No Brasil, estima-se que existam 13 milhões de pessoas com doenças raras, de acordo com o Ministério da Saúde, sendo considerada rara aquela que afeta até 65 em cada 100 mil pessoas. São mais de 7 mil doenças raras diagnosticadas em todo o mundo e cerca de 80% das doenças raras são de origem genética. Então, é quase impossível falar sobre todas. Mas neste Dia Mundial da Doença de Huntington (27 de setembro), que passou a ser lembrado em 2023, vamos abordar um pouco sobre esse tema, ainda inédito, aqui no Portal Vida e Ação.

A Doença de Huntington afeta aproximadamente 3 a 10 em cada 100 mil pessoas em todo o mundo. De acordo com a Associação Brasil Huntington, a condição afeta até 1 em cada 10 mil pessoas na maioria dos países europeus, por exemplo. No Brasil, estima-se que entre 13 e 19 mil pessoas tenham a doença, que se caracteriza pela degeneração progressiva das células nervosas no cérebro.

A condição neurodegenerativa hereditária é causada por alteração genética no gene HTT no cromossomo 4 que aparece em uma frequência maior que o normal. Este gene é o responsável pela fabricação da proteína huntingtina, que interfere no funcionamento normal dos neurônios. A condição afeta igualmente homens e mulheres, normalmente se manifestando entre os 35 e 40 anos, com possibilidade rara de manifestação na fase juvenil, inferior aos 20 anos. A expectativa de vida média é de 15 a 20 anos após o diagnóstico. 

A enfermidade afeta diferentes aspectos da saúde, incluindo a capacidade cognitiva, os movimentos e o equilíbrio emocional. A doença leva a sintomas motores, cognitivos e psiquiátricos grave. Os sintomas iniciais podem se manifestar como problemas sutis de humor ou habilidades mentais/psiquiátricas, evoluindo também para espasmos musculares, alterações no equilíbrio, dificuldade para falar ou engolir e até mesmo depressão.

Psicóloga descobre casos na família e se torna voluntária

Todos esses clássicos sintomas foram apresentados por alguns familiares da psicóloga Tatiana Henrique, 30 anos, entre eles a avó, o pai e alguns tios. Ela conta que, ao longo dos anos, observou que seus parentes apresentaram os três blocos de sintomas, entretanto com evoluções bem distintas.

Um tio com quem convivi mais de perto tinha fortes tremores desde o início, enquanto uma tia apresentava poucos sintomas motores na fase intermediária, mas sofria de demência avançada”, relata ela, que, devido ao histórico familiar, se tornou voluntária na Associação Brasil Huntington (ABH) há sete anos.

A família dela é originária do município alagoano de Feira Grande, a 144 quilômetros distante da capital Maceió. Com pouco mais de 22 mil habitantes, o munícipio é um dos locais no Brasil com maior prevalência de casos de DH, assim como Ervália, na Zona da Mata em Minas Gerais, e Senador Sá, no Norte do Ceará.

Desde que tomei consciência sobre a doença, vivi anos intensos em busca de redefinir o medo que sentia e transformá-lo em um propósito para ajudar outras pessoas e crianças que, assim como eu, cresceram com a doença de Huntington em suas famílias”, acrescenta ela, que recentemente recebeu o resultado negativo para a mutação genética. A decisão de fazer o teste, foi em função de se planejar para ter filhos.

Visibilidade e inclusão

O gerente de Marketing Matheus Almeida da Silva, 28 anos, conta que sua avó paterna faleceu quando ainda não se havia conhecimento sobre a hereditariedade da DH em sua família.

Diziam que era ‘problema dos nervos’ e não se tratava. Quando meu pai começou a desenvolver os sintomas, a família começou a investigar e ele foi diagnosticado com a doença de Huntington”, relembra Matheus que, conviveu com o pai até a adolescência, quando ele faleceu.

