O feriado de Natal de 2025 entrou para a história política e médica do país como o dia em que o ex-presidente Jair Bolsonaro trocou a carceragem da Polícia Federal pelo centro cirúrgico do Hospital DF Star, um dos mais luxuosos do país. A operação foi cercada de simbolismos que vão muito além do boletim médico “com sucesso”, como divulgado por sua esposa Michelle, transformando uma patologia abdominal em palanque eleitoral.

Enquanto milhões de brasileiros celebravam o Natal em casa, uma equipe médica de elite se deslocava de São Paulo para Brasília para realizar um procedimento que a própria perícia da Polícia Federal classificou como eletivo – ou seja, não era emergencial, portanto, não precisaria ser feita às pressas, muito menos em pleno feriado nacional.

Ao tentar transformar a internação de um ex-presidente preso por tentativa de golpe no “evento político-médico” do ano, a bem costurada Operação Natal para realização de uma nova  cirurgia nesta quinta-feira (25/12) serviu de pano de fundo para um movimento estratégico: o lançamento oficial do filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), como pré-candidato à Presidência da República em 2026.

A manobra para pautar a mídia e criar um fato político

O “fato político” foi consolidado horas antes do primeiro corte, com a divulgação de uma carta, que teria sido escrita a mão pelo pai na cadeia em tom de testamento político, em que ele anuncia seu primogênito como herdeiro do bolsonarismo. Na porta do hospital, o filho leu a carta.

Na interpretação de alguns críticos, o anúncio confirma a sucessão familiar e enterra as chances de uma eventual candidatura de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo – pelo menos por enquanto porque muitos acreditam que Flávio renunciará no decorrer da campanha.

O fato é que, mais uma vez, Bolsonaro conseguiu pautar a mídia usando do seu estado de saúde fragilizado, como faz pensar sua defesa. Ou seja, tudo planejado para criar um fato político e ainda beneficiar o ex-presidente com alguns dias fora da cela, podendo conviver com a família, ainda que sob a vigilância permanente da Polícia Federal e sem os mesmos holofotes de outras internações, quando costumava exibir fotos em meio a aparelhos para comover seus seguidores,

Para a justiça, no entanto, o “presente de Natal” de Bolsonaro foi restrito. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, permitiu que os filhos — Flávio, Carlos, Jair Renan e Laura — visitassem o pai no hospital, ampliando a permissão que antes era exclusiva à esposa Michelle Bolsonaro. As demais visitas, segundo determinação, devem ser autorizadas previamente pelo Supremo. Todavia, a mordomia tem limites: nenhum visitante pode portar celulares ou computadores, e a segurança é feita por agentes da Polícia Federal na porta do quarto.

Sem pressa para a alta: o réveillon no “classe A”

Concluída com sucesso por volta das 12h50 desta quinta-feira (25), após três horas e meia de intervenção, a operação para correção de uma hérnia inguinal bilateral e o bloqueio do nervo frênico para reduzir o excesso de soluços do ex-presidente.

A equipe médica de Jair Bolsonaro informou que ele não ficará na UTI e já está no quarto.  Embora o boletim médico aponte uma recuperação sem intercorrências, não há previsão de alta imediata. Inicialmente, a equipe médica estimava que o ex-presidente permaneça internado entre cinco e sete dias, o que significa que Bolsonaro deve passar a virada do ano usufruindo da hotelaria de luxo do DF Star, em vez de retornar à sua cela na Superintendência da PF. 

Este prolongamento da estadia levanta questionamentos sobre a conveniência de um procedimento classificado como eletivo pela perícia da PF. No SUS, um paciente operado de hérnia por via convencional costuma receber alta em 24 ou 48 horas para liberar o leito. No setor privado de elite, o “conforto do pós-operatório” é um ativo que, neste caso, serve para adiar o retorno ao cárcere.

