Temas urgentes além da implementação de compromissos climáticos permeiam a agenda da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), realizada até o dia 21 de novembro em Belém (Pará). Na última terça-feira (11/11), o Painel Científico para a Amazônia lançou um relatório que denuncia o crime organizado na região, mencionando o garimpo ilegal como uma das principais atividades.
Pesquisadores, ativistas e lideranças das populações afetadas atuam para que o evento dê visibilidade também aos impactos da contaminação por mercúrio decorrente do garimpo de ouro nas terras indígenas. À frente de estudos pioneiros sobre o assunto, o pesquisador da Fiocruz Paulo Basta alerta que os impactos do metal sobre a saúde das populações indígenas são graves e duradouros. Ele defendeu que enfrentar o problema exige ação coordenada entre governo e sociedade, com apoio da ciência.
Com a COP 30 acontecendo no Pará, o coordenador do grupo de pesquisa Ambiente, Diversidade e Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) espera que a contaminação por mercúrio ganhe mais projeção internacional.
É importante que autoridades e organismos multilaterais percebam a urgência de destinar recursos não só à pesquisa, mas também a ações de remediação ambiental, recuperação florestal, segurança alimentar e fortalecimento da soberania dos povos indígenas em seus próprios territórios”, afirma Basta.
Embora o evento tenha foco nas mudanças climáticas, ele acredita que a contaminação por mercúrio será pautada pelo movimento indígena. “Eu não tenho dúvida que o movimento social, como a Aliança em Defesa dos Territórios, que está presente na COP, vai ser visto e ouvido. Lideranças como Davi Kopenawa, Yanomami, Alessandra Korap, Munduruku, e Raoni Metuktire, Kayapó, estão presentes representando os três povos mais afetados pelo garimpo”, disse. São lideranças potentes, reconhecidas e respeitadas dentro e fora do Brasil.
Arcabouço de evidências
Pesquisas anteriores lideradas por Basta mostraram que a contaminação permanece mesmo em áreas onde a atividade garimpeira foi encerrada há anos. Ele relembra que, em 2014, ao lado da também pesquisadora da Ensp/Fiocruz Sandra Hacon, a equipe de pesquisa visitou 19 aldeias Yanomami e encontrou resultados bastante preocupantes.
Uma localidade chamada Paapiu havia sido alvo da mineração entre o final dos anos 1980 e início dos 90, e ainda assim foram detectados níveis elevados nas amostras de cabelo em 7% dos participantes, revelando a larga permanência do mercúrio no ambiente. Já numa localidade onde vive o povo Ye’kuana, quase 30% das pessoas tinham níveis elevados de contaminação. Na aldeia Aracaçá, mais ao norte de Roraima, mais de 90% das amostras de cabelo tinham níveis elevados de mercúrio. Vale lembrar que esses dados representam exposições ao mercúrio reportadas em 2014. Seguramente, de lá pra cá a situação piorou”, contou o pesquisador.
Atualmente, o grupo de pesquisa coordena um estudo longitudinal com gestantes e recém-nascidos indígenas do povo Munduruku, no Pará. Desde outubro de 2023, foram incluídas 177 gestantes, das quais 121 deram à luz, e seus bebês também participam do monitoramento. Os resultados preocupam.
Os níveis médios de contaminação nas gestantes giram em torno de 10 partes por milhão (ppm), e há mulheres com níveis de contaminação de até 31 partes por milhão (ou microgramas de mercúrio por grama de cabelo). Esse resultado é 15 vezes superior ao limite considerado seguro pela Organização Mundial da Saúde. Entre os bebês, a média de contaminação superou em três vezes esse limite”, afirma.
Os resultados demonstram que as crianças já nascem contaminadas, pois são expostas ainda durante a gestação, via placenta, fato que terá efeitos deletérios ao longo de toda a vida. A exposição pré-natal ao mercúrio provoca atrasos no neurodesenvolvimento infantil.
Estudos anteriores já haviam revelado associação entre níveis mais altos de mercúrio e maior frequência de sintomas neurológicos e distúrbios sensitivos, motores e cognitivos nas aldeias mais próximas das áreas de garimpo. A pesquisa, que segue até 2026, tem por base um sistema de vigilância comunitária, em dez aldeias, e conta com a participação de 30 profissionais de saúde, sendo 17 deles indígenas, capacitados para o monitoramento.
