Até 2019, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a taxa de infecção hospitalar atingiu 14% das internações no Brasil. Um estudo feito pelo Instituto Latino Americano de Sepse (ILAS) revelou que a estimativa de ocorrência dessa infecção no país chega a 670 mil casos por ano, sendo 50% fatais.
Não se tem ainda dados oficiais sobre o número de casos durante a pandemia, mas estima-se que pode ter aumentado consideravelmente com os registros das infecções decorrentes do novo coronavírus. Geralmente causada por bactérias e vírus, como em alguns casos mais graves da Covid-19, a sepse faz com que o sistema circulatório não consiga suprir as necessidades sanguíneas de órgãos e tecidos, levando a uma condição potencialmente fatal.
De acordo com Niedja Curti, gerente médica do Hospital Municipal Evandro Freire/ CER-Ilha, gerenciado pelo Cejam – Centro de Estudos e Pesquisas Dr. João Amorim, a relação entre a sepse e o coronavírus é apontada em estudos recentes sobre os casos clínicos observados desde o início da pandemia.
Uma pesquisa feita pela Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo revelou que os mediadores que causam lesões no pulmão e no coração, conhecidos como NETs (Neutrophil Extracellular Traps), também estão presentes no vírus da Covid-19. No entanto, segundo a especialista, embora haja a possibilidade de desenvolvimento da sepse em pacientes com a doença, informações obtidas até o momento indicam que são poucos os casos que evoluem nesse sentido.
A especialista ainda destaca que os sintomas de pacientes graves do novo coronavírus podem ser semelhantes aos causados pela sepse. No entanto, a disfunção pode acometer pessoas portadoras de outros processos infecciosos, com riscos maiores de complicações clínicas.
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Infecção hospitalar pode começar pela boca
A missão do controle das infecções hospitalares passa pelas mãos dos cirurgiões-dentistas que atuam em hospitais – somente no Estado de São Paulo são pouco mais de 600 profissionais. Eles lidam diariamente contra doenças que podem se originar na boca e agravar o quadro dos pacientes em leitos hospitalares, seja em enfermarias ou nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Em meio à pandemia da Covid-19, o desafio do cirurgião-dentista é ainda maior entre os trabalhadores da Saúde por atuarem diretamente na cavidade oral dos pacientes infectados.
Enquanto antes do novo coronavírus, a atuação dos profissionais de Saúde Bucal chegou a reduzir em até 56% as infecções respiratórias nas UTIs, segundo dados de 2018 da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), hoje, o cuidado odontológico se faz ainda mais necessário, segundo alerta o Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (Crosp).
A pandemia trouxe vários desafios aos profissionais de Saúde e, muito mais, ao cirurgião-dentista pelo contato direto que temos com a boca e a via respiratória. Sabemos da relação entre o aumento do tempo de internação e a piora da saúde bucal em qualquer paciente hospitalizado”, explica Juliana Bertoldi Franco, cirurgiã-dentista que integra as câmaras técnicas de Odontologia Hospitalar e de Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais do Crosp.
Segundo ele, chama atenção nos infectados pelo Sars-CoV-2 o aumento do tempo de permanência em UTI e da necessidade da intubação orotraqueal com ventilação mecânica. “Isso ocasiona lesões orais traumáticas, por conta da presença dos mantenedores de vida, assim como infecções oportunistas orais e lesões orais inespecíficas. Ou seja, o paciente permanece mais tempo em UTI, intubado por longos períodos, muitas vezes pronado (quando colocado de bruços para melhor ventilação pulmonar), e com muitas demandas odontológicas”, acrescenta.
Riscos evitados pelo cirurgião-dentista hospitalar
Pneumonia associada à ventilação (PAV) – nos casos de intubação, sangramentos, ressecamento dos lábios e da mucosa oral, quadros de babação, traumas orais por mordedura e candidíase oral são algumas das condições que podem ser diagnosticadas e tratadas pela Odontologia Hospitalar.
Mas o cenário, assim como nos demais departamentos de Saúde diante da crise sanitária, não é favorável. Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) somam quase 24 mil leitos de UTIs em todo o estado de São Paulo, uma proporção de cerca de 40 leitos para cada cirurgião-dentista habilitado em Odontologia Hospitalar.
