A morte do cantor e compositor Lô Borges, aos 73 anos, reacendeu uma discussão urgente sobre o uso de medicamentos e os riscos invisíveis por trás das interações entre remédios. Internado desde 17 de outubro por intoxicação medicamentosa, o artista mineiro — um dos ícones do Clube da Esquina — teve falência múltipla de órgãos após uma combinação de substâncias que o corpo não suportou. O caso trouxe à tona um problema silencioso, mas cada vez mais comum: o uso simultâneo e sem acompanhamento de diversos medicamentos.
O caso também um tema que exige cuidado e informação: as interações medicamentosas. O termo técnico se refere a uma modificação da ação de um medicamento pela presença simultânea de outro, de alimentos, bebidas, substâncias naturais ou até vitaminas. Essas interações podem alterar o efeito esperado do medicamento, aumentando ou reduzindo sua ação e, em alguns casos, causar reações adversas graves, hemorragias, crises hipertensivas, ou falência de órgãos.
De acordo com especialistas, muitos desses casos poderiam ser evitados com a orientação adequada de um farmacêutico, profissional que está mais próximo da população e preparado para identificar riscos antes que eles ocorram.
O que muita gente chama de ‘excesso de remédio’ muitas vezes é, na verdade, uma interação medicamentosa, quando uma substância altera o efeito da outra no organismo. Essa combinação pode anular a ação de um medicamento, potencializar seus efeitos colaterais ou gerar intoxicações graves”, explica o farmacêutico homeopata Jamar Tejada.
O perigo está na mistura, não apenas na dose
Segundo o especialista, o corpo humano é uma verdadeira “usina bioquímica”, e qualquer desequilíbrio pode gerar reações em cadeia. “Quando tomamos vários medicamentos, especialmente de classes diferentes — antidepressivos, anti-inflamatórios, remédios para pressão ou para dormir —, eles passam a disputar as mesmas enzimas e receptores no fígado e nos rins. Isso pode levar à sobrecarga desses órgãos e, em casos extremos, à falência”, alerta.
O farmacêutico destaca que o risco aumenta em pessoas com doenças crônicas, idosos e pacientes que fazem uso contínuo de medicações. “É um público que precisa de vigilância redobrada. Às vezes, o próprio médico desconhece tudo o que o paciente está tomando. Por isso, o acompanhamento farmacêutico é essencial.”
Automedicação: o vilão invisível
O Brasil é um dos países com maior índice de automedicação no mundo. De acordo com a Associação Brasileira das Indústrias Farmacêuticas, mais de 77% dos brasileiros admitem tomar remédios sem prescrição. “A cultura do ‘vou tomar só um remedinho’ é perigosa. A pessoa mistura anti-inflamatórios, relaxantes musculares, vitaminas e fitoterápicos sem imaginar que eles podem interagir. O fígado e os rins acabam sendo os primeiros a pagar a conta”, comenta Jamar.
Ele ainda reforça que suplementos e produtos naturais também podem causar intoxicação. “O fato de algo ser natural não o torna inofensivo. Até a homeopatia deve ser usada com orientação profissional. A diferença entre o remédio e o veneno está na dose e na consciência de quem o usa.”
Como as interações medicamentosas acontecem
O Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP) esclarece que as interações podem ocorrer de forma intencional e benéfica, quando o médico ou farmacêutico combina medicamentos para potencializar efeitos ou reduzir doses, mas também podem acontecer de maneira acidental, quando o paciente associa medicamentos por conta própria, sem orientação.
Nesses casos, os riscos são altos:
– Potencialização dos efeitos colaterais, como sonolência, sangramentos ou quedas bruscas de pressão;
– Diminuição da eficácia terapêutica, levando o paciente a acreditar que o medicamento “não está funcionando”;
– Complicações clínicas, como insuficiência renal, hepática ou crises hipertensivas.