Cuidar do pai demandou um grande esforço de todos. Isso porque, com o avanço da doença, ele foi demitido sem a oportunidade de se aposentar. “Passamos a viver um aperto financeiro. Minha mãe, que cuidava de mim e dos meus irmãos, teve de trabalhar e, muitas vezes, eu que alimentava o meu pai”, relembra.

Voluntário da ABH, ele confessa que, mesmo sob o risco de desenvolver a doença, busca encarar a situação de forma natural. “Estou chegando aos 30 anos e isso acende um alerta, mas eu busco me cuidar em termos de saúde, me informo sobre novidades em cuidados da doença e me preparo em termos financeiros caso eu tenha de parar de trabalhar”, completa.

Justamente por sintomas como a coreia, a doença de Huntington carrega um estigma social. Matheus relembra que ao sair às ruas com o pai, as pessoas comentavam e riam por achar que ele estava embriagado.

“Já era ruim ver essa situação como filho, imagino como ele devia se sentir”, conta ele, alertando para a importância da conscientização das pessoas sobre a doença, o que impacta inclusive na formulação de políticas públicas que garantam mais direitos às pessoas afetadas, como na questão de se conseguir aposentadoria por invalidez.

Se um perito do INSS, que define se uma pessoa pode ou não se aposentar, conhecesse um pouco sobre a DH, saberia que a doença é incapacitante e que a pessoa com sintomas não tem condições de conseguir um emprego.”

Apoio emocional às pessoas afetadas

Ao reconhecer os sinais precoces da doença, podemos oferecer apoio emocional e prático às pessoas afetadas, ajudando-as a lidar com os desafios diários associados à condição. Além disso, a disseminação de informações precisas sobre os sintomas pode contribuir para reduzir o estigma em torno da doença de Huntington“, explica o neurologista Edson Issamu, da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo.

Segundo o especialista, à medida que progride, a doença leva à degeneração dos neurônios cerebrais, resultando em distúrbios nos movimentos, comportamento e na capacidade de comunicação.

Doença não tem cura: como garantir qualidade de vida aos pacientes?

Assim como outras patologias raras, a doença de Huntington não tem cura. “O manejo dos sintomas é o foco. Hoje contamos com um arsenal terapêutico, medicamentoso ou não, que somados geram mais qualidade de vida para o paciente e para a família. Alguns dos cuidados envolvidos são fisioterapia para reabilitação motora, fonoaudiologia para melhoria da fala e da deglutição, acompanhamento nutricional, pois é muito comum o emagrecimento, e acompanhamento psicológico tanto para o paciente como para a família”, indica Gustavo Franklin.

Um grande avanço para a comunidade foi a criação da Casa do Raros, um centro de atendimento integral e treinamento em doenças raras, inaugurado em fevereiro de 2023, em Porto Alegre/RS, onde são atendidas pessoas com suspeita ou diagnóstico de qualquer doença rara, com prioridade para aqueles sem diagnóstico ou acompanhamento em andamento.

Pessoas com doenças raras ficam perdidos no sistema de saúde, peregrinando em busca de atendimento, e costumam esperar até dois anos para conseguirem uma consulta. Queremos fazer a diferença, dando um diagnóstico e traçando um plano de tratamento que pode ser conduzido em outras unidades de saúde”, afirma o médico geneticista e cofundador da Casa dos Raros, Roberto Giugliani.

Além da assistência, a Casa dos Raros se dedica a pesquisas científicas sobre patologias, entre elas a doença de Huntington, bem como a realização de cursos para profissionais de saúde, buscando disseminar conhecimento e conscientização sobre essas doenças.

Diagnóstico e tratamento

É importante buscar orientação médica especializada para compreender melhor essa condição e receber suporte adequado. A condição é diagnosticada por meio de exames como uma tomografia computadorizada, ressonância magnética ou um teste genético. Sendo que, em casos de histórico familiar, o paciente pode realizar teste genético para descobrir se herdou o gene ou não, caso deseje.

