Em meio à pandemia de Covid-19, que ainda atinge gravemente o Brasil, o luto é um tema muito presente no cotidiano. Todos conhecem alguém que passou ou ainda passa por este processo doloroso. A pandemia do coronavírus já tirou a vida de mais de 500 mil brasileiros, fazendo com que pessoas perdessem seus pais, avós, tios, irmãos, amigos, cônjuges… As muitas mortes desde o início da pandemia trouxeram luz a um dilema enfrentado por muitas famílias: como falar sobre morte com as crianças?

Nas opiniões de vários especialistas, reunidas por ViDA & Ação, por mais desconfortável que possa ser, é essencial entender e transmitir aos pequenos a naturalidade desse momento, que é parte do ciclo da vida. Segundo Francielle Tosatti, especialista pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), a pandemia deixou o tema mais próximo e palpável por conta das informações na mídia ou mesmo por conta de familiares e conhecidos que tenham partido por causa da doença.

A conversa deveria tomar lugar de forma natural, gradual e ilustrativa e não apenas mediante o evento em si. Tão importante quanto falar sobre morte é entender que a criança sente o luto, de acordo com sua idade e maturidade e cada criança irá reagir de uma forma a ausência, ao clima da casa e as emoções dos familiares”, conta a médica, especialista em emergências pediátricas pelo Instituto Israelita Albert Einstein.

Por ocasião do 19 de junho, quando é celebrado o Dia Nacional do Luto, e marcando os 500 mil mortes por Covid-19 no Brasil, a Editora Paullus listou cinco obras que podem ajudar pais e demais familiares a ajudarem as crianças a lidar com a dor da perda de entes queridos. LER FAZ BEM destaca ainda Guia de alimentação e cuidado de um buraco negro de estimação, a nova obra de Michelle Cuevas, autora de Confissões de um amigo imaginário, em que trata especialmente do luto infantil. Confira ao final do texto:

‘Virou uma estrelinha’ não é uma metáfora muito apropriada

Segundo a psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross, o luto passa por cinco estágios, que são negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação. Estes estágios não têm um tempo de duração definido, podendo variar de pessoa para pessoa. Para as crianças, a fase de luto também existe e precisa ser trabalhada pelos pais, responsáveis e educadores.

Para as crianças que perdem seus responsáveis, a situação pode ser ainda mais delicada. A psicóloga Vanessa Gebrim, especialista em Psicologia Clínica pela PUC-SP, acredita que é necessário ter uma conversa clara e sincera com as crianças na hora de contar sobre a perda de alguém. Quando for dar a notícia para a criança é importante enfatizar que os pais sempre estarão em seu coração e que é para ela se lembrar das coisas boas que viveram juntos.

É muito importante também passar a mensagem que os pais morreram e não vão mais voltar, para que não confunda a cabeça da criança e, principalmente, evitar contar aquelas metáforas sobre a pessoa ter ‘virado uma estrelinha1. Às vezes é um pouco complicado porque a criança pode entender que a pessoa está em algum lugar e irá retornar – o que gera um sentimento de confusão e às vezes até mesmo de culpa. A criança pode achar que fez algo de errado para aquela pessoa e ficar com isso na cabeça, já que não possui um entendimento muito claro sobre o assunto”, complementa.

Vanessa Gebrim, psicóloga, fala sobre como tratar da morte com as crianças (Foto: Divulgação)

Então, como abordar a Covid-19 com as crianças?

Francielle Tosatti afirma que, caso algum membro da família ou amigo próximo adoeça com a Covid-19, é importante tentar incluir a criança no processo desde o começo, para que ela assimile uma cronologia dos acontecimentos. Pais e cuidadores devem estar preparados para responder suas perguntas (que podem ser repetitivas), de forma clara e sem detalhes desnecessários.

