a justiça social, ampliando a arrecadação para que o recurso volte à sociedade como investimentos em políticas públicas e sociais.

África do Sul se compromete em manter o G20 Social

Os debates e acordos firmados durante a cúpula dos líderes do G20 não são de cumprimento obrigatório, cabendo a cada país implementar internamente ou não o que foi definido. Mas as decisões do bloco são vistas como sinalizações de políticas que os governos pretendem construir. Na próxima semana, o Brasil finaliza o trabalho à frente do bloco e passa a presidência rotativa do G20 para a África do Sul em dezembro.

No encerramento, o ministro das Relações Internacionais e Cooperação da África do Sul, Ronald Lamola, disse que seu país se comprometeu em manter a proposta brasileira do G20 Social. Ele disse que o país está pronto para sediar o G20 em 2025.

Vamos envolver os movimentos sociais. O Brasil elevou o padrão. Queremos garantir que os senhores possam participar e ter um papel nesse novo formato de mundo. Faremos um esforço unificado, com suporte mútuo entre as nações-membros, que estarão juntas para enfrentar os desafios comuns,” afirmou.

Em sua fala, o chanceler sul-africano destacou, ainda, a necessidade de reverter o desequilíbrio de recursos disponíveis para combater as mudanças climáticas. “O Sul global só recebe 3% do suporte financeiro global para mudanças climáticas e desenvolvimento”, disse, ao defender que as metas do milênio permaneçam em foco. “Juntos, podemos criar um futuro que não seja apenas justo e equitativo, mas que seja sustentável para aqueles que vão herdar o mundo”, concluiu.

Da Agência Brasil, com Redação

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