A doença ainda não tem cura, mas um novo medicamento para Alzheimer, aprovado recentemente nos Estados Unidos, pode representar um avanço para o tratamento. Ou não. Aprovado pela primeira vez em 18 anos pela FDA (Food and Drug Administration) – o órgão regulatório americano, equivalente à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Brasil – o Aducanumab vem agitando o cenário científico, oscilando entre a expectativa de um tratamento inédito para a doença e certa limitação em torno da descoberta.

O medicamento é um anticorpo monoclonal que atua sobre o acúmulo de proteína beta-amiloide no cérebro e foi submetido a dois estudos clínicos, fase 3, prospectivos e controlados. Os testes chegaram a ser interrompidos porque o remédio parecia não fazer efeito. Mas, segundo o fabricante do medicamento, depois da parada, uma análise mais profunda das informações de um dos trabalhos encontrou resultados positivos.

E foi a partir daí que o FDA deu parecer positivo. Nessa retomada, o estudo apontou melhora na avaliação laboratorial de imagem dos pacientes com a doença de Alzheimer, porém, sem benefício clínico objetivo.

A polêmica começou logo após a aprovação pelo FDA, que desde 2003 não aprovava nenhuma medicação para a doença. Principalmente porque o painel responsável pela avaliação, em sua maioria, votou contra. E mesmo assim o medicamento – administrado por meio de infusão intravenosa – recebeu sinal verde.

De acordo com os estudos divulgados, o uso do Aducanumab em pacientes com diagnóstico firmado de Alzheimer levou a uma redução estimada entre 20% e 30% do declínio cognitivo imposto pela doença, que foi mensurado por meio de exames de neuroimagem e testes de avaliação específicos. No Brasil, a medicação ainda não está aprovada para uso, devendo passar por rigorosa avaliação da Anvisa.

Novo medicamento para Alzheimer só para casos leves

Marcus Tulius, neurologista e pesquisador do Complexo Hospitalar de Niterói (CHN), afirma que a nova droga é destinada ao tratamento da doença em fase de comprometimento cognitivo e demência leves. Sobre a eficácia do medicamento, o neurologista ressalta alguns pontos:

“O fármaco é um anticorpo humano cujo alvo de ação é impedir a presença da proteína beta-amiloide no cérebro. Os estudos mostraram que o tratamento parece retardar a progressão da doença, mas sem efeito curativo da condição”, esclarece.

Ainda segundo ele, o fármaco foi testado nas fases prodrômicas, ou seja, com comprometimento cognitivo e demência leves, e em pessoas com confirmação diagnóstica fisiopatológica feita por meio de biomarcadores, o que significa um pequeno percentual de pacientes”.

“Mesmo com o avanço das pesquisas, hoje ainda não há um biomarcador confiável que possa detectar precocemente os pacientes que possuem facilidade em desenvolver a doença no futuro”, destaca.

A neurologista Jerusa Smid, coordenadora do Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), explica como o medicamento atua sobre o acúmulo da substância beta-amiloide no cérebro de pacientes com deficiência cognitiva leve.

“O remédio diminui o acúmulo. No entanto, não mostrou eficácia clínica nem benefício evidente para os pacientes, que não tiveram melhora da cognição, a despeito de haver uma melhora no exame”, explica Jerusa, que faz parte do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento (GNCC) da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.

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Por se tratar de uma droga de uso crônico, que vem gerando expectativa social e populacional, com um resultado alvissareiro, mas que deve ser interpretado com cautela, alguns especialistas – inclusive no Brasil – avaliam como arriscada a utilização em larga escala, ainda mais imaginando-se o uso de longo prazo.

Para a neurologista Sônia Brucki, especialista da Faculdade de Medicina da USP e da ABN, faltam mais estudos com resultados positivos, porque esse foi o único em que mostrou redução da patologia da doença de Alzheimer. “Mas sabemos que nem sempre reduzindo a patologia haverá um ganho clínico na vida diária do paciente. Então, o trabalho precisa ser replicado. Por isso o órgão regulatório dos Estados Unidos obrigou a realização de um novo estudo”, diz ela.

“Quando você pede para fazer um estudo na fase 4, enquanto as pessoas estão usando, são pacientes mais do dia a dia do cuidado com a doença, qualquer que seja ela. Porque esses estudos iniciais são feitos com indivíduos que não têm outras comorbidades, não têm doenças clínicas graves e não tomam muitas medicações”, acrescenta.

