Muita gente não sabe, mas alergia mata.  A anafilaxia é uma reação alérgica aguda grave e potencialmente fatal, pode ser causada por alimentos, medicamentos, látex e até mesmo picada de insetos. Segundo a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai), nos últimos 10 anos, o número de internações por choque anafilático (uma reação alérgica grave) mais que dobrou no Brasil. Só em 2024, foram registrados 1.143 casos, um aumento de 107% em relação a 2015, de acordo com dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), do Ministério da Saúde.

A anafilaxia é uma resposta extrema do sistema imunológico a substâncias inofensivas, caracterizada por sua rápida e intensa manifestação, como inchaço, dificuldade para respirar e queda da pressão arterial. Em pessoas alérgicas. Geralmente, a anafilaxia ocorre em minutos após contato com alérgenos. Entre os sintomas estão dificuldade para respirar, inchaço na boca, língua ou rosto, formação de placas avermelhadas na pele ou urticária.

À semelhança do que se tem observado com a maioria das doenças alérgicas, a prevalência da anafilaxia também está aumentando ano após ano. Todos os anos, a Organização Mundial da Alergia (WAO, da sigla em inglês) seleciona um tópico sobre a doença. Em 2025, o tema da Semana Mundial da Alergia (de 29 de junho a 5 de julho) é Anafilaxia: uma ameaça evitável’. O objetivo é chamar atenção para um problema sério que pode levar à morte em poucas horas, se não for devidamente tratado.

Caneta autoinjetável de adrenalina no SUS

O tratamento mais rápido para uma pessoa em crise anafilática são as canetas de adrenalina, primeiro medicamento a ser administrado por via intramuscular, na região anterolateral da coxa. A adrenalina trata todos os sintomas associados à anafilaxia e pode prevenir o agravamento dos sintomas.

No entanto, a  adrenalina autoinjetável ainda não é produzida nem comercializadas no Brasil, podendo ser adquirida apenas por importação. Contudo, após anos de luta, os médicos imunologistas conseguiram aprovar o Projeto de Lei 85/2024, que prevê que a caneta de adrenalina autoinjetável seja distribuída pelo SUS no Brasil.

Atualmente a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aguarda a solicitação de registro do dispositivo por parte de alguma empresa para que possa avaliar a aprovação”, explica Maria Letícia Chavarria, que é presidente da Regional Goiás da Asbai.

De acordo com a Asbai, outros medicamentos também podem ser associados ao tratamento, como antialérgicos, corticoides e broncodilatadores, mas não devem ser administrados antes ou no lugar da adrenalina e nunca devem atrasar a administração rápida de adrenalina assim que a anafilaxia for reconhecida.

Para chamar atenção da indústria farmacêutica para que se interesse em produzir o autoaplicador de adrenalina, que hoje só pode ser adquirido pelo paciente via importação e a um custo muito elevado, tendo em vista a taxa cambial, a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI)  criou em 2021 o Registro Brasileiro de Anafilaxia.

A anafilaxia é uma reação alérgica multissistêmica grave, de início agudo e potencialmente fatal, vem apresentando um aumento considerável em sua incidência nos últimos anos. Entretanto, ainda há uma escassez de dados no Brasil. Para minimizar essa lacuna, a AASBAI) criou o Registro Brasileiro de Anafilaxia (RBA-ASBAI), uma iniciativa pioneira para coletar e analisar dados nacionais sobre essa condição médica.

O serviço foi desenvolvido com o intuito de ampliar o conhecimento sobre o perfil da doença entre os brasileiros para que políticas públicas possam ser implementadas no que diz respeito à prevenção e ao tratamento da anafilaxia, considerada a reação alérgica mais grave e que pode levar à morte.

O objetivo é permitir rastrear as manifestações clínicas da doença na população, bem como a sua evolução, os principais agentes etiológicos e os tratamentos instituídos durante o atendimento de emergência, nas diferentes faixas etárias. O registro é preenchido pelo médico que atender o episódio de anafilaxia, sempre com a anuência do paciente.

Estudo – O registro incluiu 318 pacientes, dos quais 163 eram mulheres. A média de idade foi de 27 anos, abrangendo faixas etárias de 2 a 81 anos. Pacientes de 20 dos 27 estados brasileiros participaram, com maior incidência nos estados do Sul e Sudeste: São Paulo (22%), Minas Gerais (17,6%), Paraná (14,5%) e Rio de Janeiro (13,5%).

