Conhecida como ELA, a Esclerose Lateral Amiotrófica é considerada um enorme desafio para a Ciência e a Medicina. Segundo o Ministério da Saúde, essa patologia degenerativa e progressiva afeta até 65 pessoas em cada 100 mil habitantes no mundo. De acordo com dados da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a doença rara acomete cerca de 40 mil a 50 mil brasileiros, sendo considerada a segunda causa de incapacidade neurológica no país.

A ELA, muitas vezes, apresenta sintomas que se confundem com outras condições, dificultando o diagnóstico precoce. Atualmente, apenas 25% dos pacientes conseguem superar a expectativa de vida após o diagnóstico, que é de três a cinco anos. Por isso uma descoberta rápida e certeira é essencial. Embora ainda não tenha cura, há tratamentos capazes de diminuir sua progressão, garantindo melhor qualidade de vida aos pacientes.

O dia 21 de junho é considerado uma data especial para pacientes e famílias que convivem com portadores de ELA. Nele, celebra-se os dias mundial de Conscientização e nacional de Luta contra a Esclerose Lateral Amiotrófica. Ambos visam levar conhecimento e sensibilizar a sociedade sobre a existência e os cuidados com os pacientes, buscar apoio a eles e também aos familiares e incentivar pesquisas para a melhoria do tratamento, levando a esperança da cura.

“A doença acarreta em uma paralisia motora irreversível. Com isso, o paciente perde funções essenciais como falar, movimentar, engolir e até respirar. Porém, na maioria das vezes, não afeta a capacidade intelectual e cognitiva”, explica Felipe da Graça, médico neurologista do Vera Cruz Hospital, em Campinas (SP).

E é justamente aí que entra o poder da mente. O psicoterapeuta Angelo Monesi, da equipe multidisciplinar de reabilitação do Dr. Beny Schmidt, afirma que estar emocionalmente saudável, feliz com as conquistas de toda a trajetória e grato pela vida é uma arma potente para inibir a progressão da doença.

“Quanto mais a pessoa estiver preenchida dela mesma contando a sua história e ouvindo de outras pessoas um feedback sobre suas conquistas, a pessoa fica preenchida dela mesma. Se o eu próprio estiver preenchido, a doença não entra, ela não cresce. Ela não progride. A pessoa precisa se preencher da própria história, porque a biografia de cada pessoa é sagrada”, pondera Monesi.

Segundo o psicoterapeuta, a evolução da ELA está diretamente ligada a condição psicológica. As restrições físicas vão surgir, por ser um diagnóstico que atinge a capacidade motora, mas a saúde emocional e a capacidade cognitiva podem ser preservadas. E até a capacidade motora pode ser trabalhada com a inteligência neuromuscular para retardar a fraqueza e a atrofia muscular.

O psicoterapeuta também faz um apelo público para ajudar esses pacientes. “É importante lembrar da questão financeira desses pacientes. A evolução desses casos demanda muito esforço da família. E vale um alerta ao poder público da necessidade de fazer projetos sociais para cuidar dos pacientes acometidos pela Esclerose Lateral Amiotrófica”, conclui o especialista.

Angelo Monesi explica como aprender a trabalhar melhor o emocional e inibir a progressão da ELA:

Como estimular a saúde emocional para pacientes com ELA?

Primeiro é preciso fazer uma revisão serena da biografia da própria pessoa. Os pacientes recebem o diagnóstico como se fosse um câncer e automaticamente vem o momento do enfraquecimento. A primeira coisa é a negação, depois vem o momento de blasfemar “por que eu?” e depois entra em uma outra fase que é a busca pela culpa “sou eu o culpado pela doença?”. São processos que não levam a nada.

O início do trabalho terapêutico é de desmistificar essas coisas e de dizer que o diagnóstico não é um diagnóstico de finitude. Ninguém está determinando um tempo de vida. Tem pacientes que receberam diagnóstico de 6 meses de vida e hoje estão com 8/9 anos de evolução de tratamento. Estão hígidas. Estão mentalmente saudáveis, conseguem se comunicar. As pessoas vão tendo restrições físicas ao longo do tempo, por conta da doença do neuromotor, mas a capacidade cognitiva está preservada. A pessoa está totalmente lucida.

O tratamento pode ser realizado remotamente?

Quando você vai para a terapia, você precisa digerir o que foi falado. Eu tenho pacientes que moram longe de São Paulo e normalmente levam 1 hora para chegar ao consultório. Eu sugiro a eles que gravem a consulta. Eles gravam e quando retornam, ouvem a consulta de novo. Então, ele faz a mesma consulta duas vezes. Essa segunda vez que ele ouve, ele está digerindo a consulta. E se ele quiser, na próxima consulta, ele pode ouvir de novo para absorver ainda mais tudo que foi falado na última sessão.