Abra espaço para que ela expresse seus sentimentos (o lúdico é um excelente facilitador) e ajude-a a entender o que está acontecendo. Mantenha a criança informada da evolução, em casos de internações, havendo a possibilidade de uma tele-visita pergunte a criança se ela deseja participar e antecipe para ela o que ela irá ver: estado de saúde, emagrecimento, dispositivos que possam estar conectados ao corpo etc. Assegure-a de que se ela não quiser ver está tudo bem e que você dará notícias”, recomenda a especialista.

Francielle Tisatto, pediatra, ensina como abordar o tema morte com as crianças (Foto: Divulgação)

Se houver falecimento de um ente querido, a criança deverá ser comunicada assim que possível por um cuidador com quem ela tenha vínculo afetivo e em quem confie. “Essa dolorosa realidade será suportável com o afeto, o amor e o respeito dos familiares.” Também é importante que o adulto não esconda ou falseie suas próprias emoções. Está tudo bem dizer “estou chorando porque tenho saudades”, segundo a médica. Essa vivência ajudará a criança a entender que entrar em contato com sentimentos dolorosos é possível e que a medida que o amor dos nossos queridos nos conforta, as emoções se transformam em lembranças saudosas.

Rituais de despedida ajudam a ressignificar a morte

A psicóloga Vanessa Gebrim recomenda fazer alguns rituais de despedida, perguntar para a criança como ela gostaria de se despedir, o que gostaria de falar. Esses rituais são importantes para elaborar o que a criança está sentindo e também para ressignificar o luto. “O mais importante em casos como estes de grandes perdas é que a criança tenha a referência positiva de pessoas que possam assumir os cuidados dela, para que ela se sinta segura. Dessa forma, o vazio começa a ser preenchido”, conclui.

Uma das homenagens mais lindas, na minha opinião, e que costuma ser bem assimilada por crianças é plantar uma rosa ou outra flor para o ente querido, explicando que ele nunca será esquecido e estará sempre no seu coração”, conta ela. Foi o que fizeram as irmãs Ana Raquel e Ana Laura, no último fim de semana, quando plantaram uma árvore no Bosque da Memória do Rio, em homenagem ao avô, que morreu em maio de 2020 por Covid (veja mais aqui).

Ana Laura e Ana Raquel plantaram uma muda em homenagem ao avô Sidney (Fotos: Divulgação)

O luto por idade

A psicóloga Vanessa Gebrim lembra que a hora de contar alguma notícia a respeito da perda de algum ente querido, é importante entender as fases da criança. Na primeira infância, até os três anos da idade, o fim da vida é percebido apenas como uma ausência. A criança não tem muita noção, sente a falta, mas não sabe o que de fato está acontecendo.

Já entre os três e cinco anos, a criança já começa a assimilar a morte, mas ainda de uma forma muito fantasiosa, às vezes na ilusão de que a pessoa foi viajar e irá voltar. É a partir dos nove anos de idade que as crianças começam a ter consciência da morte de forma mais clara”, explica a psicóloga.

A pediatra Francielle Tosatti lembra que a maioria das crianças já teve, de certa forma, algum contato com a morte no dia a dia, ao ver um inseto morto, uma flor murcha ou o tema em filmes, como Rei Leão, Bambi, Frozen e outros. Ela explica ainda como o luto deve ser tratado em cada fase da infância:

0 a 2 anos

Até os dois anos a criança percebe a morte como uma ausência, sendo fundamental manter a proximidade com os familiares sobreviventes e que outro cuidador assuma as responsabilidades, no caso de perda de um cuidador próximo, como pais ou avós, sempre mantendo a constância da rotina.

3 a 6 anos

A criança começa a assimilar a morte, mas ainda de uma forma muito fantasiosa. “É importante ter muito cuidado com o uso de metáforas como ‘dormiu para sempre’ ou ‘fez uma longa viagem’, pois podem gerar fobias na hora de dormir ou viajar, além de não contribuir com a assimilação da finitude do evento.”

