Ser mãe na maior pandemia do século XXI não estava nos planos das mulheres que vivenciaram a maternidade durante esse período. Para algumas, a gestação sempre foi a realização de um sonho que, justamente na “sua vez”, passou a se misturar com medos e incertezas.

De acordo com Helena Aguiar, psicóloga da Perinatal/ Rede D’Or “a gravidez nunca será como imaginado”. Para as mulheres que se tornaram mães no último ano essa avaliação nunca fez tanto sentido.

Bento, filho de Carolina, nasceu no dia em que a pandemia foi decretada pela OMS (Foto: Divulgação)

No caso de Carolina Bittencourt, arquiteta e mãe de Bento, a gravidez foi planejada e extremamente tranquila, mas ela não esperava que no dia do nascimento do seu filho, 11 de março de 2020, seria decretada uma pandemia pela Organização Mundial de Saúde.

Carol saiu da maternidade direto para o isolamento social. Mãe de primeira viagem, ela conta que esse tempo junto ao seu bebê fez com que pudesse experimentar sentimentos únicos, repletos de amor e proteção. “Fizemos um isolamento bastante rígido”, conta.

E isso é considerado muito bom. Segundo Jofre Cabral, diretor médico da UTI da maternidade Perinatal/ Rede D’Or, esse contato entre mãe e filho, nesse período, pode favorecer ambos.

“A criação do vínculo auxilia os pais  a estimularem o bebê com conversa, música, canto, interação, exercícios motores ajudando muito no desenvolvimento sensorial”.

No entanto, é preciso ter um olhar atento à mãe, que está passando pelo puerpério que, naturalmente, é um período bem delicado. “O autoconhecimento ajuda na busca de estratégias para lidar com esse momento”, explica a psicóloga.

‘Fiquei paranóica de lavar a mão e do álcool em gel’

Mayza com o filho Tomás, na maternidade (Fotos: Divulgação)

Para Mayza Devens, engenheira ambiental de saúde e segurança do trabalho, o nascimento do seu filho era mais que um sonho: era a superação. Mayza já havia tido três perdas gestacionais sem uma explicação concreta quando descobriu que estava grávida.

“Até a 12ª semana foi tudo super tenso, com o histórico de perdas, tínhamos muito receio, tanto que não falamos para ninguém”, relata.

Após o exame da translucência nucal, a futura mamãe se sentiu mais aliviada para dividir a notícia com familiares e amigos. E foi em uma consulta com sua nutricionista, na 21ª semana de gravidez, que a engenheira e sua médica perceberam um edema na perna.

Nesse mesmo dia ela foi encaminhada para a emergência, onde perceberam que suas plaquetas estavam baixas, indicando pré-eclâmpsia – o que poderia acarretar graves consequências para a mãe e ao bebê, além do risco de morte.

Após duas semanas de internação, as variações nas plaquetas da paciente indicavam que a melhor solução seria realizar o parto. Ela estava com 23 semanas, ou seja 5 meses.

Na sala de parto, a esperança de Mayza renasceu quando, ao nascer, Tomás chorou. Pesando 550 gramas, seu filho vinha ao mundo no dia 28 de fevereiro de 2020. A batalha estava apenas começando e Mayza mal sabia que enfrentaria junto com a internação de seu filho.

“Passava muitas horas no hospital, cerca de 12 horas por dia, sabia que ali chegavam pessoas com Covid, fiquei paranóica de lavar a mão e do álcool em gel”, relembra.

Superando todas as barreiras, o pequeno Tomás teve alta no começo do mês de outubro, depois de 7 meses, 217 dias, 5.208 horas, 31.248 minutos e na UTI Neonatal.

“Desde a alta até agora, praticamente ninguém conheceu o Tomás, somente os avós, tias e padrinhos. E, ainda assim, todos usam máscara para pegá-lo, além da higienizarem as mãos”.

Mayza lamenta não poder apresentar Tomás a praia, parques e a natureza, mas não perde as esperanças e busca sempre ver o melhor lado de cada acontecimento.

“O nascimento de um filho é algo mágico, muitas vezes planejado em todos os detalhes e, infelizmente, não podemos ter nem nossa família por perto. Mas o bem mais precioso é ter nosso filho no nosso colo saudável”.

Grávida e positivo para Covid-19

Arthur, filho de Lidiane (Foto: Divulgação)

Na 26ª semana de gestação, a fisioterapeuta Lidiane Sagawe deu entrada na Perinatal/ Rede D’Or para realização de um procedimento intrauterino. Tratava-se da cirurgia de hérnia diafragmática congênita. No seu caso, o balão foi inserido para corrigir a malformação no feto, diagnosticada como “muito grave”, uma vez que o fígado de seu bebê estava localizado dentro do tórax.

