À medida que envelhecemos, nosso corpo passa por mudanças fisiológicas, incluindo transformações na maneira como engolimos. Após os 60 anos, o ato de engolir, seja alimentos sólidos, líquidos ou mesmo saliva, pode se tornar mais desafiador do que costumava ser. Essa dificuldade chama-se disfagia, um problema que afeta a qualidade de vida da população idosa e pode levar a tosse, engasgos constantes, sensação de comida parada na garganta ou no esôfago, excesso de salivação, problemas na fala, dor ao engolir (odinofagia) ou impossibilidade de engolir.

O risco de disfagia aumenta na fase da maturidade. De acordo com a Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF), a frequência da disfagia oscila conforme a idade e condição de saúde de cada indivíduo. O problema pode acometer de 16% a 22% da população acima dos 50 anos.

Já a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia informa que cerca de 25% dos idosos ativos, saudáveis e independentes já apresentam algum sintoma de alteração na deglutição, como dificuldade para engolir comprimidos, engasgos com saliva e líquidos. Tamanho o risco da dificuldade em passar o alimento da boca ao esôfago para seguir ao estômago, que a síndrome pode causar desnutrição, desidratação, pneumonia por aspiração e até levar à morte do paciente.

“O engasgo é uma situação que pode colocar a vida em risco, pois impede a passagem de ar para os pulmões, podendo provocar morte por parada respiratória. E pessoas de diferentes faixas etárias podem sofrer com o problema, sendo idosos e crianças, especialmente os bebês, os grupos mais vulneráveis”, explica a coordenadora do Departamento de Foniatria da ABORL-CCF, Mônica Elisabeth Simons Guerra.

Doenças neurológicas agravam problema

Nos adultos, é muito comum pessoas com condições neurológicas como Doença de Parkinson, Alzheimer, AVC e Paralisia Cerebral, apresentarem esse distúrbio. Dados do periódico Dysphagia estimam que oito em cada 10 indivíduos com Parkinson e dois terços dos doentes com Alzheimer desenvolvem essa condição.

O desenvolvimento da alteração pode ter inúmeras causas e o diagnóstico precoce é essencial para evitar complicações. Entre as principais, estão a pneumonia aspirativa, causada pelo alimento no pulmão, o emagrecimento, a desnutrição e a desidratação.

disfagia é um distúrbio comum, relacionado ao transporte de alimento, saliva, líquido e medicação da boca para o estômago, que pode acometer pessoas de qualquer idade, de bebês a idosos.

No entanto, essa condição ainda é pouco discutida. Conhecer e disseminar informações sobre o tema é a principal ferramenta para prevenção e diagnóstico precoce. Assim, com tratamentos adequados, as complicações também são reduzidas consideravelmente.

Com a idade, nossos sentidos, como o paladar e o olfato, passam por alterações como redução na produção de saliva e no discernimento dos sabores dos alimentos, devido à diminuição das papilas gustativas. Além da perda de massa muscular, incluindo na área da garganta, afetando os músculos responsáveis por conduzir o alimento até o estômago.

Os sintomas comuns são engasgos, tosse após as refeições, dor ao engolir, dificuldade ou lentidão em se alimentar e sensação de alimento parado na garganta. A disfagia pode ter diferentes causas, entre elas neurológicas, mecânicas (alterações nas estruturas), por efeito colateral de medicamentos e devido ao envelhecimento.

Quando a disfagia pode surgir

disfagia pode ser um sintoma de uma doença ou ocorrer devido ao próprio envelhecimento. Achados globais apontam que a incidência desta alteração na deglutição está entre 2% e 16%. Em relação às principais taxas, destacam-se o aparecimento de:

19% a 26% nos idosos,

8% a 80% nos casos de AVC (dependendo da lesão e da gravidade),

22% a 69% nas pessoas com necessidades de medicamentos devido a alterações cognitivas,

30% a 75% naqueles que necessitam de intubação orotraqueal prolongada e

até 72% nas crianças com algum distúrbio neurológico.

Disfagia: quando engolir se torna um desafio

Especialista explica o que é a condição, a importância do diagnóstico precoce e as complicações do transtorno

Doenças neurológicas são as causas mais comuns da disfagia

De acordo com a fonoaudióloga, professora do Centro Universitário IBMR, Marcely lengruber, as causas mais comuns estão ligadas doenças neurológicas, causas neurológicas, infecções e fungos – consideradas transitórias, ou psicogênicas – que possuem origem emocional.

Em bebês, a disfagia pode ter origem no mecanismo protetivo de via respiratória, podendo ser também uma falta de coordenação quando o bebê está sugando o leite materno. É como uma dificuldade de fazer o movimento de sucção e manter a respiração ao mesmo tempo. Já em adultos, a principal causa de desenvolvimento são doenças como Parkinson, Alzheimer e miastenia gravis ou sequelas neurológicas causadas por AVC (Acidente Vascular Cerebral) e traumatismo craniano”, explica.