A visão egocêntrica comum nessa faixa etária pode levar a criança a se sentir culpada, adotar comportamentos hostis ou ter regressões de comportamento. Reafirmar constantemente que a criança não teve culpa, acolher e ajudá-la a expressar seus sentimentos fazem parte do suporte que ela precisa e que não só vai curar mas ajudar a entender o luto. De acordo com a pediatra, expressões artísticas como desenhos, tabelas de sentimentos e álbuns de lembranças são facilitadores desse processo.

9 anos

Por volta dessa idade a criança começa a entender a morte como algo definitivo e irreversível e podem requisitar meios concretos para entender a morte, como participação do funeral. Essa é uma possibilidade que fica sujeita à decisão da família, dos seus valores e da sua religiosidade, segundo Dra. Francielle: “é importante que seja uma opção para a criança e não uma imposição. Caso a decisão seja levar a criança, e ela deseje ir, explique como vai ser antes e esteja pronto para trazê-la de volta para casa se ela não quiser ficar”.

DICAS DE LEITURA

Livro ensina crianças a lidar com o luto

Existem muitas maneiras de lidar com o luto, mas despejar todas as lembranças dentro de um buraco negro com certeza não é uma das melhores. As aventuras de Stella Rodriguez, uma menina de 11 anos apaixonada por constelações e Carl Sagan, se misturam com a dor pela morte recente do pai. Em seu novo livro Guia de alimentação e cuidado de um buraco negro de estimação, Michelle Cuevas – autora de Confissões de um amigo imaginário – demonstra, com originalidade, emoção e bom-humor, como crianças e adultos  podem suportar esse sentimento.

Através de uma jornada emocionante de autoconhecimento, Michelle equilibra a paixão científica, o amor pela família e um jornada de autoconhecimento para criar um livro maravilhosamente acolhedor. Mais do que apenas uma agradável aventura surreal, o novo livro, publicado pela Editora Galera Record, é um guia inestimável de superação da dor.

Tudo começa quando Stella decide ir à Nasa para convencer Carl Sagan a incluir a gravação da risada do seu pai nos Discos de Ouro da Voyager – que contém todos os melhores sons do mundo que serão lançados no espaço –.  Na volta para casa, após a tentativa sem sucesso, algo inesperado acontece: um buraco negro a segue e decide se tornar seu animal de estimação.  Larry, como foi apelidado, engole tudo o que toca, o que é desafiador, mas também uma maneira de se livrar daquilo que Stella não quer ter por perto.

Assim, os suéteres feios que havia ganhado de sua tia, o hamster fedorento que ela está cuidando e os brinquedos falantes (e irritantes) do seu irmão desaparecem. Ao mesmo tempo, as recordações dolorosas como a dança terrível que só o seu pai fazia, o jeito que sempre queimava o jantar, o kit de química, as constelações que eles criaram juntos e até a gravação da sua risada: também vão para dentro de um buraco tão escuro como a meia-noite escondida no fundo de uma gaveta.

Esconder o que é difícil de enfrentar dentro de um buraco negro tem suas consequências. E é só quando a própria Stella, seu irmão mais novo Cosmo, o cachorrinho da família e até a banheira da casa são engolidos pelo buraco negro que a menina percebe que está deixando o luto consumi-la. Stella, então, compreende que precisa ter a coragem de tomar o caminho de volta para casa e abrir seu coração para enfrentar esse momento difícil.

Acho que é isso que a dor pode fazer se você permitir: abrir você no meio, deixar a luz entrar e mostrar a você o que está dentro. Nossa aventura pela escuridão havia me mostrado tons e matizes de mim mesma que eu não poderia ter visto de outra forma. Acho que há mais coisa sempre sendo revelada. E talvez, só talvez, você não tenha me ensinado tudo que tem a ensinar ainda.” Guia de alimentação e cuidado de um buraco negro de estimação.