Pesquisas sobre eficiência clínica e efeitos colaterais

Na fase 4 (que testa a medicação em um grupo maior de pessoas), a pesquisa deve ir atrás de mostrar eficácia clínica e esclarecer efeitos colaterais. Afinal, os avaliadores do Aducanumab também perceberam que, na dose mais alta, cerca de 40% dos pacientes tiveram efeitos colaterais, como inchaço ou sangramento cerebral.

“Antes de se falar em qualquer medicamento, é preciso um diagnóstico muito bem definido de doença de Alzheimer porque existem outras enfermidades que podem parecer com ela. Temos que pedir ressonâncias magnéticas periódicas e encontrar um biomarcador bastante efetivo na doença de Alzheimer. Por isso, em relação a esse novo tratamento, por envolver muitas coisas, os especialistas em demência ainda estão reticentes”, argumenta Sonia Brucki.

“A medicação não foi avaliada pela Anvisa. Ou seja, nem a temos por aqui. Além disso, até o momento, foi usada apenas em fase bem leve da doença ou em pré-demência (cognitivo leve). Talvez esse trabalho mais amplo possa revelar melhores resultados. Se acontecer, vai ser muito legal. Mas o fato é que ainda não mostrou”, reforça Jerusa.

Marcus Tulius explica que, mesmo que não haja cura, é sabido que o sedentarismo, o diabetes e a hipertensão não controlados, a depressão, a apneia obstrutiva do sono e a inatividade intelectual são fatores de risco para o Alzheimer.

“Por isso, é importante criar uma rotina com novas habilidades para treinar o cérebro, cultivar o hábito da leitura, manter uma dieta saudável, não fumar, praticar exercícios físicos e controlar a pressão arterial, pequenas atitudes que podem ajudar no atraso da doença e reduzir as chances de desenvolvimento de demência”, finaliza o neurologista.

Desinformação sobre demência é alarmante
Segundo relatório mundial da Doença de Alzheimer, divulgado pela Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), a desinformação da população em relação à demência de forma geral é alarmante: dois terços das pessoas entrevistadas (em um total de 100 mil) acreditam que a demência é normal e faz parte da velhice. A falta de orientação sobre o tema prejudica o diagnóstico precoce e tratamento adequado.
O médico e especialista em medicina nuclear Rafael Tavares, da Clínica Villela Pedras, explica que a doença de Alzheimer é uma síndrome que leva o paciente à uma perda de funcionalidade, ou seja, leva à demência. A prevalência aumenta muito após os 65 anos de idade, embora existam casos em que o diagnóstico ocorre de forma mais precoce.
Os sintomas iniciais são ligados ao déficit cognitivo de memória, mas incluem distúrbios de linguagem, dificuldades de executar atividades motoras, planejar execução, pegar um objeto, identificá-los. Também existe a dificuldade de planejamento, organização e execução das atividades cotidianas. O médico explica ainda que o diagnóstico Doença de Alzheimer é feito a partir de biomarcadores.
“Eles são métodos diagnósticos que podem ser de imagem, podem ser de sangue, licor e, juntos, caracterizam o diagnóstico completo da doença. A partir do momento que os sintomas são indiciados, a consulta tem que ser feita com um neurologista especializado que vai aplicar uma série de testes diagnósticos no momento do exame clínico e a partir dai, direcionar quais exames serão necessário nessa investigação”, afirma o especialista.
Segundo ele, o diagnóstico precoce é primordial para que o tratamento não seja feito de maneira equivocada, dispendioso para o paciente, para a família e biologicamente, no caso da utilização de uma droga que não se destina à doença de Alzheimer.  Em relação ao uso do medicamento experimental Aducanumab para as fases iniciais da doença de Alzheimer, explicou que a droga foi desenvolvida com o objetivo de aliviar os sintomas e retardar a progressão da doença.
O médico alerta que muitas questões ainda precisam ser abordadas. “O medicamento ainda não foi aprovado no Brasil, ainda está em processo de avaliação pela Anvisa. Os dados são complexos, o próprio FDA recomenda que continuem sendo estudados”. Como toda a medicação nova, ela pode ser promissora, oferta esperança, mas ainda existem muitas questões para serem analisadas.

Com Assessorias

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