Esses pacientes melhoram em uma velocidade meteórica. Já o paciente on-line ele fala com você, mas olha a tela porque está recebendo mensagem do WhatsApp. E para piorar, quando acaba a consulta ele já está conectado ao trabalho ou comendo um lanche. Enfim, ele não digeriu. A minha recomendação para pacientes com ELA é sempre fazer a terapia presencial.

E quando o paciente fica nervoso pelas dificuldades de falar e se locomover?

Por isso é importante iniciar a terapia anteriormente para auxiliar nesse processo. O que a gente precisa fazer antes desse estágio é descobrir caminhos de comunicação. Isso, como terapeuta, nós começamos a criar formas de se comunicar.

Uma vez eu recebi um paciente e ele não abriu a boca. Nesse consultório, eu tinha duas gatas e por alguma razão essas gatas entraram na sala. Uma se colocou debaixo da cadeira dele e a outra subiu no colo. Minha assistente queria tirar, mas ao ver a reação do paciente eu pedi para deixar. Ele começou a fazer carinho no animal. Eu questionei se ele gostava de animal e ele balançou a cabeça que sim. Então, perguntei se ele tinha algum animal e ele, com dificuldades, respondeu que sim. E assim consegui fazer a consulta. Foram 50 minutos de conversa e eu consegui tirar toda a história que eu queria.

Mas essa é uma situação convencional? Não. Foi um acidente. Mas foi impressionante a forma de conseguir mobilizar esse paciente. Esse paciente que vai se restringindo fisicamente, você muitas vezes consegue quebrar essa barreira de forma inusitada ou de forma criativa. O trabalho é provocar a conscientização de que, quanto mais você reduz a matéria, mais você eleva o espírito.

Ou seja, quando mais você percebe a restrição física, fica nítido a importância do trabalho terapêutico para dar esse suporte. Chega um momento que o paciente tem a necessidade da terapia, eles aguardam as sessões, por ser uma forma de fortalecê-los emocionalmente.

Quais atividades no dia a dia podem fortalecer a saúde emocional do paciente?

Água cura. Sono cura. Musica cura. Passear com cachorro cura. Tomar banho de sol é remédio. Brincar com animal é remédio. Conversar com o amigo é remédio. Caminhar ao ar livre é remédio. Então, se nos mantermos aberto a tudo isso a nossa expansão continua e uma vez expandido e preenchendo os espaços dentro de você, a doença não entra. Você não permite que esse espaço para que ela evolua. Se a gente abre espaço para essas curas, não deixamos as doenças se proliferarem.

Diagnóstico precoce previne complicações

Especialistadetalha indícios, sintomas e tratamento

Um estudo publicado no ano passado pela Nature Communications permitiu que um paciente com a síndrome do encarceramento – fase avançada da Esclerose Lateral Amiotrófica, em que o paciente é considerado preso dentro do próprio corpo – pudesse se comunicar a partir de implante de eletrodos no cérebro e uma interface ortográfica computadorizada.

“Quanto antes a doença é diagnosticada e tratada, uma vez que não tem cura, melhores são as chances de prevenir complicações, mantendo por mais tempo a autonomia e a qualidade de vida”, diz Felipe da Graça, médico neurologista do Vera Cruz Hospital.

Segundo o especialista, a doença é mais prevalente em pessoas com idade entre 55 e 75 anos, a maioria do sexo masculino. No entanto, ressalta que indícios podem começar muito antes dessa faixa etária. Em 10% dos casos há relação com a genética.

“Os pontos de atenção, que podem indicar sintomas são: perda gradual de força e coordenação muscular; dificuldade para respirar e engolir; engasgos; problemas de dicção como um padrão de fala lenta ou anormal; perda de peso; câimbras musculares e outros sintomas. Em caso de suspeita, é importante que se consulte um neurologista, assim, outras doenças poderão ser descartadas e o tratamento correto iniciado, no intuito de evitar complicações”, orienta.

A primeira avalição para diagnosticar se o paciente é portador da ELA é clínico e físico. Havendo suspeita, parte-se para exames comprobatórios, como de sangue, tomografia computadorizada ou ressonância magnética, eletromiografia, teste de deglutição e outros mais.

“O acompanhamento requer uma equipe multidisciplinar, que envolve neurologista, fisioterapeuta, nutricionista, fonoaudiólogo, psicólogo, respiratório e outros profissionais, dependendo do caso. Alguns medicamentos até auxiliam, mas ainda com resultados limitados”, adiciona Graça.

Sobre remédios, já há estudos que buscam melhor eficiência. Em 2020, pesquisadores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, concluíram a primeira fase de uma análise que administrou uma combinação de fenilbutirato de sódio e taurursodiol por 24 semanas em pacientes da ELA.

Na comparação com aqueles que receberam o placebo, 25% dos participantes tiveram redução na velocidade da taxa de progressão do declínio funcional. “Cada avanço na busca pela cura e que viabilize um pouco de qualidade de vida aos pacientes é um feixe de luz que se acendo no fim do túnel, trazendo esperança”, conclui o especialista.

Com Assessorias

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