Exemplos comuns de interações perigosas
Anti-histamínicos com antiácidos: antiácidos contendo alumínio ou magnésio reduzem a absorção de anti-histamínicos como a fexofenadina.
Ácido acetilsalicílico (AAS) e anti-inflamatórios: aumentam o risco de sangramento gastrointestinal, especialmente em uso concomitante com corticosteroides ou anticoagulantes.
Antibióticos como rifampicina / rifabutina e anticoncepcionais orais: reduzem a eficácia do anticoncepcional, podendo levar à gravidez indesejada.
Ácido acetilsalicílico (AAS) em casos de dengue: pode provocar hemorragias graves e até a morte.
Laxantes de uso contínuo: causam desidratação, alterações metabólicas e dependência.
Antiácidos e dor de estômago: podem mascarar sintomas de doenças graves, como úlceras, tumores ou até infarto, ao aliviar temporariamente a dor e retardar o diagnóstico.
Vitaminas em excesso: podem causar intoxicações, como hipertensão craniana em crianças por excesso de vitamina A.
Erva de São João com sinvastatina: reduz a eficácia do medicamento para colesterol.
Valeriana e sedativos: potencializam a depressão do sistema nervoso central, levando à sonolência intensa ou confusão mental.
Antibióticos como a eritromicina e medicamentos para hipertensão (como nifedipina): podem causar queda brusca da pressão arterial.
Esses são apenas alguns dos inúmeros exemplos de associações perigosas, que incluem desde medicamentos de uso contínuo até fitoterápicos e suplementos vendidos livremente.
Medicamentos e alimentos também interagem
Nem sempre as interações envolvem dois medicamentos. Alimentos e bebidas também podem modificar a ação dos medicamentos:
Leite e antibióticos (tetraciclina; doxiciclina ou fluoroquinolonas): reduzem o efeito do antibiótico.
Vitamina C em excesso e vitamina B12: a vitamina C pode inativar a B12.
Álcool e medicamentos para pressão, sono ou dor: aumentam o risco de desmaios, quedas e intoxicações.
O papel essencial do farmacêutico
O profissional é o mais próximo da população e essencial para evitar esses acidentes
O farmacêutico é o profissional de saúde mais acessível à população e tem papel fundamental na prevenção de interações perigosas. Ele é o elo entre o paciente, o médico e o medicamento e pode identificar riscos antes que o problema aconteça. Antes de iniciar um novo tratamento, o ideal é informar ao farmacêutico todos os medicamentos, suplementos e chás utilizados. Esse simples diálogo pode evitar reações graves e até salvar vidas.
A automedicação e o uso combinado de medicamentos sem orientação ainda são práticas muito comuns no Brasil. O farmacêutico está preparado para orientar o paciente sobre o uso correto e seguro dos medicamentos”, reforça a Dra. Amouni Mourad, assessora técnica do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP).
A importância da farmacologia integrativa
Com mais de 25 anos de atuação na área da farmácia e homeopatia, Jamar Tejada defende uma abordagem integrativa e preventiva no uso de medicamentos. “A função do farmacêutico clínico é avaliar o histórico do paciente, as possíveis interações e, junto ao médico, ajustar o tratamento para que ele seja seguro e eficaz. É uma parceria que salva vidas.”
Ele ressalta que a tragédia envolvendo Lô Borges deve servir como alerta. “É um caso triste, mas que precisa gerar reflexão. Tomar remédio não é um ato simples. É preciso entender que cada organismo reage de forma única. O corpo fala — e muitas vezes o excesso de medicamentos o faz gritar.”
Como evitar problemas
Nunca misture medicamentos sem orientação profissional.
Informe sempre ao médico ou farmacêutico todos os medicamentos, vitaminas e produtos naturais que utiliza.
Leia a bula e siga as recomendações de horários e doses.
Evite automedicação.
Em caso de dúvida, oriente-se o farmacêutico.
Com Assessorias




