Um estudo do projeto Monitora Covid-19 da Fiocruz levantou o quanto a pandemia afetou os atendimentos do Sistema Único de Saúde (SUS). Em um ano e meio, houve 1,7 milhão de internações a menos: uma diminuição de 9,9%, mesmo com o volume de pessoas internadas devido à Covid-19. A análise aponta para um colapso no sistema de saúde durante o período pandêmico — não só para o tratamento da Covid-19, mas para outros serviços de rotina. Veja a nota técnica completa.
As internações classificadas como “doenças do ouvido e da apófise mastóide” tiveram uma diminuição de 44,2% na comparação entre os períodos de janeiro de 2018 a junho de 2019 e janeiro de 2020 a junho de 202. Na mesma comparação, diminuíram 37,3% as pessoas internadas por problemas respiratórios; 27,2% aquelas internadas por doenças do aparelho digestivo; e 34% as internadas por doenças do olho.
Essas reduções revelam um cenário de desassistência, com um grande passivo de atendimentos que ficaram represados. “O que esses dados mostram é o tamanho do impacto que a covid-19 provocou em todo o sistema público de saúde. Tivemos uma diminuição expressiva das internações e cirurgias eletivas”, resume o pesquisador Diego Xavier, do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict/Fiocruz).
Aumento de mortes não só por Covid-19
O levantamento mostra ainda que os períodos em que houve os maiores picos de morte por Covid-19 são, também, aqueles em que houve mais óbitos por outras causas. E, não à toa, coincidem com as datas em que foram registrados os menores volumes de atendimento em diferentes sistemas de informação em saúde — o que sugere o colapso por conta da ocupação da rede hospitalar pela Covid-19.
“Desde o começo da pandemia já sabíamos que um dos grandes problemas da covid-19 era levar os sistemas de saúde ao colapso, pois implica um volume de casos muito alto em espaço de tempo muito curto. Isso impede que os serviços de saúde possam absorver toda a população doente e tratá-la de forma adequada. Tivemos um grande volume de óbitos por covid-19, mas também tivemos o aumento de mortes de pessoas com outros problemas de saúde, que não puderam ser atendidas devido a esse colapso no sistema, no momento em que a Covid ocupava toda a nossa rede hospitalar”, diz Xavier.
Para chegar a essas conclusões, os cientistas do Monitora Covid-19 analisaram diferentes sistemas de saúde: Sistema de Informação Ambulatorial (SIA), Sistema de Informação Hospitalar (SIH), Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe) e Painel Coronavírus.
Os dados do Sistema de Informações Ambulatoriais, por exemplo, mostraram uma queda brusca em quase todos os tipos de atendimento, logo após o início da pandemia. Os procedimentos cirúrgicos tiveram queda de 53%, comparando-se os períodos de janeiro de 2020 a junho de 2021 e janeiro de 2018 a junho de 2019.
O grupo das ações de promoção e prevenção em saúde e os procedimentos clínicos estão muito abaixo dos números de antes da pandemia. Os transplantes e ações complementares de atenção à saúde tiveram uma melhor recuperação, mas ainda não retomaram ao patamar de antes da pandemia.
“Agora o Sistema Único de Saúde vai ter que enfrentar a fila que ficou para trás. Muitos problemas de saúde que não foram tratados podem ter se agravado, e vão precisar de atenção: uma sequela indireta da pandemia. Isso sem contar com a Covid longa, que ainda vem sendo estudada, mas que certamente trará impactos nos próximos meses e anos. O serviço de saúde vai precisar de reforços, de organização e de aporte financeiro, para que consiga dar conta de todo esse passivo que a pandemia trouxe”, completa o cientista.