Aos 52 anos, a atriz Letícia Sabatella descobriu ser uma pessoa dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA), nível 1 de suporte, considerado o mais leve. Ela revelou o diagnóstico recentemente no podcast “Papagaio Falante” e neste domingo (17) deu uma longa entrevista ao Fantástico, da TV Globo, em que contou como ainda tenta entender a nova condição.

“A sensação mesmo foi libertadora. Eu ainda estou nesse flerte de buscar a melhor compreensão sem desespero algum em relação a isso”, contou a atriz ao revelar que já foi rotulada até mesmo como maluca. “Sempre fui reconhecida como pisciana, artista, sonhadora, romântica, idealista. Ou até em algumas situações mais abusivas como maluca, louquinha”, disse.

Ouça trechos inéditos da entrevista de Letícia Sabatella

Não é impressão nossa: o número de pessoas identificadas como autistas já na fase adulta tem crescido mais a cada dia. Assim como Sabatella, a cantora australiana Sia descobriu o autismo aos 47 anos. Já a atriz e cantora brasileira Leilah Moreno, de 38 anos, foi diagnosticada dentro do espectro após os 25. Aos 36, no ano passado, a jornalista, fotógrafa e ex-BBB Angélica Martins, a Morango, recebia o mesmo diagnóstico.

 

Por que mulheres são diagnosticadas já adultas?

A falta de conhecimento sobre o autismo e suas características faz com que haja uma subnotificação sobre os casos que envolvem o distúrbio, ou seja, o preconceito e o distanciamento da população quanto à temática torna difícil que pais, professores e a comunidade percebam indicativos do transtorno em crianças e recomendem a busca de um profissional.

Alexandre Pimenta, responsável técnico pela rede AmorSaúde, e que acompanha de perto centenas de diagnósticos todos os dias, destaca que a falta de conhecimento sobre o TEA, faz com que muitas pessoas cheguem à idade adulta sem saberem que possuem um distúrbio.

“O número de diagnósticos de autismo em crianças vem crescendo, mas será que o transtorno é mais comum agora do que era a anos atrás? Grande parte dos especialistas acha que não. É provável que os números tenham aumentado justamente porque agora conhecemos melhor o espectro do que conhecíamos há 30 ou 40 anos, por exemplo. Isso nos faz pensar em todas as pessoas adultas que nunca foram diagnosticadas, e que, portanto, nunca tiveram qualquer tipo de tratamento”, afirma o médico.

Além disso, como nem todo mundo sabe reconhecer os sintomas do autismo em adultos, o diagnóstico tardio se torna ainda mais difícil. “Não raras as vezes, isso compromete a qualidade de vida das pessoas que convivem com o TEA, mas sequer conhecem sua condição. O preconceito e os tabus impostos pela sociedade, o excesso de cobrança por resultados cada vez mais exigentes, fazem com que muitas dessas pessoas fiquem sem o diagnóstico e tratamento adequado, às vezes tratados como TDH ou outros distúrbios do comportamento”, pontua o médico.

Conforme destaca o responsável técnico pela rede de clínicas, a subnotificação de casos de TEA entre adultos pode inviabilizar que milhares de pessoas sejam integradas à dinâmica social e conheçam seus direitos nos mais diversos âmbitos, desde o mercado de trabalho até o sistema de ensino.

Mulheres autistas se comportam de ‘maneira socialmente aceitável’, diz estudo

Embora o TEA seja mais comumente associado a homens, é cada vez mais reconhecido que as mulheres também podem ser afetadas por essa condição. Nos últimos anos, tem havido um aumento do interesse e da pesquisa sobre o TEA em mulheres, com o objetivo de entender melhor as diferenças de apresentação clínica, desafios específicos e necessidades de suporte.

Essa compreensão mais aprofundada é crucial para fornecer intervenções adequadas e personalizadas às mulheres no espectro autista. Diversos estudos têm destacado que as mulheres com TEA podem apresentar características e padrões de comportamento diferentes dos homens.

Por exemplo, elas podem ter habilidades sociais aparentemente mais desenvolvidas, o que pode levar a um diagnóstico tardio ou a uma subestimação das suas dificuldades. Além disso, a presença de interesses e atividades repetitivas pode ser mais sutil ou diferir daquelas observadas em homens.

Estudo recente sobre o autismo em mulheres adultas indica que existem 37 recomendações a serem levadas em conta para o diagnóstico tardio. O Diagnóstico positivo e diferencial de autismo em mulheres verbais de inteligência típica: Um estudo Delphi” (tradução livre) reúne orientações de 20 especialistas de sete países.

A primeira recomendação da pesquisa diz que “as mulheres autistas aprenderem certas contingências sociais que lhes permite parecer mais típicas”, ou seja, elas se comportam de maneira “socialmente aceitável” em determinadas situações.