A Doença de Huntington não tem cura e o tratamento para alívio dos sintomas e melhora da qualidade de vida dos pacientes pode incluir abordagens medicamentosas, assim como psicoterapia, fisioterapia, terapia respiratória, fonoaudiologia e terapia cognitiva“, elucida Issamu.

Sintomas da Doença de Huntington

Por ser uma doença progressiva e degenerativa, os sintomas na Doença de Huntington, aparecem de forma lenta e vão ficando mais graves com o passar do tempo. Os primeiros sinais são percebidos entre os 35 e 44 anos.

– Nos estágios iniciais é possível notar movimentos involuntários rápidos na face, no tronco e nos membros. Porém, eles podem ser confundidos com movimentos voluntários. Com isso, os movimentos anormais podem também ser pouco perceptíveis. Com o tempo, no entanto, esses movimentos tornam-se mais evidentes.

– Os músculos podem contrair-se brevemente e de forma rápida, resultando em movimentos repentinos nos braços ou em outras partes do corpo, às vezes de maneira repetitiva e sequencial.

– As pessoas podem apresentar um andar excessivamente elegante ou alegre, como se fossem fantoches. Podem também fazer caretas, flexionar os membros e piscar mais frequentemente. À medida que a doença avança, os movimentos tornam-se descoordenados e lentos. Eventualmente, o corpo todo é afetado, o que dificulta significativamente atividades como caminhar, sentar-se, comer, falar, engolir e vestir-se.

– Alterações mentais frequentemente precedem ou coincidem com o desenvolvimento de movimentos anormais. Inicialmente, essas alterações são discretas. Com o tempo, as pessoas podem tornar-se irritáveis, excitáveis e agitadas, perdendo o interesse por atividades cotidianas. Podem ter dificuldade em controlar seus impulsos, experimentando sentimentos de desânimo ou comportamento promíscuo.

– À medida que a doença progride, a pessoa pode apresentar comportamento irresponsável e vagar sem um propósito definido. Ao longo dos anos, há uma perda gradual da memória e da capacidade de pensar racionalmente. Podem manifestar depressão severa e tentativas de suicídio. Também é possível o desenvolvimento de ansiedade ou de transtorno obsessivo-compulsivo.

– Na fase avançada da doença, a demência é severa e muitas vezes as pessoas ficam restritas à cama. Elas requerem cuidados em tempo integral ou internação em um centro de cuidados médicos. A expectativa de vida média é de 15 a 20 anos após o diagnóstico.

Tratamento para prevenir uma doença genética antes da gravidez

A partir de avanços significativos em saúde reprodutiva – com técnicas de Fertilização In Vitro (FIV) e Teste Genético Pré-Implantacional para Doenças Monogênicas (PGT-M) – famílias com risco aumentado para apresentar essa doença têm novas opções para tomar decisões informadas sobre sua saúde e a dos futuros descendentes, incluindo o aumento das chances de nascimento de bebês saudáveis.

O primeiro passo para prevenir uma doença genética, explica a bióloga Susana Joya, é confirmar o risco reprodutivo aumentado do casal, observando seu histórico familiar ou interpretando resultados de testes genéticos do casal e seus familiares. Essa análise pode ser realizada mesmo que a doença não tenha se manifestado na pessoa que busca a concepção.

Famílias com casos de enfermidades de manifestação tardia, como a Doença de Huntington, muitas vezes querem prevenir a passagem da condição, porém temem descobrir neste processo que possuem a doença que ainda não se manifestou”, observa aconselhadora genética e assessoria científica da Igenomix Brasil, do Grupo Vitrolife.

Para casos de enfermidades autossômicas dominantes, como é o caso da doença de Huntington e outras doenças com o risco de transmissão de 50% a cada gestação, é necessário realizar uma investigação junto a médico geneticista do gene ou estudo de genes associados a condição e a partir desse diagnóstico iniciar o protocolo do PGT-M.

