Os últimos três casos de morte por febre maculosa, confirmados em Campinas, interior de São Paulo, nesta quarta-feira (14/6), acendem o alerta para uma doença infecciosa grave e de alta letalidade, ainda pouco conhecida do público geral, que é transmitida pelo carrapato-estrela (Amblyomma cajennense) infectado pelas bactérias Rickettsia rickettsii e Rickettsia parkeri.

De acordo com levantamento mais recente do Ministério da Saúde, de 2007 a 2021, foram notificados 36.497 casos da doença no Brasil, dos quais 7% foram confirmados, em uma média de 160 por ano nesse período, com letalidade de cerca de 28%. Somente neste ano, a pasta já atualizou para 53 o número de casos de febre maculosa confirmados este ano no país, com oito mortes registradas.

Todos os óbitos ocorreram na Região Sudeste — seis em São Paulo, um em Minas Gerais e um no Rio de Janeiro. Quanto ao número de casos, a maior concentração de ocorrências é verificada nas regiões Sudeste (30) e Sul (17). O Estado de SP tem seis óbitos registrados no total desde janeiro deste ano.

O Instituto Adolfo Lutz, na capital paulista, fez os exames e constatou os resultados de febre maculosa nestas pessoas que morreram em Campinas. As três vítimas estiveram em um mesmo evento realizado na região no dia 8 de junho. Segundo o Ministério da Saúde, o município é área endêmica. A pasta diz que mantém contato com o estado para acompanhamento das ações de vigilância e assistência.

Temporada de surtos da doença vai até setembro

No Brasil, a doença é causada pela bactéria Rickettsia rickettsii, transmitida principalmente pelo carrapato-estrela e comum na região do Cerrado e em áreas degradadas da Mata Atlântica. O maior risco da febre maculosa ocorre no período da sazonalidade, que começa em maio e vai até setembro.

A doença tem como principais sintomas febre alta e súbita, dor de cabeça, abdominal e muscular. Pode haver erupções no local da picada do carrapato. O tratamento imediato com antibióticos é recomendado para evitar o agravamento do quadro.

Segundo a pasta, no geral, os casos aparecem de maneira esporádica. A transmissão da febre maculosa ocorre somente por meio do contato com o carrapato estrela infectado pela bactéria do gênero Rickettsia. Não há, portanto, transmissão de pessoa para pessoa.

“O tratamento oportuno é essencial para evitar formas mais graves da doença e óbitos”, alerta o ministério. De acordo com a pasta, assim que surgem os primeiros sintomas, o paciente deve procurar as unidades de saúde para avaliação médica e tratamento disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).

Cuidados ao visitar regiões endêmicas do RJ

No Rio de Janeiro, apesar dos oito casos de febre maculosa registrados no período, não houve óbitos. Diante da letalidade da doença e dos recentes casos no país, principalmente em São Paulo, a Secretaria de Estado de Saúde (SES-RJ) ressalta que é fundamental um diagnóstico rápido e preciso.

“Quando o tratamento é iniciado nos primeiros cinco dias após o início da exposição, as chances de cura são muito elevadas. Mas se realmente não for diagnosticada a doença, o risco de morte é muito grande, infelizmente”, afirma o infectologista Alexandre Chieppe, que foi secretário de Estado de Saúde até o ano passado e hoje é presidente do Instituto Vital Brazil.

Geralmente, a incidência da febre maculosa se dá nas chamadas áreas endêmicas, onde já existe a transmissão, que ocorre por meio do contato do ser humano com o carrapato infectado pela bactéria causadora da doença.

No momento ou mesmo em outras épocas do ano, explica a SES-RJ, é importante que as pessoas tomem alguns cuidados caso visitem ou residam em áreas endêmicas, como as regiões Serrana, Noroeste e parte da Norte no Estado do Rio de Janeiro.

“Se a pessoa esteve em uma área endêmica e apresentou um quadro de febre, é preciso procurar imediatamente um médico e informar que esteve nesse local, evitando que se confunda com outras doenças para não prejudicar o diagnóstico”, ressalta Chieppe.

Diagnóstico e tratamento no SUS

Para áreas consideradas de risco, o ministério recomenda o uso de roupas que cubram todo o corpo, priorizando calças, blusas ou camisetas com mangas compridas e sapatos fechados.

Como o carrapato-estrela costuma ficar em animais, como o cavalo e a capivara, principalmente, outra medida importante é o uso de roupas claras quando estiver numa região endêmica, ou em área de mata. A tonalidade da roupa facilita a identificação da presença do carrapato no corpo para que possa ser retirados.

“Examine o corpo com frequência — quanto mais rápido os carrapatos forem retirados, menores as chances de infecções. Caso um animal esteja infestado por carrapatos, procure orientação de um médico veterinário”, diz a nota do ministério da saúde.

O ministério informa que tem promovido ações recorrentes de capacitação direcionadas às vigilâncias estaduais e municipais, envolvendo profissionais da vigilância e da atenção à saúde.

Em nota, a pasta informa que está sendo usado um medicamento antimicrobiano para tratar a febre maculosa e que todas as unidades federativas estão abastecidas com os remédios prioritários para o tratar a doença, incluindo São Paulo. A nota diz ainda que dispõe de estoque estratégico para envio de novas remessas aos estados que precisarem.