Avanços e limitações no enfrentamento ao mercúrio
Para o pesquisador, as ações de combate ao uso do mercúrio tem avançado, principalmente após a Convenção de Minamata, instituída em 2013 pela ONU, e incorporada à legislação brasileira em 2018. “A Convenção tem o objetivo de orientar os países a descontinuar o uso do mercúrio em todo e qualquer processo industrial, como na indústria de lâmpadas, na indústria química, na área médica e odontológica e na mineração”, cita.
Paulo Basta lamenta, no entanto, que o tema tenha sido negligenciado nos últimos anos. “Nós tivemos os anos duros do governo anterior, quando esse problema foi varrido para debaixo do tapete. Mas a pauta voltou, e o Ministério do Meio Ambiente (MMA) é o ponto focal das ações da Convenção de Minamata”, observa. Atualmente, há uma articulação entre o MMA, o Ministério da Saúde, o Ministério dos Povos Indígenas e outras pastas para reduzir o uso do mercúrio e estimular as investigações a respeito dos efeitos da contaminação.
O MMA tem financiado pesquisas e está em contato com o nosso grupo para expandirmos o trabalho para a terra indígena Kayapó, incluindo análises de exposição humana e ambiental. Isso certamente se reverterá em benefício às populações impactadas”, destaca Basta.
No campo da saúde, especificamente, o pesquisador da Ensp/Fiocruz lembra que a Fiocruz coordenou a elaboração do Manual Técnico de Atendimento a Indígenas Expostos ao Mercúrio, liderado pela pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde (EPSJV/Fiocruz), Ana Claudia Vasconcellos.
O documento está disponível em acesso aberto na Biblioteca Virtual do Ministério da Saúde e vem sendo implementado em distritos sanitários indígenas prioritários. “Nosso grupo tem feito treinamentos para a implementação desse manual nas equipes multiprofissionais de saúde indígena dos DSEIs Kaiapó, Munduruku e Yanomami, e estamos expandindo para os DSEIs Amapá e norte do Pará, Vilhena e Porto Velho”, informa.
Desafios para mitigar os impactos
Segundo o pesquisador, os desafios para enfrentar o problema são amplos e complexos. “Primeiramente porque as áreas afetadas estão em regiões remotas, de difícil acesso, o que exige grandes investimentos só para identificar e atender as populações atingidas”, pontua.
Ele descreve um cenário de devastação ambiental e social. “Os garimpeiros derrubam a floresta, alteram o curso dos rios, destroem o solo e comprometem fauna e flora, o que gera insegurança alimentar, porque caça, pesca e cultivo ficam inviabilizados. Além disso, os invasores se infiltram nas comunidades oferecendo bens em troca de permanência, fomentando divisões internas e conflitos, isso sem contar com a prática de violência sexual contra mulheres e crianças, e a entrada de armas e drogas.”
A presença do garimpo, explica, altera o perfil epidemiológico das aldeias, aumentando casos de malária, além de doenças respiratórias e sexualmente transmissíveis. Para mitigar os impactos, Paulo Basta defende a desintrusão dos territórios seguida de ações integradas. “É necessário retirar os garimpeiros e garantir que não retornem, assegurando a soberania indígena em seus territórios. Mas isso não resolve totalmente a questão: é preciso reflorestamento, recuperação das áreas contaminadas e alternativas sustentáveis de segurança alimentar, com apoio governamental e suporte técnico.”
Outro ponto crítico é o preparo do Sistema Único de Saúde (SUS), como explica o pesquisador. “O SUS ainda não está preparado para lidar com pacientes expostos ao mercúrio. O tema não faz parte da formação dos profissionais de saúde, e os casos sequer são oficialmente notificados. Sem reconhecimento, não há estatísticas oficiais, tampouco políticas públicas adequadas. Além disso, é fundamental criar um centro de referência para acolher essas populações, como já existe para HIV/Aids ou imunização – o que tornou o Brasil referência internacional nessas áreas”, argumenta Basta.
Da ciência à política pública
Os estudos da Ensp/Fiocruz têm repercutido também na formulação de políticas públicas. O relatório produzido a partir das pesquisas com os Munduruku, por exemplo, foi utilizado pelo governo de transição em 2022 para embasar recomendações que culminaram na declaração de emergência sanitária no território Yanomami, em janeiro de 2023.