SOBRE A AUTORA

Michelle Cuevas se formou no Williams College e tem mestrado em belas artes e escrita criativa pela Universidade da Virginia, onde recebeu o Henry Hoyns Fellowship. Atualmente, se dedica completamente à literatura e vive em Berkshire County, Massachusetts. Seu primeiro livro, ‘Confissões de um amigo imaginário’, foi considerado um dos melhores de 2015 para crianças pela Time Magazine e participou do Programa Nacional do Livro e do Material Didático 2020.

FICHA TÉCNICA:

Guia de alimentação e cuidado de um buraco negro de estimação (The care and feeding of a pet black hole)

Autora: Michelle Cuevas

Tradução: Luisa Geisler

Páginas: 222

Preço: R$ 47,90

Editora: Galera | Grupo Editorial Record

Editora Paullus seleciona 5 livros infantis sobre luto

O que acontece quando alguém morre? – Um guia para as crianças lidarem com a morte e os funerais

Pensando em ajudar as crianças a entenderem os mistérios sobre o luto e as cerimônias que acontecem durante esse delicado momento, a autora Michaelene Mundy escreveu “O que acontece quando alguém morre? – Um guia para as crianças lidarem com a morte e os funerais”. Repleto de belíssimas ilustrações, o livro é um excelente guia para os mais novos e ótimo instrumento para os pais tirarem as dúvidas das crianças a respeito deste momento de despedida das pessoas queridas. O livro faz parte da coleção Terapia Infantil. Saiba mais.

Ficar triste não é ruim – Como uma criança pode enfrentar uma situação de perda

O livro “Ficar triste não é ruim” oferece às crianças de todas as idades (e às pessoas que as amam e orientam) uma visão realista e confortadora da perda – cheia de estímulos positivos para lidar com a perda na infância. A obra promove um sentimento de pesar honesto e sadio e de crescimento. Trata-se de um guia reconfortante e amoroso – escrito por uma especialista – para ajudar as crianças a lidarem com a perda. Saiba mais.

Quando coisas ruins acontecem – Um guia para ajudar as crianças a enfrentá-las

Nós não podemos proteger as crianças de todas as dores e danos. Mas com este livro, podemos começar a acalmá-las em relação aos seus medos, aliviar suas tristezas e ajudá-las a se curarem. Nós podemos assegurar-lhes que, como os pequenos personagens deste livro, elas serão sempre amadas e cuidadas. Podemos ensinar-lhes as habilidades para enfrentar grandes mudanças e os desafios da vida. E podemos restabelecer a confiança delas na vida, que apesar das coisas ruins é extremamente boa! Saiba mais.

Quando papai ou mamãe morre – Um livro para consolar as crianças

Quando mamãe e papai morrem, o sofrimento das crianças é profundo, mas nós podemos demonstrar nossa atenção e amor por elas, encorajando-as a dividir seus sentimentos de tristeza e perda. Podemos dar a elas o tempo e o espaço necessários para que elas se adaptem à nova situação e deem atenção – mesmo que não haja respostas – aos questionamentos que naturalmente aflorarão. Podemos ouvir o lamento de seus pequenos corações e ajudá-las com amor e carinho. Saiba mais.

É triste quando alguém morre – Um livro sobre o pesar

Para as crianças, que são “novas” em tantas coisas, perder uma pessoa amada pode ser uma experiência extremamente difícil. Para os pequeninos, a morte é complicada de entender. Como, depois de tudo, poderia acontecer algo assim? Onde está a pessoa? Ela voltará? Quem cuidará de mim agora? As perguntas e a tristeza, expressas ou não por elas, podem ser muitas. O autor, Linus Mundy, oferece dicas práticas para ajudar os pequenos leitores a entender seus sentimentos de tristeza e reafirmar, de alguma maneira, que as coisas boas voltarão. Saiba mais.

Com Assessorias

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