Infectologista faz alerta sobre gravidade da doença

A Sociedade Paulista de Infectologia (SPI) esclarece que a febre maculosa é uma doença infecciosa transmitida pela picada do carrapato estrela que está infectado com uma bactéria chamada Rickttesia que penetrando no corpo do ser humano pode ser até fatal.  Não existe transmissão de pessoa para pessoa, sempre é necessário que haja o vetor (carrapato) e este tenha a bactéria (rickttesia) para que haja a transmissão.

O diretor da SPI, Álvaro Costa, esclarece que a maioria dos casos é benigna, mas algumas pessoas podem evoluir para a forma mais grave, onde apresenta uma coagulação intravascular disseminada, em alguns territórios nobres, causando quadros muito graves.

“Esse carrapato pode estar em animais como cavalos, capivaras entre outros. A pessoa entra em risco de aquisição de doença quando frequenta algum local que tem esse carrapato com a bactéria. Maior parte dos casos nos últimos anos foram na região Sudeste do Brasil, mas pode acontecer em outros locais e o diagnóstico é muito difícil, porque os sintomas iniciais são muito parecidos com várias outras doenças infecciosas”, alerta.

Por isso, fique atento a sinais, como febre, dor no corpo, uma alteração na pele, especialmente na febre maculosa, há umas pintinhas que podem aparecer na palma e planta das mãos, por exemplo, e com uma evolução desse quadro pelo corpo, muito rapidamente.

“É importante quando manifestar esses sintomas e tiver uma história de contato com carrapato, ter a procura pelo serviço de saúde, porque o diagnóstico não é muito simples, os testes sorológicos são complexos”, informa o infectologista.

Além disso, existe um tratamento, quando há suspeita da febre maculosa, que pode ser iniciado mesmo quando há apenas a suspeita do médico, que é o uso de um antibiótico específico para tratar essa bactéria.

O que fazer em locais onde tem carrapatos

– Tente retirá-lo do corpo se você encontrar rapidamente;

– Quando for em áreas potencialmente onde tem esses animais, procure usar roupas de mangas longas;

– Pode também fazer uso de repelentes com o composto químico DEET.

Ciência

Proteína no próprio carrapato pode ser alvo para vacina contra febre maculosa

 

Estudo conduzido na Universidade de São Paulo (USP), divulgado na revista Parasites & Vectosrs, aponta uma proteína identificada no carrapato-estrela como um potencial alvo para o desenvolvimento de uma vacina contra a febre maculosa.

Estudos anteriores do mesmo grupo da USP, sediado no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), já haviam mostrado que, ao infectar o carrapato-estrela, a Rickettsia rickettsii é capaz de inibir no hospedeiro um processo chamado apoptose (que é a morte programada das células do aracnídeo), favorecendo seu crescimento. Essa “sobrevida” dá à bactéria tempo para se proliferar e infectar novas células.

No trabalho mais recente, apoiado pela FAPESP por meio de três projetos (13/26450-220/16462-7 e 21/03649-4), a ideia foi silenciar a expressão gênica da principal proteína inibidora da apoptose, a IAP (do inglês, inhibitor of apoptosis protein), com o objetivo de reduzir o crescimento da bactéria e tornar o carrapato-estrela mais resistente à infecção. Para isso, a alimentação dos aracnídeos foi reproduzida em laboratório, com sangue de coelhos infectados e não infectados por R. rickettsii.

“Observamos que, independentemente da infecção, os carrapatos morriam ao se alimentar, destacando a importância da IAP para sua sobrevivência”, explica Andréa Cristina Fogaça, professora do Departamento de Parasitologia do ICB-USP e coordenadora do estudo. “Essa informação sugere algo ainda mais interessante do que apenas bloquear a infecção: é possível conter e diminuir a densidade populacional do hospedeiro.”

As taxas de mortalidade dos carrapatos-estrela durante o experimento ficaram acima de 92%. Esses resultados sugerem que a alimentação do carrapato, independentemente de estar infectado, gera radicais livres que ativam a apoptose. Com a IAP silenciada, os carrapatos não conseguem sobreviver.

Foco no hospedeiro

A importância de centrar esforços científicos no carrapato-estrela para criar uma possível vacina contra a febre maculosa é simples: “Além de transmissor, o carrapato funciona como um reservatório de Rickettsia rickettsii no ambiente”, explica Fogaça.

“Uma vez infectada, a fêmea pode fazer a transmissão para a prole, mantendo a bactéria ativa por gerações consecutivas nas populações de carrapatos.”

Os próximos passos da pesquisa são confirmar que a alimentação sanguínea é realmente o fator que promove a apoptose pela produção de espécies reativas de oxigênio e, possivelmente, expandir os experimentos para outras espécies de carrapato.

Além da importância médica, com a diminuição da transmissão da bactéria para seres humanos, a pesquisadora destaca o impacto econômico que uma vacina capaz de diminuir a densidade populacional do carrapato-estrela teria na pecuária.

Por se tratar de uma espécie sem preferência de alimentação determinada, o aracnídeo afeta também outros animais que estejam à disposição, como o gado, causando anemia e marcando seu couro. Apesar de ainda não haver estimativa de valores de prejuízos para a atividade, já há relatos de aumento da infestação.

O artigo The survival of Amblyomma sculptum ticks upon blood-feeding depends on the expression of an inhibitor of apoptosis protein pode ser lido neste link.

Com informações da Agência Brasil, SES-RJ, Sociedade Paulista de Infectologia e Fapesp

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