Juliana também é cirurgiã-dentista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, atua no Hospital Auxiliar de Suzano e no Instituto Central, além de coordenadora Clínica da Assistência Odontológica em UTI, e tem visto de perto os esforços para atender todos esses pacientes.
Dentro do hospital, o cirurgião-dentista atua em equipe multidisciplinar composta por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, assistentes sociais e farmacêuticos. O entendimento das ações de cada um é primordial para os melhores resultados conjuntos e, quando temos profissionais da Odontologia realizando ou treinando o time de especialidades sobre procedimentos orais à beira leito, temos inúmeros benefícios ao paciente, em qualquer cenário, durante a internação”, afirma.
Entenda o caminho da infecção
A cavidade oral é o começo de dois importantes sistemas do corpo humano: o respiratório e o digestivo. Nosso objetivo é o diagnóstico de infecções odontogênicas, ou seja, de origem dentária ou periodontal, e a remoção através dos procedimentos odontológicos, auxiliando na melhora clínica do quadro geral do paciente, na reabilitação e na prevenção de outras infecções”, conta Juliana.
Ou seja, por mais que a infecção esteja localizada em um dente ou no tecido periodontal, como é chamada toda a parte que dá suporte aos dentes, ela pode ser disseminada pelo sangue e modificar todo o curso do tratamento médico ou até agravar as condições do paciente. Isso quer dizer que mesmo a boca sendo a entrada para os sistemas respiratório e digestivo ela também pode oferecer condições para a piora de outras patologias devido à produção e liberação de toxinas bacterianas e mediadores inflamatórios.
Por isso, a presença dos profissionais da Odontologia Hospitalar é tão fundamental, atuando na prevenção das infecções hospitalares e no tratamento dos agravos decorrentes da longa hospitalização. Ainda que sejam poucos, eles trabalham todos os dias para salvar vidas e, consequentemente, resgatar verdadeiros motivos para sorrir.
Como identificar a sepse?
Niedja Curti explica que nosso organismo atua constantemente se defendendo de agentes externos, uma reação comum e que, em condições normais de saúde, pode ocorrer sem quaisquer sintomas. Já quando o corpo não consegue fazer esse processo, a infecção faz com que o organismo lance mecanismos de defesa que prejudicam suas funções vitais.
“Nesses casos, o paciente pode apresentar sintomas como queda de pressão arterial, diminuição na produção de urina, falta de ar, taquicardia, alteração de consciência, fraqueza extrema e vômito”, frisa Niedja. As causas mais comuns que levam a essa disfunção são infecções nos pulmões, na pele e no abdômen (no apêndice, nos intestinos, entre outros), além de infecções renais e urinárias ou meningite.
Embora a probabilidade seja maior em casos de pacientes que já se encontram hospitalizados, em tratamento de um quadro infeccioso, a sepse pode se desenvolver em idosos acima de 65 anos, bebês prematuros ou crianças com menos de um ano de vida e pacientes com doenças crônicas, como insuficiência renal, cardíaca ou diabetes.
Detecção precoce pode determinar limite entre a vida e a morte
“A cura da doença está diretamente ligada ao status clínico do paciente e à expertise da equipe médica de atuação no caso”, salienta a médica. Segundo ela, é necessário que os profissionais tenham sensibilidade na detecção precoce dos sinais no paciente para uma rápida atuação.
Além disso, a disseminação de informação é fundamental. “A sepse não acontece apenas no ambiente hospitalar. Por isso, para ajudar na prevenção é importante evitar a automedicação, cultivar hábitos saudáveis e não fazer uso desnecessário de antibióticos”, finaliza.
Com o objetivo de conscientizar os profissionais de saúde e a população sobre os riscos da sepse e sua gravidade, a Global Sepsis Alliance (GSA) instituiu o Dia Mundial da Sepse, comemorado em 13 de setembro. A data visa gerar o debate, fomentando a divulgação de medidas preventivas, tratamento e cuidados que contribuam para reduzir os índices de letalidade.
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Com Cejam e Crosp