A troca da guarda: equipe médica de elite em Brasília vem de SP

Os médicos Brasil Ramos Caiado, cardiologista, e Cláudio Birolini, cirurgião-geral, durante entrevista coletiva (Foto: Reprodução)

Um dos pontos que mais chamam a atenção de especialistas em gestão de saúde é o deslocamento da equipe paulista. Cláudio Birolini, atual cirurgião de confiança da família, viajou de São Paulo para Brasília especificamente para este feriado, consolidando uma nova linhagem médica no entorno do ex-presidente.

Por mais de seis anos, Antônio Luiz Macedo foi a face pública da saúde de Bolsonaro, operando-o cinco vezes. No entanto, o “clã” rompeu com Macedo em abril de 2025 por decisão direta de Michelle Bolsonaro e do filho mais velho, Flávio.  Desde então, Birolini — chefe do grupo de hérnias da USP — assumiu o caso.

A ruptura ocorreu após a morte da deputada federal Amália Barros (PL-MT), amiga íntima de Michelle, que estava sob os cuidados da equipe de Macedo. Sentindo-se “desvalorizado”, o cirurgião-chefe foi substituído por Cláudio Birolini. Amália tinha 39 anos e morreu após a retirada de um nódulo no pâncreas. no Hospital Vila Nova Star de São Paulo.

Baseado em São Paulo, Birolini é herdeiro de uma tradição médica (filho de Dario Birolini, emérito da USP) e atual chefe do grupo de hérnias do Hospital das Clínicas da USP. Sua viagem a Brasília em pleno Natal sublinha o status de “médico de confiança absoluta”. Ao seu lado estava Brasil Caiado, integrando uma equipe que atua no vácuo deixado pela saída de Macedo e do cardiologista Leandro Echenique.

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Operação Natal: o custo real do privilégio em um dia de feriado

Bolsonaro em uma de suas saídas da prisão domiciliar para se tratar no Hospital DF Star (Foto: Arquivo / Reprodução de internet)

Embora Bolsonaro esteja detido, a logística de sua cirurgia reflete um padrão financeiro inacessível à massa. A perícia da PF concluiu que a herniorrafia inguinal bilateral (correção de duas hérnias na virilha) poderia ter sido feita em qualquer outra data. Operar em um feriado nacional como o Natal em um hospital de padrão internacional como o DF Star  eleva drasticamente os custos que o portal Vida e Ação detalha:

  • Honorários de feriado: O deslocamento e a disponibilidade de uma equipe de cirurgiões de elite de SP para Brasília, somado ao “adicional” de feriado, pode elevar a conta médica para cifras entre R$ 60.000 e R$ 120.000 apenas em honorários.

  • Hospital de luxo: A diária de uma suíte de luxo com aparato de segurança e isolamento de andar é estimada em R$ 15.000. A diária e as taxas de sala cirúrgica no DF Star, com o aparato de segurança da PF exigido pela custódia, colocam o custo total do procedimento na casa dos R$ 200.000

  • Tecnologia: O uso de robótica e materiais de última geração eleva o custo total do “pacote” para valores próximos a R$ 250.000.

  • O contraste com o SUS: Comparativamente, no sistema público, o governo repassa cerca de R$ 1.200 pelo mesmo procedimento – valor que sequer cobriria a alimentação da equipe de Birolini em Brasília. Além disso, no SUS, uma cirurgia eletiva jamais seria realizada em um 25 de dezembro, data reservada exclusivamente para urgências e emergências reais.

Soluços e nervo frênico: a patologia como instrumento político

Além das hérnias, a equipe realizou um bloqueio anestésico do nervo frênico. Bolsonaro vinha apresentando crises de 30 a 40 soluços por minuto. Tecnicamente, o bloqueio visa paralisar temporariamente o estímulo ao diafragma, impedindo que os espasmos musculares rompam a tela de proteção colocada nas hérnias durante o período de cicatrização.

Embora a patologia seja real, o timing é estratégico. Ao divulgar a carta sobre a sucessão familiar antes de entrar no centro cirúrgico, Bolsonaro utilizou o ambiente hospitalar para gerar comoção e manter sua base mobilizada.