E foi justamente assim que aconteceu com Letícia, que procurou desde criança encontrar uma forma de se ajustar a uma condição que era desconhecida.

“O diagnóstico traz alívio pra quem passa a vida se achando diferente e incompreendida”, disse Letícia, que também se sentia incomodada com o barulho. Na escola, aos 9 anos, os amigos se afastaram. Para se proteger, buscou refúgio nas artes. As aulas diárias de balé, as idas a concertos e cinemas, os livros, o teatro que iniciou aos 14 anos, acabaram por ajudá-la a lidar com as dificuldades de relacionamento. Para a atriz, a sensação de receber o diagnóstico foi “libertadora” e a ajudou a compreender sua hipersensibilidade sensorial. “Tem horas que eu chego a passar mal, parece uma agressão”, diz.

Elas têm maior risco de desenvolver problemas de saúde mental

“Mulheres com TEA podem ter um maior risco de desenvolver problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e distúrbios alimentares. É fundamental garantir que elas tenham acesso a serviços de saúde mental e apoio adequados, levando em consideração suas necessidades específicas”, afirma a professora Amélia Dalanora da EID – Escola Internacional de Desenvolvimento.

No entanto, ainda há desafios significativos na identificação e no suporte a mulheres com TEA. Muitas vezes, o estereótipo de que o TEA é predominantemente um transtorno masculino pode levar a subdiagnóstico e falta de apoio adequado para mulheres. É essencial conscientizar profissionais de saúde, educadores e o público em geral sobre essa diversidade no espectro autista.

À medida que a pesquisa e o conhecimento sobre o TEA em mulheres continuam a avançar, é esperado que haja uma melhoria no diagnóstico precoce, suporte e inclusão das mulheres no espectro autista.

“É necessário um esforço conjunto da sociedade para garantir que todas as pessoas, independentemente do gênero, recebam a atenção e o suporte necessários para viver uma vida plena e satisfatória”, aponta Mirian.

Marido de Leandro Karnal descobriu autismo aos 25

leticia sabatella
Leandro Karnal e seu marido, Vitor Fadul, e a atriz Letícia Sabatella – (Fotos: Reprodução das Redes Sociais)

Vitor Fadul, marido do filósofo Leandro Karnal, também descobriu ser autista tardiamente, aos 25 anos. Ele declarou que percebia sinais desde sua infância, mas, por medo do resultado, postergou o diagnóstico.

“Não me encaixava bem em nenhum ambiente. Era um estranho no ninho. Com o tempo, isso foi minando minha autoestima, e assim segui até a adolescência, quando comecei a apresentar sintomas tímidos de depressão”, contou ele à revista ‘Veja’.

Após ter consciência de sua condição, Vitor Fadul diz ter entrado em um processo de autoconhecimento. “Finalmente, recebi o diagnóstico do transtorno do espectro autista (TEA). Isso representou a virada de chave na minha vida, a ficha que caiu. A partir dali, diversos acontecimentos mal resolvidos do passado fizeram sentido”, disse.

Entenda os diferentes níveis de autismo

Dados do CDC (Center of Deseases Control and Prevention), dos Estados Unidos, apontam que cerca de 2% da população mundial são afetadas pelo TEA, o que corresponde a um contingente de mais de 70 milhões de pessoas – ou um caso de autismo a cada 110 pessoas. No Brasil, estimam-se cerca de 2 milhões de autistas, mas na realidade este número tende a ser ainda maior.

A classificação do autismo ocorre de acordo com o nível de necessidades e suporte, ou seja, autismo nível 1 (Autismo Leve); Autismo nível 2 (Autismo Moderado); e Autismo nível 3 (Autismo Severo). Assim,  quando o diagnóstico é tardio, quase sempre é nível 1, já que as características são leves e podem passar despercebidos por muito tempo.

Conforme aponta o boletim Linhas de Cuidado do Governo Federal, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é “um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por déficits na comunicação e na interação social, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados, desenvolvimento atípico e manifestações comportamentais diferenciadas, fazendo com que o paciente possa apresentar um repertório restrito de interesses e atividades”.

  1. Palavra de Especialista

Reflexões sobre conscientização e evolução nos diagnósticos

Marcelo Alves dos Santos*

Por conta da publicação feita pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), órgão do governo americano, atualizado bienalmente, com dados de 2020, levantou-se a seguinte indagação: Por que houve aumento, principalmente em crianças, nos diagnósticos de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA)?

