Há mais de 20 anos, antes de se tornar defensor público federal, André Naves sofreu um grave acidente de carro que o deixou durante meses em coma numa UTI e um longo tempo sem andar. Desde então, terapias e tratamentos fazem parte da sua vida. Mas ele se considera um privilegiado de ter acesso a esses serviços no Brasil.

“Eu sou um daqueles privilegiados para quem o destino sorriu: consegui acesso – com muita luta e dedicação, é verdade -, a tratamentos fundamentais à minha emancipação pessoal”, conta o especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social.

André Naves diz que ainda enfrenta as barreiras diárias dos preconceitos, do capacitismo, da invisibilidade e da falta de adequação arquitetônica e urbanística.

“Mesmo assim, tenho a grata possibilidade de poder contribuir cotidianamente, da melhor forma possível, para a materialização de políticas públicas inclusivas e justas”, afirma ele, que se tornou mestre em Economia Política, escritor, professor e palestrante.

Confira mais em seu artigo abaixo:

Pátria, democracia e inclusão

Por André Naves (*)

O Dia Internacional das Pessoas com Deficiência (3 de dezembro) traz uma profusão de histórias emocionais de superação, além dos sempre penalizantes dramas. A Pessoa com Deficiência (PCDD) parece ser um paradoxal super-herói inspirador de pena.

A propaganda ainda insiste em ligar a deficiência à pessoa, escondendo, convenientemente, que é a precariedade das políticas públicas inclusivas que mantém intactas as estruturas sociais excludentes que se materializam nas mais diversas barreiras do dia a dia.

O discurso predominante esconde que a deficiência é relacionada à organização da sociedade, e nunca ao indivíduo, possuidor de características únicas que, em interação com as estruturas sociais, podem, ou não, ensejar impedimentos. Vamos resumir? A deficiência nunca é ligada ao indivíduo, mas sim à sociedade em que ele está inserido.

O Estado brasileiro, instituído pela Constituição de 1988, tem por estrutura fundamental a Democracia. Isso significa que fora da Democracia perde-se a própria noção de Brasil. Traduzindo: não existe o Brasil sem a Democracia. Ou seja, no tecido social brasileiro, entrelaçado pela Constituição, a essência da nação encontra-se inseparável da democracia.

Mas vale perguntar: o que é democracia? Ela é a vontade da maioria, sempre respeitando a dignidade das minorias, materializada em políticas públicas que concretizem e promovam os Direitos Humanos. Vale dizer que a Democracia, nesse contexto, é a expressão da vontade da maioria, mas, mais do que isso, é o compromisso inabalável de respeitar a dignidade das minorias. Este compromisso se materializa por meio de políticas públicas que não apenas proclamam, mas promovem os Direitos Humanos.

O que são direitos humanos?

E chegando aqui, também perguntamos: o que são os Direitos Humanos? Eles transcendem a mera existência física e abrangem pilares essenciais da vida humana: Vida, Liberdade, Igualdade, Segurança e Propriedade. A vida, entendida não apenas como sobrevivência, mas como plena emancipação, acesso a oportunidades e desenvolvimento individual.

A liberdade, não apenas como ausência de restrições, mas como a capacidade de buscar o desenvolvimento pessoal em conformidade com as características individuais. Em outras palavras: só é livre quem pode ser o que se é, e se portar de acordo.

A igualdade, crucial em uma sociedade democrática, demanda acesso equânime às oportunidades de emancipação individual. A segurança, para além da proteção contra ameaças à vida e liberdade, abrange também a garantia de necessidades básicas para a emancipação (segurança alimentar, segurança sanitária, entre outras, por exemplo). A propriedade, englobando tudo que é próprio à individualidade, destaca-se como elemento fundamental, incluindo bens, ideias, concepções e, notavelmente, o trabalho.

A concretização desses direitos de maneira democrática é fundamental para a completude de cada indivíduo. A capacidade de desenvolver plenamente as capacidades intrínsecas de cada pessoa e a liberdade, segundo os interesses de cada pessoa, de lutar por políticas públicas inclusivas, eficientes e justas são elementos fundamentais para uma sociedade verdadeiramente democrática. Sempre que excluímos quaisquer individualidades, estamos concretizando políticas públicas de pior qualidade e atuando de maneira antidemocrática, portanto.

‘Sou um daqueles privilegiados para quem o destino sorriu’

Um pequeno exemplo que posso dar é o meu. Sofri, há mais de 20 anos, um gravíssimo acidente automobilístico que me rendeu meses de coma, um longo tempo sem andar, e terapias e tratamentos que me acompanham desde então. Eu sou um daqueles privilegiados para quem o destino sorriu: consegui acesso -com muita luta e dedicação, é verdade -, a tratamentos fundamentais à minha emancipação pessoal.

Ainda enfrento as barreiras diárias dos preconceitos, do capacitismo, da invisibilidade e da falta de adequação arquitetônica e urbanística, mas, mesmo assim, tenho a grata possibilidade de poder contribuir cotidianamente, da melhor forma possível, para a materialização de políticas públicas inclusivas e justas.

Neste Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, é imperativo refletir sobre a interseção entre inclusão e democracia. A inclusão emerge como o cerne da democracia, e lutar por estruturas sociais inclusivas e justas não é apenas um dever democrático, mas também um ato patriótico.

Somente em ambientes inclusivos e plurais pode florescer a criatividade, a mãe das inovações, conduzindo-nos em direção às novas fronteiras de desenvolvimento econômico e social.

* André Naves é defensor público federal, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social, e mestre em Economia Política. É também comendador cultural, escritor, professor e palestrante.

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