As evidências científicas que produzimos ajudaram a equipe de transição a compreender a gravidade da situação e a formular respostas mais adequadas. Nosso trabalho também contribuiu para que, ao longo da última década, fossem realizadas 756 notificações de casos de intoxicação por mercúrio entre povos indígenas – antes, praticamente não existiam notificações”, destaca Basta.
Ele acrescenta que os resultados têm inspirado ações de advocacy e ampliado o debate público. Desde o lançamento do estudo sobre a contaminação dos Yanomami em 2016, o pesquisador já concedeu cerca de 300 entrevistas a veículos nacionais e internacionais. “Esse tipo de divulgação faz com que o tema se torne conhecido e pressione as autoridades por soluções”, acredita. Basta ressalta ainda que esse mérito não é apenas da equipe de pesquisa.
Os trabalhos científicos nasceram das demandas dos povos afetados. São pesquisas que respondem a problemas concretos vividos pelas comunidades. Nosso papel é ajudar a dar respostas a essas pessoas. Fazemos pesquisa com aplicabilidade prática, para responder a demandas da sociedade”, conclui Basta.
Segundo a pesquisadora Zuleica Castilhos, que que integra o Laboratório de Especiação de Mercúrio Ambiental do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), instituto de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a principal forma de contaminação humana por mercúrio é pelo consumo de peixe. As gestantes formam o grupo mais vulnerável já que o metilmercúrio pode atravessar a placenta e causar efeitos neurológicos irreversíveis ao feto.
Em 2023, uma equipe formada por quatro pesquisadoras do Cetem esteve na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, para avaliar a exposição da população ao mercúrio, poluente usado no garimpo e de alta periculosidade para a saúde. Foram coletadas amostras de cabelo da população indígena para analisar a quantidade de mercúrio presente. O trabalho faz parte das ações emergenciais de saúde e meio ambiente promovidas pelo governo federal.
De acordo com Rogerio Aparecido Machado, professor de Química e Meio Ambiente da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a contaminação por mercúrio e o consequente efeito nefasto sobre a população indígena ocorre há muitos anos desta forma, e por estarem isolados, só mais recentemente, com a divulgação de grandes desmatamentos para aumentar a área de garimpo, bem como a nítida contaminação de rios amazônicos, a população em geral começou a saber o drama vivido pelos índios brasileiros.
Não tenhamos a ilusão de que será suficiente apenas parar o garimpo naquela que tudo voltará ao que era a décadas atrás. A contaminação do solo, bem como do fundo dos rios, é algo demorado e exige tecnologia para sua remediação”, diz o especialista (confira mais no artigo abaixo).
Palavra de Especialista
Por que o uso de mercúrio é tão perigoso para a saúde?
Por Rogerio Aparecido Machado*
A contaminação por mercúrio e o consequente efeito nefasto sobre a população indígena ocorre há muitos anos desta forma, e por estarem isolados, só mais recentemente, com a divulgação de grandes desmatamentos para aumentar a área de garimpo, bem como a nítida contaminação de rios amazônicos, a população em geral começou a saber o drama vivido pelos índios brasileiros.
Não tenhamos a ilusão de que será suficiente apenas parar o garimpo naquela que tudo voltará ao que era a décadas atrás. A contaminação do solo, bem como do fundo dos rios, é algo demorado e exige tecnologia para sua remediação.
Este pode ser um erro que o Brasil tenha que conviver por muitas décadas, e infelizmente até por século, pois os locais contaminados não são de fácil acesso. Porém, a impressão é que ninguém pensa em tal problema, apenas no lucro almejado, custando o que vai custar por anos.
A contaminação por mercúrio no nosso país como em outras partes do mundo não é novidade, muito menos exclusividade do século XXI. Até mesmo antes do século XX, já se usava mercúrio para muitas aplicações e, até recentemente, o tínhamos em tratamento dentário, no caso de obturações dentárias.
Entenda a ação desse metal em nosso organismo
Uma das perguntas que não quer calar sobre o assunto: Por que o mercúrio é tão perigoso? A resposta poderia ser até simples. Este metal, diferente de muitos outros, não possui função alguma no organismo humano, e pior, é extremamente difícil retirá-lo do corpo humano, pois possui toxicidade alta para o nosso organismo.
Quando ele entra no corpo, se aloja em órgãos vitais como rins e fígado, sem contar o sistema nervoso central, onde este metal atua de tal forma que chega a tirar toda capacidade do ser humano controlar seus movimentos e até raciocínio, chegando ao óbito.
Na verdade, o mercúrio em si, o metal que conhecemos visualmente como um líquido metálico, quando em contato com a pele ou mesmo em sua ingestão ocasional, este quase não é absorvido, apenas 0,1% podem ser absorvidos, a maioria é excretado nas fezes ou urina.
O problema pode começar quando o mercúrio passa para sua forma iônica, o qual pode ser absorvido em até 20% pelo nosso organismo. As plantas podem acumular mercúrio nesta forma.
Mas, esta não é a forma mais letal. A forma mais preocupante é a que chamamos de metilada, ou seja, quando o mercúrio se combina com moléculas orgânicas e fica na forma de metilmercúrio, um organo metálico. Esta forma, organometálica, é absorvida em até 99% pelo nosso organismo.
No entanto, o mercúrio usado no garimpo é o líquido metálico, conforme citado o menos absorvido pelo ser humano; como poderia então ser tão perigoso o mercúrio em questão?
No garimpo, quando ocorre a descoberta de ouro, este pode estar agregado a outros minerais, como rocha, por exemplo, e para se separar o ouro da rocha, o garimpeiro joga mercúrio metálico na rocha, sendo que o mercúrio irá fazer uma amalgama, espécie de liga entre o ouro e o mercúrio, ficando o ouro ligado ao mercúrio na forma líquida.
Por que isto acontece, ou seja, por que se forma uma amalgama? Devido a diferença na estrutura atômica do ouro em relação ao mercúrio ser apenas de um elétron, isto facilita em muito a formação imediata da liga líquida (amalgama) e por consequência ocorre a extração do ouro de onde ele está agregado.
Para separação desta liga e recuperação do ouro, o garimpeiro coloca a liga líquida num tipo de prato metálico e com auxílio de um maçarico, ele queima a liga, sendo que o mercúrio com ponto de ebulição menor que 400 graus Celsius evapora, ficando assim no prato o ouro fundido com poucas impurezas. Este é um processo rápido.
O problema/desastre ambiental: quando o mercúrio evapora, o primeiro a ser contaminado é o operador do maçarico que está próximo ao mercúrio que está evaporando, sendo que ele inala diretamente o vapor, entrando na sua corrente sanguínea.
O mercúrio evaporado é levado pelo ar e se deposita em plantas e, como geralmente é ambiente fluvial, a maior parte do mercúrio cai nos rios. Este mercúrio metálico pode ser absorvido pelas plantas dos rios, passando a mercúrio iônico e, posteriormente, ser o alimento dos peixes, os quais absorvem o mercúrio iônico e o transforma em metilmercúrio.
Ainda existe a grande possibilidade de o mercúrio metálico ser absorvido pelo peixe no seu processo de respiração onde ele succiona a água contaminada e, por sua vez, metaboliza o mercúrio no seu organismo. O ser humano vai se contaminar, principalmente se alimentando dos peixes contaminados, os quais possuem o mercúrio na sua forma metilada, e acabará absorvendo o mercúrio contido no peixe de forma quase total.
*Professor de Química e Meio Ambiente da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Pescadores de Alagoas possuem níveis de mercúrio mais altos do que a média
Outro estudo divulgado em maio deste ano pela Agência Fapesp revelou níveis elevados de mercúrio no sangue e na urina de populações que vivem às margens da laguna Mundaú, em Maceió (AL). Os valores são superiores aos encontrados em outras populações do mesmo município com nível socioeconômico parecido, mas vivendo distantes da laguna.
O estudo envolvendo pesquisadores das universidades Federal de Alagoas (Ufal) e Estadual de Campinas (Unicamp) é fruto de um convênio entre a Fapesp e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal) e foi publicado no Journal of Hazardous Materials.
Observamos um quadro de estresse oxidativo sistêmico na população exposta à contaminação por mercúrio, fenômeno relacionado com o aparecimento e agravamento de diversas doenças, entre elas as cardiometabólicas. Ambas as populações analisadas manifestaram uma incidência em torno de 20% de hipertensão arterial e 10% de diabetes. Porém, a que obtém alimentos na laguna pode ter uma piora por conta da contaminação”, afirma Ana Catarina Rezende Leite, professora do Instituto de Química e Biotecnologia da Ufal e uma das coordenadoras do estudo.
Os pesquisadores encontraram alterações na quantidade, tamanho, volume e função dos glóbulos vermelhos do sangue da população exposta à contaminação por mercúrio, o que pode levar à anemia. Mudanças em outros biomarcadores apontam ainda para danos em órgãos como fígado e rins.
Foi observada uma elevação causada pelo mercúrio nos níveis de triglicérides, um dos fatores de risco para doenças cardiovasculares. Além disso, os níveis de creatinina e ureia estavam altos na população contaminada pelo metal, sugerindo disfunção renal.
O complexo lagunar Mundaú se comunica com o mar e recebe água tanto do oceano quanto do continente. Além disso, se liga a canais secundários de efluentes domésticos e industriais da capital alagoana e de mais duas cidades nas suas margens, as mais prováveis fontes de contaminação pelo mercúrio e outros metais.
Das 125 pessoas que tiveram amostras de sangue e urina coletadas, 60 eram moradoras da laguna e consumiam peixes e mariscos (sururu, principalmente) do local. As outras 65 eram de outras partes da cidade, com pouco ou nenhum contato com o local contaminado.
Na urina, a concentração do mercúrio foi de 0,48 micrograma por litro no primeiro grupo, quase 2,5 vezes mais do que a do grupo-controle (0,18 micrograma por litro).
No sangue, a concentração média de mercúrio do grupo exposto à contaminação foi quase quatro vezes superior à da população que não tinha contato com a laguna (3,40 microgramas por litro no primeiro, contra 0,93 no segundo). O nível mais alto de mercúrio no sangue encontrado entre as famílias de pescadores da laguna foi de 19 microgramas por litro de sangue.
A regulação brasileira define o nível máximo tolerável em 20 microgramas de mercúrio por litro de sangue. No entanto, agências internacionais apontam uma margem entre 5 e 10 para populações que consomem peixe, segundo o Programa Internacional de Segurança Química, e inferior a 6, no caso da Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA).
Nossa legislação é muito permissiva. Seria preciso acompanhar as populações por alguns anos para avaliar precisamente os efeitos da contaminação por mercúrio, mas nossos resultados já mostram alterações significativas no metabolismo, com menos oxigênio chegando às células, o que afeta seu funcionamento”, afirma Josué Carinhanha Caldas Santos, professor da Ufal, que também coordenou o estudo.
Evidências anteriores
Os resultados das análises em humanos foram coerentes com os de um trabalho experimental anterior do grupo. Nele, foram analisados os efeitos da contaminação por mercúrio na forma inorgânica em camundongos com colesterol elevado, o que piorou esta condição, o estresse oxidativo e a aterosclerose.
Nos animais, uma dose considerada baixa a moderada da forma inorgânica do mercúrio [menos tóxica do que as formas orgânicas encontradas nos alimentos, por exemplo] foi administrada por apenas quatro semanas e causou danos significativos em diversos tecidos, incluindo o cérebro. Além disso, agravou marcadamente as lesões características da aterosclerose”, conta Helena Coutinho Franco de Oliveira, professora do Instituto de Biologia da Unicamp e coordenadora do projeto que apoiou o estudo.
Os pesquisadores alertam que os resultados são evidências fortes para auxiliar na implementação tanto de políticas ambientais quanto de saúde. É preciso acabar ou ao menos mitigar a poluição na laguna, ao mesmo tempo em que se monitora a saúde das populações afetadas.
“Assim será possível compreender melhor e, talvez, reduzir os impactos da contaminação”, aponta Santos, da Ufal.
Num prosseguimento da pesquisa, serão ainda monitorados outros metais que também compõem os contaminantes da laguna e podem potencializar os efeitos do mercúrio.
Porém, um dos bairros monitorados pelos pesquisadores e um dos mais antigos de Maceió, Bebedouro, não poderá mais ser visitado. O local foi um dos evacuados nos últimos anos pelo risco de desabamento, devido às atividades de mineração de sal-gema em seu subsolo.
Ambos os trabalhos tiveram como primeira autora Maiara Queiroz e foram parte do seu mestrado, orientado por Leite na Ufal e coorientado por Oliveira na Unicamp. Queiroz atualmente realiza doutorado no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) com bolsa da FAPESP. O trabalho teve ainda apoio da FAPESP por meio de projeto coordenado pelo professor Aníbal Vercesi, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
Com Assessorias