Além dos impactos na saúde física, a disfagia pode comprometer a qualidade de vida dos acometidos, levando-os ao isolamento social, devido ao constrangimento motivado pelo excesso de engasgos, provocando danos à saúde mental. “Imagine que você vai a um restaurante com amigos ou com a família e se engasga. Essa situação, por si, já é desagradável. Quem tem disfagia apresenta engasgos constantes e eles são potencializados. Por isso, o paciente muitas vezes deixa de frequentar lugares públicos”, analisa lengruber.

A deglutição é uma função complexa, controlada pelo cérebro em um mecanismo refinado, que envolve cerca de 35 músculos, que fazem parte da estrutura de respiração, mastigação, articulação e pronúncia das palavras. A adoção de hábitos saudáveis, cuidar da saúde bucal e da preservação da dentição natural ou usar prótese dentárias bem adaptadas é estratégia de prevenção do distúrbio, que apresenta complicações consideradas graves.

Dentre as consequências do problema, estão a desidratação e desnutrição, sufocamento, broncoaspiração e, consequentemente, pneumonia aspirativa, que é uma condição considerada grave em crianças e idosos, podendo levar o paciente a óbito.

“Preservar a estrutura muscular envolvida na deglutição e cuidar da saúde respiratória e pulmonar é essencial para minimizar os riscos. Uma pessoa que já apresenta diagnóstico de alguma doença neurológica, neurodegenerativa ou doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) precisa estar atenta às alterações de deglutição e, principalmente, evitar bebida alcoólica e cigarros, contribuindo para a reabilitação motricidade orofacial”, explica a fonoaudióloga.

Apesar de ser uma disfunção séria, a disfagia possui tratamento. Atualmente, o uso de novas tecnologias como laser, eletroestimulação e até mesmo toxina botulínica têm amenizado o problema. Mas, Marcely lengruber revela que, ainda não existem muitas publicações científicas sobre a eficácia desse tipo de tratamento.

“De uma forma empírica, a gente consegue observar que alguns pacientes apresentam uma grande melhora; outros nem tanto. Contudo, essas tecnologias ainda estão em análise, aguardando comprovação científica. O que é possível mensurar hoje é a reabilitação motora dessa função, com exercícios de coordenação motora, e respiratória, de funcionalidade e a reabilitação das estruturas que estão comprometidas nesse processo”, ressalta.

Para as pessoas que estão em tratamento, a profissional dá dicas de como familiares e cuidadores podem proporcionar mais conforto ao paciente.

“A consistência da alimentação pode influenciar na deglutição do paciente. As dietas semi-líquidas, pastosas, sem fiapos e sem farelos são as ideais. Dependendo do grau da disfagia, é recomendado, se necessário, o uso de espessante específico para a água e para os líquidos, que auxiliam no manejo da deglutição.  Além disso, quando a disfagia é muito severa, pode haver dificuldade para deglutição da própria saliva e também existem substâncias químicas que auxiliam nesse processo”, afirma a fonoaudióloga.

Disfagia em crianças pode levar à morte

disfagia também pode ocorrer com maior frequência em bebês A condição em recém-nascidos pode diminuir a expectativa de vida. Normalmente, a disfagia ocorre em bebês prematuros em que a parte neurológica não está maturada ainda.

Em crianças, a disfagia pode estar presente em mais de 25%, podendo variar de 20% até 80% naquelas com múltiplos comprometimentos de saúde, como transtornos neurológicos, a exemplo da lesão cerebral adquirida ou doenças neuromusculares, malformações craniofaciais ou das vias aéreas, doenças respiratórias, cardíacas ou gastrointestinais.

“O mecanismo da mastigação qualifica os alimentos para serem engolidos com segurança. Alertamos para a exposição de objetos e brinquedos inadequados para a idade, pois, no desenvolvimento infantil a exploração dos objetos pela boca é normal. Por isso, a vigilância é essencial para evitar o engasgo e aspiração desses objetos”, alerta a especialista da ABORL-CCF,  Andressa Guimarães.

Segundo o Ministério da Saúde, entre 2020 e 2021 registraram-se 1.616 óbitos na faixa etária de 0 a 14 anos por causas externas, como o acidente doméstico, sendo a sufocação ou obstrução das vias aéreas a principal causa de morte acidental de bebês menores de um ano, sendo quase 80% dos óbitos na faixa etária entre 0 e 4 anos. De 2009 a 2019, o número de óbitos por engasgo em crianças no Brasil chegou a 2.148 casos, de acordo com o Datasus.

A médica otorrinolaringologista do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE) Maria Dantas Godoy explica que o diagnóstico inicial, normalmente, é feito por otorrinos.

“Nós averiguamos a parte inicial do trato digestivo, começando pela garganta, e, para fechar o diagnóstico, além da anamnese, são solicitados exames para que o tratamento adequado seja indicado o mais breve possível, já que a dificuldade da deglutição pode gerar perda de peso e infecções”, explica.

O tratamento começa após o diagnóstico e pode ter estimulação da musculatura, para promover mastigação mais lenta, bem como tratamento fonoterápico que tem por objetivo proteger a parte respiratória, como traquéia, brônquios e pulmão, com exercícios vocais.