A partir do diagnóstico genético da doença da família, o segundo passo é confeccionar uma sonda específica para rastrear a mutação genética no embrião. Este processo é realizado antes do casal iniciar a fertilização in vitro (FIV), que permitirá o acesso aos embriões, que serão analisados geneticamente por meio de sonda.

A FIV é fundamental para que a fecundação do óvulo possa ser realizada no laboratório da clínica de reprodução assistida e algumas células sejam retiradas do embrião. As células retiradas são enviadas para análise genética por meio do PGT-M”, acrescenta Joya.

Em todo o processo, que vai desde o primeiro passo até o recebimento do laudo com o resultado da análise genética do embrião, também é fundamental contar com aconselhamento genético, no qual se orienta a família sobre os benefícios e limitações das técnicas de análise, fator que amplia o entendimento sobre os resultados dos exames.

Fertilização in vitro e testes genéticos oferecem novas perspectivas

Avanços em terapias genéticas e intervenções para alívio de sintomas, assim como para o controle da progressão da doença e redução do risco de passar a alteração para a próxima geração, propiciam um novo cenário para os pacientes com Doença de Huntington.

Destaque para os estudos com terapias baseadas em RNA e moduladores da proteína huntingtina e o desenvolvimento de métodos de prevenção para as futuras gerações das famílias afetadas através do teste genético pré-implantacional para doenças monogênicas (PGT-M).

Esta técnica está proporcionando esperança, rompendo com a cadeia de hereditariedade permitindo a priorização de embriões saudáveis, livres da mutação responsável pela doença de Huntington, permitindo a priorização de embriões saudáveis, livres da mutação responsável pela doença de Huntington

Quando o assunto é PGT-M para doenças de manifestação tardia, como a Doença de Huntington, é possível que o paciente não queira saber seu status de afetado, pois essa informação pode ter sérias consequências psicológicas.

Para essas situações os protocolos específicos de Não Revelação e de Exclusão são recomendados, pois permitem que os pacientes e suas famílias previnam a transmissão da mutação genética sem que seja revelado o status de afetado dos progenitores. O suporte contínuo de profissionais de saúde, incluindo o aconselhamento genético, desempenha um papel crucial ao longo desse processo.

A Doença de Huntington representa um desafio significativo para muitas famílias. É fundamental oferecer soluções personalizadas, como o PGT-M com os seus protocolos de Não Revelação e Exclusão que são projetados para permitir que os pais façam escolhas informadas, respeitando suas preferências e necessidades médicas, éticas e emocionais”, afirma a bióloga Susana Joya.

PGT-M: protocolo sob sigilo

Non Disclosing (Não Revelação) é um protocolo em que se realiza a análise da mutação no paciente, mas sem revelar informações sobre a condição de afetada(o) do progenitor. Para manter o sigilo sobre o status de acometido ou saudável, o paciente, ao passar pelo tratamento de FIV (necessário para ter acesso à análise do embrião), fica sem parte das informações do tratamento, que não podem ser reveladas, pois tais informações podem permitir que conclua que é afetado.

Pode acontecer, por exemplo, que a paciente seja jovem, com muitos embriões cromossomicamente saudáveis, mas que receba um laudo indicando que nenhum embrião é recomendado para transferência ao útero, a informação pode levá-la a concluir que todos os embriõestinham a mutação para Doença de Huntington, o que revelará que é portadora da mutação”, exemplifica Susana Joya.

“Exclusão” no PGT-M – No protocolo de Exclusion, a análise da mutação não é realizada, mas sim uma análise indireta com base no haplótipo de risco, ou seja, se faz a exclusão da fita de DNA do cromossomo 4 (cromossomo onde fica o gene HTT) que venha da parte afetada da família que está sob risco.

Nessa situação, todo embrião que herde a informação desse cromossomo da parte da família que tenha casos da doença não será transferido ao útero materno. Ou seja, sempre haverá 50% dos embriões caracterizados “sob risco” que não serão transferidos.

Para mais informações referente a Doença de Huntington assista o vídeo.

Com Assessorias

Shares:

Posts Relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *