O psiquiatra Jorge Jaber é uma das principais vozes da campanha Setembro Amarelo (Foto: Isabela Kassow – Divulgação)
Há uma semana, o país mergulhava numa polarização ainda maior do que se viu nos últimos anos. De um lado, 35% dos eleitores comemoravam – e alguns até tripudiavam – com fogos e até tiros para o alto a vitória do candidato Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República.
De outro, quase o mesmo tanto de brasileiros (a desvantagem foi de pouco mais de 5 milhões de votos – a se considerar o necessário para se eleger: 50% dos votos válidos mais um), que votou em Fernando Haddad (PT) amargava uma mistura de emoções entre desolação, medo e descrença no futuro do país.
Há meses, a tsunami de fake news (notícias falsas) que tomou conta do processo eleitoral brasileiro – patrocinada por empresas apoiadoras do candidato do PSL, segundo denúncia da Folha de S. Paulo que está sendo investigada pelo TSE – contaminou o processo eleitoral, influenciando e dividindo pessoas.
Também colocou em xeque a democracia brasileira diante do papel irresponsável de marketeiros e usuários das redes sociais e aplicativos para celular que agiram impunemente, sem que a Justiça Eleitoral tomasse medidas contundentes para freá-los. Mas não foi só isso – se já não bastasse.
Esse clima bélico e hostil também prejudicou a saúde mental de muitos brasileiros, que romperam até mesmo vínculos familiares e de amizade e passaram a conviver com sentimentos ainda mais exacerbados de raiva, ódio, intolerância e preconceitos de toda ordem, causando desalento, angústia, ansiedade, depressão e muito, muito estresse. E haja suco de maracujá, chazinho ou Rivotril para aguentar tamanha pressão!
Mas e agora, o que fazer para não permitir que as fake news – que parecem ter virado canal oficial de informação para uma parcela de políticos e militantes – se instalem oficialmente no território da razão, tornando nossas mentes e corações reféns do medo e da desesperança?
Ao ViDA & Ação, o psiquiatra Jorge Jaber, com especialização na Universidade de Harvard e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), faz um balanço sobre a saúde mental do consumidor de informações neste período pós-eleitoral, diz que jornalistas com formação devem exercer mais o papel profissional de apurar e transmitir informações e sugere uma nova hashtag: #truenews.

1 – O que esse clima de ódio, medo e intolerância pós-eleições pode causar à saúde mental dos eleitores/cidadãos?

A saúde mental é caracterizada pelo bom funcionamento do aprendizado, incluindo aí a memória; pela existência de comportamentos saudáveis que possam preservar a vida; pela integridade do pensamento e pela modulação adequada dos sentimentos. Toda vez em que sentimentos normais como medo, tristeza, alegria, raiva, ansiedade se manifestam de forma excessivamente intensa há uma forte tendência ao adoecimento mental.

2 – Apenas pessoas que já sofrem com problemas como depressão, ansiedade ou síndrome do pânico podem sofrer esses efeitos?

O adoecimento mental ocorre por alterações no funcionamento cerebral associadas a influências do meio ambiente. Aqueles que já têm uma enfermidade claramente estabelecida tendem a piorar dentro de um ambiente de exacerbação de sentimentos e ações descabidas. Por exemplo, uma pessoa que esteja sofrendo de ansiedade, ao perceber manifestações públicas fisicamente hostis, com embates e agressões físicas, tende a piorar da sua doença. Quem tem síndrome de pânico desmaia, grita, em uma multidão. Os mais equilibrados tendem apenas a sair do local do conflito.

3 – Como enfrentar os sentimentos de impotência, medo, ansiedade que rondam as pessoas nesse pós-eleição?

Jorge Jaber é psiquiatra com especialização em Harvard e especialista em dependência química (Foto: Divulgação)
Sensações de medo, impotência e ansiedade estão muito ligadas ao mecanismo de depressão que, com frequência, se manifesta de maneira saudável, ou seja, levando o indivíduo a conter seus impulsos inadequados. A depressão faz recuar e evitar exposição desnecessária.
Depressão, assim como ansiedade e medo, são sentimentos que podem nos proteger de inimigos mais fortes, evitando que sejamos expostos a situações não-saudáveis e proporcionando um recuo estratégico para, num momento posterior, assumir posições mais eficazes. Para essas circunstâncias, é recomendável a ajuda de profissionais especializados em saúde mental.

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4 – Como as fake news agem no cérebro de uma pessoa?

As chamadas fake news são fruto da moderna comunicação, surgida por meio das mídias sociais. Na verdade, são mentiras que no passado eram chamadas de fofocas maledicentes, que sempre tiveram como objetivo desestabilizar o poder de uma outra pessoa. Uma adaptação da fofoca unida à má-fé foi usada de maneira sistemática para divulgação de inverdades e destruição de candidatos políticos. Frequentemente, esse tipo de comunicação parte de uma premissa desonesta que instaura a insegurança naqueles que recebem a informação. O resultado deste tipo de prática é que o conteúdo do pensamento humano, que tem se desenvolvido através de milênios para que o homem usufrua melhor da vida, fica contaminado, determinando até mesmo a manifestação de doenças mentais.

5 – É verdade que uma notícia falsa pode abalar a saúde mental?

De fato, o consumo de informação falsa pode trazer danos à saúde. Algumas doenças mentais podem entrar pelo ouvido e sair pela boca. Por isso, é importante chamar atenção para o fato de que o nosso cérebro guarda informações vitais para nossa sobrevivência e, como faríamos com um cofre valiosíssimo, não devemos permitir que informações de menor valor destruam aquelas que verdadeiramente sustentam a existência humana. Pensamentos que reforçam valores como solidariedade, respeito, amor ao próximo, reconhecimento que mesmo os menos capazes têm algo a lhe ensinar.

6 – Então, como saber em que/quem acreditar?

A imprensa tem compromisso com a verdade, tem técnica para gerar informações. Jornalistas procuram gerar conteúdo claro, correto e conciso. Há erros? O jornalismo sempre corre um risco calculado, quando ‘carrega nas tintas’ e publica algo alarmista, ou quando não tem tempo de checar todos os lados de uma situação antes de dar visibilidade ao fato e isso soa de forma maligna. Mas, em geral, faz a errata e se corrige na sequência. A diferença entre a fake news e o erro jornalístico é que neste a ética sempre persiste porque o jornalista precisa publicar a versão certa de imediato quando divulga alguma incorreção.

7 – Como não se deixar contaminar pelas notícias falsas?

Para que consiga maior serenidade e segurança na busca pela verdade, o internauta deve procurar ser mais criterioso ao compartilhar uma informação e não apenas reproduzir algo em que acredita. Sugiro que todos aproveitem as mídias sociais para levantar a hashtag #truenews, que valorize informações devidamente checadas por profissionais especializados.

8. O que fazer para evitar os conflitos nas redes sociais e preservar a saúde emocional?

Existe um ditado popular de grande eficácia que afirma: ‘quando um não quer, dois não brigam’. Portanto, a primeira e mais importante medida a se tomar, quando o conflito verbal se manifesta de maneira descontrolada, é romper temporariamente a comunicação. No Facebook, pode-se botar o interlocutor no ‘modo soneca’ por 30 dias, o famoso “ficar de mau”, evitando-se desfazer amizade ou bloquear o contato. É bom não esquecer que estamos todos no planeta azul e juntos vamos precisar melhorá-lo.
Com assessoria da jornalista Patrícia Terra
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