Alerta para cuidados com engasgos

Na semana em que se celebra o Dia Nacional de Atenção à Disfagia, comemorado em 20 de março, a ABORL-CCF emite um alerta sobre os riscos que a dificuldade de engolir alimentos e líquidos pode trazer à saúde. A nota técnica, que pode ser conferida aqui, traz recomendações sobre a atenção ao engasgo e à dificuldade de deglutição.

Embora os distúrbios da deglutição sejam pouco reconhecidos pelos pacientes e profissionais de saúde, a ABORL-CCF destaca na nota técnica que esta deve ser uma preocupação emergente, pois a disfagia pode ter um impacto maior na qualidade de vida e se tornar um problema de saúde pública.

A entidade acredita ser necessária uma força-tarefa de conscientização sobre engasgo desde o preparo gestacional com educação materna, na educação infantil, treinamento de educadores, e profissionais que estão envolvidos no dia a dia das crianças, bem como, trabalhadores do segmento de alimentação, como restaurantes, e espaços de lazer.

“Acreditamos ser de suma importância a capacitação das pessoas para aprenderem sobre os primeiros socorros. Não só os profissionais de saúde ou de atendimento de emergência, como diversas classes de profissionais. Reconhecer os sinais de engasgo e ter conhecimento para realizar a manobra de Heimlich, por exemplo, é fundamental para salvar vidas,” afirma a otorrinolaringologista da ABORL-CCF, Gisele Hennemann.

A manobra de Heimlich é uma técnica de primeiros socorros utilizada para remover alimento ou corpo estranho das vias aéreas de adultos e crianças maiores de 1 ano. Ela pode ser executada por qualquer pessoa treinada, independentemente de atuar ou não no segmento de saúde.

Campanha Engasgo – conhecimento salva vidas”

Para conscientizar a população sobre a alteração no ato de engolir, que pode causar diversas complicações, 20 de março foi instituído como o Dia Nacional de Atenção à Disfagia. Para esclarecer sobre as consequências do engasgo e orientar à população sobre a importância de diagnóstico médico diante de problemas de deglutição, a ABORL-CCF promove a 1ª Campanha da Disfagia, com o moteEngasgo – conhecimento salva vidas”, até sexta-feira (22).

“Nosso objetivo é auxiliar a população e a classe de profissionais de saúde a reconhecer os sinais e sintomas da disfagia, alertar sobre seu risco para a saúde e que ela não pode ser negligenciada. Diante da suspeita do problema, um otorrinolaringologista deve ser procurado para a avaliação e correto diagnóstico”, recomenda a especialista da ABORL-CCF,  Eliézia Helena de Lima Alvarenga.

A campanha reúne médicos instruindo a população sobre sinais e sintomas, levando conhecimento sobre manobras de como auxiliar diante de situações de engasgo e respondendo dúvidas em bate-papos ao vivo pelo Instagram @otorrinoevoce, canal mantido pela ABORL-CCF para a promoção da educação em saúde.

Formas de evitar e tratar a disfagia

Disfagia neurológica é como se chama a dificuldade para engolir, seja devido a dor ou desconforto. É a sensação de que a comida ou bebida está presa e machucando a garganta durante a sua passagem. Além dessa dificuldade e/ou dor para engolir, a disfagia pode ter outros sintomas, como tosse, engasgo, excesso de salivação atrapalhando a deglutição e alteração na voz e fala.

Coordenadora de fonoaudiologia do Núcleo Paraense de Recuperação Motora Cognitiva e Comportamental (NUPA), Karine Camargo explica que o processo de deglutição é complexo e, por isso, as causas da disfagia podem ser variadas e identificá-las é fundamental para o tratamento. Se não tratada adequadamente, disfagia pode levar a doenças mais sérias, como a pneumonia. 

Segundo Karine, é muito comum pessoas com condições neurológicas apresentarem esse distúrbio. É como se fosse um sufocamento ou tosse ao tentar engolir, dando a sensação de alimento ou líquido descendo pela traqueia ou subindo pelo nariz.

“Quando não tratamos a disfagia adequadamente ela pode desencadear outros sintomas como desnutrição, perda de peso, desidratação, e até um problema mais grave, como a pneumonia por aspiração – quando o alimento vai para no pulmão do paciente”, esclarece.

Ainda segundo a fonoaudióloga, existem algumas estratégias para facilitar durante a alimentação:

Faça com que a pessoa coma lentamente e mastigando bem os alimentos;

opte sempre por alimentos mais macios e evite dar a ela alimentos muito secos;

estimule-a a dar pequenas mordidas, comer sentada e com calma;

evite que ela vá se deitar logo após a refeição, o que pode causar refluxo e a aspiração.

“Se você notar qualquer dificuldade durante a alimentação como tosses, engasgos, perda de apetite e até medo de comer, é fundamental procurar apoio profissional. Consulte um médico e faça uma avaliação específica com fonoaudiólogo. Só assim será possível realizar o tratamento mais adequado e oferecer mais qualidade de vida ao paciente”.

Com Assessorias

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