Aprovada e divulgada na tarde deste sábado (16), a declaração final do G20 Social, construído a muitas mãos durante o encontro inédito para participação da sociedade civil organizada nas pautas da Cúpula do G20 – marcada para dias 18 e 19 no Rio de Janeiro – elenca uma série de reinvindicações.
Resultado de três dias de debates, o texto de quatro páginas exige dos integrantes do grupo uma transição energética justa, enfrentando a exclusão social e a pobreza energética; além de cobrar “firme compromisso” de redução da emissão de gases de efeito estufa e de proteção das florestas tropicais. Reforma da ONU e FMI e taxação dos super-ricos.
Senhores e senhoras líderes do G20, é hora de assumirmos a responsabilidade de liderar uma transformação que seja efetivamente profunda e duradoura. Compromissos ambiciosos são essenciais para fortalecer as instituições internacionais, combater a fome e a desigualdade, mitigar os impactos das mudanças do clima e proteger nossos ecossistemas”, afirma o documento coletivo do G20 Social.
Coube à Mazé Morais, secretária de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) e coordenadora-geral da Marcha das Margaridas, a leitura da carta de encerramento do G20 Social, representando a sociedade civil.
Que não destruam os nossos biomas, que não violentem, nem matem as pessoas, que respeitem os seres vivos e os bens comuns. Que se protejam nosso territórios e nossos corpos e que se nutram com nossos saberes populares e ancestrais.”
Segundo ela, o G20 Social deu oportunidade à sociedade civil organizada de incluir nas discussões questões necessárias para toda a população, como direito à alimentação, à terra e à transição energética. “Este espaço nos deu oportunidade de trazer essas discussões ao centro do debate, o que é louvável”.
A expectativa de Mazé é que, a partir do G20 Social, haja avanços com compromissos e práticas efetivas para a transformação do sistema agroalimentar para uma perspectiva agroecológica que promova o diálogo com a natureza, com a biodiversidade, mas que leve à transição energética justa, que não envenene a terra, o bem mais precioso, e as águas.
Temos a expectativa de que a marca da participação deixada pelo G20 Social se reflita e se consolide, que continue nas outras cúpulas de chefes do G20, crie um ambiente propício à construção de uma agenda estratégica para o futuro e tenha um horizonte com o bem viver”, disse.
A representante da Contag defendeu ainda o direito à alimentação, que, segundo ela, é negado sobretudo, às mulheres e aos negros. “Para garantir esse direito, será necessário investir em mudanças estruturais capazes de romper com modelos produtivos nocivos e a sua lógica destruidora que contribui para a crise climática que o mundo vem vivendo”, afirmou.
Para Mazé, não é pela via dos mecanismos de mercado que se enfrentará a crise climática. “Não é possível enfrentar o dilema sem democratizar o acesso à terra, às sementes, à água e à energia, sem que se fortaleçam as práticas produtivas, a cultura e os modos de vida da agricultura familiar camponesa, da agricultura praticada pelos povos indígenas e pelos povos de comunidades tradicionais, sem que se reconheçam os solos do campo e da floresta como parte importante da solução, tanto para a mitigação e adaptação, como o enfrentamento aos impactos climáticos.”
Para o presidente do Comitê Econômico e Social Europeu e representante da sociedade civil internacional, Oliver Röpke, o G20 Social precisa ser um exemplo para o futuro, com combate às desigualdades globais e luta por uma melhor situação mundial. Ele ainda elogiou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva por estabelecer no Brasil um conselho de desenvolvimento sustentável e defendeu uma ação conjunta com o órgão que representa.
O nosso comitê vem buscando sempre mais inclusão, mais governança, e temos reiteradamente nos esforçado pela promoção do crescimento inclusivo e demais salvaguardas dos direitos sociais. A cooperação global significa ter escuta e aprender uns com os outros”, observou.
O que diz o documento
Soberania alimentar
Para combater a fome, a declaração do G20 Social defende a construção da soberania alimentar. “Os povos devem ter reconhecido o direito de acesso democrático à terra e à água, de controlar sua própria produção e distribuição de alimentos, com ênfase em práticas agroecológicas e de preservação do meio ambiente”, diz o documento.
Diferentemente do conceito de segurança alimentar, que enfatiza o acesso aos alimentos, o conceito de soberania alimentar enfatiza a produção desses alimentos, priorizando o mercado interno com o controle social da produção. O conceito surge a partir da Via Campesina, organização que reúne movimentos do campo de todo o mundo.
A dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Cássia Bechara, presente no G20 Social, destacou que a soberania alimentar é parte central do projeto de reforma agrária do MST para enfrentar a fome, a crise climática e transformar a matriz produtiva do país.
Soberania alimentar é quando os camponeses dos países têm condições de decidir o que plantar e como plantar no sentido de abastecer o mercado interno como prioridade, sem depender do pacote verde de insumos estrangeiros, de toda essa dependência do pacote tecnológico. O conceito de soberania é bem diferente do de segurança alimentar, que é botar qualquer bolacha só para não morrer de inanição, não interessando o que está comendo, muito menos como esse alimento é produzido”, explicou Cássia.
Os movimentos sociais e organizações da sociedade civil que elaboraram o documento pedem ainda que os países, “em caráter de urgência e prioridade máxima”, façam a adesão a iniciativa do Brasil da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que prevê um fundo para financiar políticas e programas de combate à fome.