Antes mesmo de apresentar possibilidades de resposta para essa pergunta, cabe explicar do que se trata o Transtorno do Espectro do Autismo (CID 11- 6A02). A Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), desenvolvida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), classifica o TEA como:

“Um transtorno caracterizado por déficits persistentes na capacidade de iniciar e manter a interação social recíproca e a comunicação social, e por uma série de padrões de comportamento, interesses ou atividades restritos, repetitivos e inflexíveis que são claramente atípicos ou excessivos para o indivíduo, idade e contexto sociocultural. O início do transtorno ocorre durante o período de desenvolvimento, tipicamente na primeira infância, mas os sintomas podem não se manifestar completamente até mais tarde, quando as demandas sociais excedem as capacidades limitadas”.
 

A CID 11, além de utilizar uma linguagem comum para melhor comunicação entre profissionais da saúde e de diversas áreas, pode auxiliar no melhor direcionamento de algumas práticas, intervenções e cuidados necessários com a pessoa diagnosticada como TEA, cuja classificação se dá em nível de necessidades e suporte, ou seja, autismo nível 1 (Autismo Leve); Autismo nível 2 (Autismo Moderado); e Autismo nível 3 (Autismo Severo).
 

No Brasil, o Congresso Nacional decretou e sancionou a Lei Nº 12.764, no dia 27 de dezembro de 2012, instituindo a Política de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Já em 8 de janeiro de 2020, o dispositivo legal referido foi alterado pela Lei Nº 13.977. Com isso, foi dado outras providências, entre essas, a criação da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea). 

Esta nova política pública garante a atenção integral, pronto atendimento e prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social. Cabe salientar, que há muito mais a se falar sobre TEA, o que foi exposto é uma pequena contextualização, que em nada esgota sua complexidade.
 

Dito isso, podemos levantar algumas possíveis repostas para a indagação causada pelo relatório da CDC. Como visto, atravessamos um momento histórico, até impulsionado pela pandemia do Covid-19, com maior conscientização relacionadas à saúde mental, ou seja, há maior visibilidade e preocupação com questões relacionadas às doenças mentais (transtornos e síndromes). Outro ponto importante: tivemos avanços nos processos diagnósticos, maior qualificação de profissionais da saúde e aumento da conscientização sobre o TEA.
 

No Brasil, há várias campanhas públicas sobre os cuidados com as crianças, que vão para além de campanhas de vacinação, por exemplo, Teste do Pezinho, Teste do Olhinho, Teste do Coraçãozinho, entre outras. Com isso, no site do Ministério da Saúde, há inúmeras preocupações/orientações descritas em relação à saúde da criança, uma vez que é entendido que as experiências vividas nos primeiros anos de vida são fundamentais para formação do adulto.
 

Dessa forma, o olhar que os pais devem ter para o desenvolvimento da criança torna-se algo de muita importância, estimulado e cobrado de diversas formas, sendo foco de muitas campanhas. Contudo, mesmo que os sintomas do TEA só possam ser percebidos na primeira infância (entre 18 meses e três anos de idade), é possível entender que aquilo que antes não era percebido, ou até mesmo negado pelos pais, hoje, há a busca por informação, por ajuda e diagnósticos que possam dar condições de acompanhamento e de melhores possibilidades de vida a crianças diagnosticadas.
 

Atualmente, temos visto maior interesse por parte das pessoas na identificação de possíveis necessidades que caracterizariam o espectro autista, mesmo sendo adultas (diagnósticos tardios em adultos). Isso tem contribuído com a diminuição do preconceito, que servia como limitador, na busca de profissionais dessa área.

  1. Somado a esses fatos, temos também, maior divulgação de diagnósticos tardios, publicitadas por figuras famosas, como o caso da atriz Letícia Sabatella, a cantora Sia, a atriz e cantora brasileira Leilah Moreno, a jornalista Angélica Martins, entre outros. Ou mesmo, a apresentação de parentes de famosos que possuem TEA, como é o caso de Romeo Mion (filho do apresentador Marcos Mion), que dá o nome a atual lei que tem por objetivo garantir direitos básicos as pessoas com autismo em todo o Brasil.
  2. Não podemos deixar de citar o Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab), que há anos tem mobilizado preocupação com pessoas autistas. A sociedade está passando por uma transformação positiva, cuja busca por diagnósticos precoces em crianças e mesmo a identificação tardia em adultos estão se tornando cada vez mais comuns, independentemente do nível apresentado.
  3. A legislação, as campanhas de conscientização e a visibilidade proporcionada por figuras públicas, desempenham papéis cruciais nesse cenário. Este pode ser um passo na direção de uma sociedade mais inclusiva, que valoriza e apoia todas as pessoas, reconhecendo que cada indivíduo é único e merece a oportunidade de alcançar seu pleno potencial.
  4. *Doutor em Psicologia pela PUC/SP, professor do curso de Psicologia no Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).

Com informações do G1 e Assessorias

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