O último fim de semana de inverno no Rio de Janeiro foi marcado por sol escaldante e temperaturas que beiraram os 40 graus, lotando as praias da cidade. O calor intenso foi sentido ainda mais durante o ato público contra a PEC da Impunidade, que reuniu grandes nomes da Música Popular Brasileira e atraiu milhares de manifestantes na tarde de domingo (21), na Praia de Copacabana.
Na volta para casa, os manifestantes ainda tiveram que enfrentar uma fila imensa que se formou na entrada do metrô Cantagalo, já que uma das entradas da estação foi fechada ao público, causando protestos e um princípio de tumulto. Despreparo da concessionária que administra o transporte metroviário ou negligência do serviço público concedido com os passageiros? Afinal, a ‘cidade maravilha’ está preparada para viver novos dias de purgatório da beleza e do caos?
Pode ainda ser cedo para afirmar, mas o calor excessivo pode ser um sinal de que a primavera, que chega na terça-feira (23), deve ser marcada por dias de calor extremo, já antecipando o que pode vir no verão. O alerta fica ainda mais preocupante com a pesquisa divulgada na União Europeia de Geociências (EGU) alertando que o Rio de Janeiro deve se preparar para os efeitos da maior incidência de eventos extremos de calor.
A previsão é de consequências como interrupção de serviços e falta de recursos, além do crescimento dos riscos à saúde pública e à infraestrutura. Segundo os autores, para lidar com os desafios crescentes e diminuir a vulnerabilidade da população e de setores críticos em relação às mudanças climáticas, será fundamental adotar medidas de mitigação e adaptação, como um planejamento urbano adequado, ações de saúde pública e fortalecimento da resiliência urbana.
Mais de 600 mortes em mês de calor extremo
O aumento contínuo da temperatura no Brasil nas últimas décadas tem agravado os riscos à saúde, especialmente para idosos, indivíduos com doenças crônicas e grupos mais vulneráveis. O calor extremo intensifica o estresse gerado e aumenta a mortalidade por condições cardíacas e respiratórias”, alertam os pesquisadores.
A pesquisa examinou o impacto das mudanças climáticas na onda de calor que afetou o Rio de Janeiro em novembro de 2023, quando os termômetros passaram de 40 °C e a sensação térmica chegou perto de 60 °C. Um exemplo crítico ocorreu no dia 18 de novembro daquele ano, quando a cidade do Rio de Janeiro registrou mais de 600 óbitos em um único dia, número que representa um aumento de quase 50% em relação à média diária anual.
Idosos e mulheres foram os mais impactados. Estima-se que 22,6% das mortes, aproximadamente 143 pessoas, foram diretamente relacionadas à exposição ao calor, segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde.
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Pesquisadores da Universidade Complutense de Madrid, na Espanha, concluíram que as temperaturas observadas seriam inviáveis no período pré-industrial e alertam que, em um cenário de aquecimento global de 2 °C, a chance de ondas de calor semelhantes ou ainda mais intensas triplicaria, resultando em uma nova onda de calor extrema a cada quatro anos.
O estudo indicou que as temperaturas registradas entre setembro de 2023 e março de 2024 estavam significativamente elevadas em relação à média histórica. Foi a época mais quente em 63 anos, com picos em novembro chegando a 9 °C acima da média e temperaturas alcançando 43 °C em vários bairros.
Embora o calor intenso tenha ocorrido durante o fenômeno El Niño, que modifica os padrões de circulação atmosférica e pode afetar as temperaturas, os modelos climáticos apontam que o principal motivo para a gravidade desse evento foi o aquecimento global gerado pelas ações humanas, principalmente a queima de combustíveis fósseis.
Embora o El Niño também influencie o calor extremo, seu papel é mais regional e secundário em comparação às mudanças climáticas”, afirma Soledad Collazo, autora principal do estudo. “Em conjunto, esses fatores apontam para um futuro em que o calor extremo será um desafio recorrente, exigindo medidas de adaptação mais robustas para proteger a saúde, a infraestrutura e os ecossistemas”.
Os pesquisadores examinaram dados de 1971 a 2024 das estações meteorológicas de Alto da Boa Vista, Itaperuna, Campos, Cordeiro e Resende, definidas por sua localização estratégica e pela consistência dos registros ao longo do tempo.
Para entender como as mudanças climáticas e o fenômeno meteorológico poderiam afetar o aumento das temperaturas, eles compararam esses dados com o Índice de Aquecimento Global (GWI) e o El Niño 3.4.
A partir do cruzamento dessas informações com registros de óbitos no estado do Rio de Janeiro, no período de 2000 a 2024, excluindo os anos da pandemia, foi feita uma avaliação dos impactos das altas temperaturas na saúde.
A principal mensagem que o estudo deixa para formuladores de políticas e para o público é que as mudanças climáticas já não são uma ameaça distante: elas já estão intensificando o calor extremo no Brasil e custando vidas”, conclui Collazo.