Enquanto o ex-presidente se recupera em uma suíte de luxo sob os cuidados da elite médica paulista, 1,3 milhão de brasileiros seguem na fila do SUS. Para esses pacientes, o Natal não trouxe cirurgiões de São Paulo nem autorizações céleres do STF, mas apenas a continuidade de uma espera que, em média, dura mais de dois anos. A cirurgia de hoje foi um sucesso técnico, mas permanece como um sintoma grave da desigualdade que corta o Brasil ao meio.

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O fato político: a “carta de Natal” e a sucessão: a saúde como palanque

A Operação Natal de Bolsonaro encerra um ciclo de dúvidas médicas, mas abre a corrida eleitoral de 2026. Ao usar o leito hospitalar para ditar a sucessão familiar,  o ex-presidente reafirma que, para ele, a medicina e a política são indissociáveis.

Enquanto o ex-presidente descansa sob os cuidados da elite médica de São Paulo e aguarda o réveillon no hospital de Brasília, a “fila invisível” do SUS continua a crescer, lembrando que a agilidade e o luxo do DF Star são privilégios de quem pode transformar um diagnóstico eletivo em um fato de Estado.

Ao contrário das cirurgias com o Dr. Macedo (que ocorriam sob tensão de saúde real), a cirurgia com o Dr. Birolini neste 25 de dezembro foi precedida por um movimento coordenado:

  1. A perícia: O laudo da PF desmentiu a “urgência”, tirando o peso dramático do risco de morte.

  2. O anúncio: A divulgação da carta de Bolsonaro minutos antes da anestesia, lançando o filho à presidência, confirma que a equipa médica, ao deslocar-se de SP para Brasília num feriado, acabou por viabilizar um palco político-hospitalar.

Detalhes técnicos da equipe médica

A Era Macedo (o especialista em trauma)

  • Perfil: Equipe focada em cirurgia do aparelho digestivo e oncologia. O Dr. Macedo era visto como o “salvador” de Bolsonaro desde a facada na campanhada eleitoral, em setembro de 2018, em Juiz de Fora (MG), lidando com aderências intestinais complexas.

  • Abordagem: Intervenções muitas vezes de urgência para resolver quadros de obstrução total (íleo paralítico).

A Era Birolini (o especialista em parede abdominal)

  • Perfil: O Dr. Cláudio Birolini é uma das maiores autoridades do país em hérnias. Chefe do grupo especializado no Hospital das Clínicas da USP, traz um olhar mais focado na reconstrução da parede abdominal.

  • Abordagem: Procedimentos eletivos e técnicos (como a herniorrafia inguinal bilateral deste Natal) e a gestão de sequelas neurológicas (nervo frénico).

A evolução cirúrgica de Jair Bolsonaro (2018–2025)

Este quadro sistematiza a mudança de paradigma no atendimento ao ex-presidente, da emergência da facada em Juiz de Fora (MG) à conveniência da cirurgia eletiva de Natal sob a nova liderança médica.

Período Liderança Médica Instituição Principal Contexto e principais procedimentos Motivo da transição / observações
2018 – 2025 Dr. Antônio Luiz Macedo (Cirurgião-chefe) e Dr. Leandro Echenique (Cardiologista) Hospital Vila Nova Star (SP) Operou Bolsonaro cinco vezes. Foco em desobstruções intestinais e correções de hérnias incisionais decorrentes do atentado. Ruptura Familiar: Afastados por Michelle Bolsonaro após a morte da deputada Amália Barros. Macedo declarou sentir-se “desvalorizado”.
2025 – Presente Dr. Cláudio Birolini (Cirurgião-chefe) e Dr. Brasil Caiado Hospital DF Star (Brasília) e Vila Nova Star (SP) Assumiu a “guarda” cirúrgica. Foco em hérnias inguinais e o complexo bloqueio do nervo frénico para soluços. Confiança e proximidade: Birolini (chefe de hérnias da USP) tornou-se o nome de confiança da família para procedimentos em Brasília e SP.

 

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