Trabalho decente
A declaração dos grupos reunidos no G20 Social ainda afirma a “centralidade do trabalho decente, conforme os padrões da OIT [Organização Internacional do Trabalho], como elemento essencial na superação da pobreza e das desigualdades”. A declaração aprovada pede o combate ao trabalho escravo, ao trabalho infantil, ao tráfico humano e demais formas de exploração e precarização do trabalho.
Enfatizamos a defesa da formalização do mercado de trabalho e de economia inclusivas e contra-hegemônicas, como a economia popular e solidária, cooperativas, cozinhas solidárias e o reconhecimento e valorização da economia de cuidados”, afirmam os movimentos.
Por fim, pedem que todos tenham acesso a empregos dignos, sistemas de seguridade e proteção social e exigem a ampliação dos direitos sindicais. A pauta é apresentada em momento de intensa mobilização da sociedade contra a jornada de 6 dias de trabalho e 1 de folga.
Transição energética justa
O documento afirma que a maioria dos países desenvolvidos e suas elites não têm compromisso com o enfrentamento das mudanças climáticas, provocadas pela queima de combustíveis fósseis, que causam o aquecimento da terra.
A declaração pede que seja respeitado o Acordo de Paris e destaca a importância das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), que são os compromissos de cada país com a redução dos gases do efeito estufa. O Brasil foi o segundo país a apresentar a atualização da sua NDC, definindo uma redução de 59% a 67% dos gases até 2035.
É uma exigência ética que os líderes mundiais assumam um compromisso firme com a redução de emissões de gases do efeito estufa e do desmatamento, bem como a proteção dos oceanos, condições essenciais para limitar o aquecimento global a 1,5ºC e evitar danos irreversíveis ao planeta”, afirma o texto.
A declaração que será entregue aos líderes das maiores potências do mundo defende ainda que a transição energética precisa ser justa, substituindo o modelo de produção baseado em combustíveis fósseis por uma economia de baixo carbono.
Essa transformação precisa enfrentar a exclusão social, a pobreza energética e o racismo ambiental, e garantir condições equitativas para trabalhadores e trabalhadoras, pessoas negras e comunidades vulneráveis”, acrescenta o documento.
Por fim, os movimentos sociais pedem que os países protejam as florestas tropicais por meio da criação do Fundo Floresta Tropical para Sempre (TFFF). A proposta do fundo é uma sugestão do Brasil para financiar a proteção das florestas tropicais, essenciais para a captura de carbono na atmosfera.
Reforma da ONU e FMI e taxação dos super-ricos
O terceiro grande tema da declaração do G20 Social pede a reforma da governança global, com maior participação dos países menos desenvolvidos em instâncias como o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). A terceira proposta aprovada pede a ampliação da participação social nos organismos internacionais “para dar legitimidade e eficácia” às instituições multilaterais.
proposta construída no G20 Social defende “a taxação dos super-ricos, enquanto pessoas física e jurídica”, de forma igual em todos os países e com a garantia de que os recursos arrecadados sejam destinados a um fundo de financiamento de políticas sociais, ambientais e culturais que os povos necessitam. De acordo com o texto, os recursos arrecadados devem ser destinados a fundos nacionais e internacionais.
Os movimentos sociais e entidades da sociedade civil organizada propõem “a necessária e inadiável reforma do modelo atual de governança global que já se mostrou incapaz de oferecer respostas aos desafios contemporâneos”. E pede que os organismos internacionais reflitam “a realidade geopolítica” atual, com a ampliação da participação dos países do Sul Global, em sua maioria pobres ou emergentes.
A vice-presidenta da Central Única dos Trabalhadores, a CUT, do Rio de Janeiro, Adriana Nalesso, destacou que o objetivo é melhorar a justiça social, ampliando a arrecadação para que o recurso volte à sociedade como investimentos em políticas públicas e sociais.
África do Sul se compromete em manter o G20 Social
Os debates e acordos firmados durante a cúpula dos líderes do G20 não são de cumprimento obrigatório, cabendo a cada país implementar internamente ou não o que foi definido. Mas as decisões do bloco são vistas como sinalizações de políticas que os governos pretendem construir. Na próxima semana, o Brasil finaliza o trabalho à frente do bloco e passa a presidência rotativa do G20 para a África do Sul em dezembro.
No encerramento, o ministro das Relações Internacionais e Cooperação da África do Sul, Ronald Lamola, disse que seu país se comprometeu em manter a proposta brasileira do G20 Social. Ele disse que o país está pronto para sediar o G20 em 2025.
Vamos envolver os movimentos sociais. O Brasil elevou o padrão. Queremos garantir que os senhores possam participar e ter um papel nesse novo formato de mundo. Faremos um esforço unificado, com suporte mútuo entre as nações-membros, que estarão juntas para enfrentar os desafios comuns,” afirmou.
Em sua fala, o chanceler sul-africano destacou, ainda, a necessidade de reverter o desequilíbrio de recursos disponíveis para combater as mudanças climáticas. “O Sul global só recebe 3% do suporte financeiro global para mudanças climáticas e desenvolvimento”, disse, ao defender que as metas do milênio permaneçam em foco. “Juntos, podemos criar um futuro que não seja apenas justo e equitativo, mas que seja sustentável para aqueles que vão herdar o mundo”, concluiu.
Da Agência Brasil, com Redação