Algumas semanas após, quando a paciente chegava ao oitavo mês, o obstetra Renato Sá, coordenador geral do Centro de Diagnóstico da Perinatal, estava preparado para realizar o procedimento de retirada do balão.

Seguindo os protocolos da maternidade, Lidiane se submeteu aos testes que detectam se a paciente está ou não com coronavírus. O diagnóstico, para surpresa de todos, foi positivo. O procedimento remoção do balão foi realizado e, no mesmo dia, a bolsa da paciente rompeu. O caso necessitava de mais cuidados.

“O risco para o bebê era altíssimo, primeiro pela hérnia, depois pela rotura da bolsa e também pela Covid. Conduzimos Lidiane à área de isolamento semi-intensiva, onde a manteve em observação até o parto”, explica Dr. Renato.

Arthur, filho de Lidiane, nasceu com 35 semanas (Foto: Divulgação)

Com 35  semanas Arthur nascia e já no dia seguinte passava por uma última cirurgia para correção da hérnia. “Foram 49 dias de internação na UTI, uma montanha russa de emoçõe, troca de experiências e apoio de outras mães”, conta Lidiane. Ela explica que poder contar com sua família foi essencial para passar por tudo isso.

“No meu pós-parto contei com apoio do meu esposo, da minha mãe, que me ajudaram em tudo que precisei e preciso até hoje. Rede de apoio é muito importante”.

Para Helena, psicóloga, a comunicação aberta é essencial para que a mulher não passe por isso sozinha. “Falar pode ajudar muito. Parece simples, não é? Mas as palavras têm grande poder nas crises”.

Trabalho de parto prematuro dentro da UTI

A técnica de Enfermagem Neuma, com as duas filhas: a caçula Bella nasceu na pandemia (Foto: Divulgação)

Dentre as histórias de superação sobre Covid, certamente, a de Neuma Xavier, técnica de enfermagem, será contada por muito tempo entre todos que presenciaram sua vitória. Afastada do trabalho devido à gravidez, Neuma seguia bem e tranquila. Sua segunda filha estava a caminho.

“Com 28 semanas comecei a me sentir mal. Minha obstetra disse que tinha que fazer o teste do Covid. Três dias depois chegou a notícia que eu tanto temia: positivo”, relembra.

A enfermeira ficou em isolamento total, mas começou a sentir falta de ar e foi para o hospital. No dia seguinte sua internação, Neuma foi transferida para a UTI. Após 12 dias respirando com ajuda de equipamentos, ela entrou em trabalho de parto prematuramente.

Na sala de parto, a equipe médica era composta por obstetra, auxiliar, anestesista, pediatra e técnica de enfermagem. Sua bebê, Bella, chegava ao mundo, com 32 semanas de gestação.

Neuma só pôde ver Bella quatro dias após o nascimento, através do vidro da UTI. Após nove dias, a enfermeira pôde pegar sua filha no colo e amamentar. Com 19 dias de internação a bebê teve alta.

“Quando ela crescer,  contarei o milagre que aconteceu em nossas vidas. Ela foi uma guerreira por conseguir ficar na minha barriga com todos os sintomas que eu sentia, com falta de ar, sem conseguir respirar direito. Hoje ela é uma bebezinha saudável,  linda e cheia de energia. Meu melhor acontecimento de 2020”, conta Neuma.

O pavor do vírus desconhecido e a fobia de aglomeração

Júlia Ricci, na foto ainda grávida, conta do pavor do vírus desconhecido (Foto: Divulgação)

Tentando engravidar desde o final de 2019, Júlia Ricci, gerente de marketing, percebeu que a pressão não estava ajudando nesse processo. “Achava que tinha que seguir todos os rituais ou as receitas “infalíveis” da internet para engravidar”, conta.

Quando veio a pandemia, ela e o marido já tinham decidido relaxar e deixar acontecer na hora certa. O que ela não esperava era que, em maio, viveria o maior desafio da sua vida: passaria a gravidez inteira em uma pandemia.

“Esse momento foi marcado por incertezas e medos de qualquer mãe de primeira viagem. Havia também o pavor do vírus desconhecido e muito álcool nas mãos”.

Julia conta que, apesar do momento crítico, nem a máscara conseguia disfarçar o sorriso estampado no rosto. Para ela, com a distância dos parentes e amigos, a gravidez foi um momento de autoconhecimento, descobertas e a avaliação de uma vida nova.

“O isolamento trouxe uma certa fobia de aglomeração. Hoje, não consigo imaginar aquele bloco de carnaval onde ficávamos espremidos uns nos outros ou um jogo de futebol no Maracanã onde gritávamos na comemoração de um gol. E não sei se isso volta ao normal, pelo menos pra mim”, reflete.

Para Helena Aguiar, psicóloga da Perinatal, essa percepção sobre si é excelente em tempos como o que estamos vivendo. “Cada um poderá buscar estratégias que façam sentido para si. Não existe algo que seja bom para todos”, comenta.

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