“Os alimentos foram responsáveis por 42,1% das reações, com leite de vaca (12,9%), mariscos (6,9%), ovo (5,6%), trigo (3,1%) e amendoim (3,1%) sendo os mais comuns”, conta Dra. Mara Morelo, coordenadora do estudo ao lado do Dr. Dirceu Solé.

Já 32,4% dos casos estavam relacionados a medicamentos, incluindo agentes biológicos (10,4%), anti-inflamatórios (7,2%) e antibióticos (3,8%). Anafilaxia por insetos representou 23,9% das anafilaxias, destacando-se a formiga com 8,4% dos casos. Anafilaxia ao látex foi identificado em 11 casos.

O Registro Brasileiro de Anafilaxia mostrou que 55,5% das crianças do sexo masculino são maioria com casos de anafilaxia. Já em adultos, 59,2% dos casos foram em mulheres.

A carência da adrenalina autoinjetável no tratamento imediato

O Registro Brasileiro de Anafilaxia mostrou que apenas 8,2% dos pacientes possuíam o kit de emergência, ou seja, 43 pacientes tinham a caneta de adrenalina autoinjetável. Atualmente, a apresentação da adrenalina autoinjetora só pode ser adquirida por importação, a um custo alto. O Brasil ainda não tem esse dispositivo, que está em fase de aprovação pela  Anvisa.

Já 96,2% dos pacientes com anafilaxia receberam algum tipo de tratamento, com uso de adrenalina em 50,3% dos casos, porém, com a administração do medicamento feita por profissionais em 42,1% dos casos, ou seja, em âmbito hospitalar.

Quinze pacientes necessitaram de intubação (11 adultos, 2 idosos, 2 crianças) e 10 foram reanimados (6 adultos, 3 idosos, 1 criança).

A adrenalina autoinjetável é o medicamento de urgência, precisa ser aplicado assim que os sinais da anafilaxia começam. A demora na medicação pode levar a pessoa a óbito, sem tempo mesmo para chegar ao pronto-atendimento”, explica Dra. Mara Morelo.

Alimentos, remédios e insetos são as principais causas da anafilaxia

Sintomas respiratórios, na pele e mucosas, cardiovasculares, gastrointestinais e neurológicos são característicos da anafilaxia, a reação alérgica mais grave e que pode levar ao óbito.anafilaxia pode ocorrer, principalmente, nos casos de alergia a alimentos (leite e ovo em crianças), insetos (destaque para veneno de abelhas, vespas, marimbondos e formigas) e medicamentos (mais comum em adultos pelo uso de antinflamatórios e antibióticos).

Outro desencadeador de anafilaxia é o látex, presente em equipamentos médicos, balões de ar e preservativos. “Pessoas alérgicas ao látex podem ter reação cruzada com vários alimentos, sendo as frutas as mais implicadas como kiwi, abacate, mamão papaia, tomate, banana e outros alimentos como castanhas e mandioca”, explica a coordenadora do Departamento Científico de Anafilaxia da Asbai,  Alexandra Sayuri Watanabe.

Exercícios físicos também podem causar anafilaxia de forma isolada ou associada à ingestão prévia de alimentos ou medicamentos. “Em algumas crises, não se consegue identificar o agente causal, caracterizando a anafilaxia idiopática”, comenta Priscila Geller Wolff, membro do Departamento Científico de Anafilaxia da Asbai.

Entenda os sintomas que caracterizam a anafilaxia

A alergista e imunologista Maria Letícia Chavarria cita algumas reações que uma pessoa com anafilaxia pode ter. “Os mais frequentes são coceira, vermelhidão, presença de placas ou manchas e inchaços na face, congestão nasal, espirros, sensação de sufocação ou aperto na garganta, rouquidão, tosse, chiado no peito ou falta de ar. Outros que podem ocorrer são náuseas e vômitos intensos, cólicas e diarreia, queda da pressão arterial, com ou sem desmaio, tontura, dor de cabeça, crises convulsivas e confusão mental”, elenca.

Os sintomas da anafilaxia iniciam-se imediatamente após o contato com a substância alergênica, evoluindo rapidamente, geralmente dentro de uma hora. A primeira hora após o surgimento dos sintomas é fundamental para o tratamento, pois a maioria dos casos de fatalidade ocorre nesse período, se não tiver atendimento médico rápido”, pontua a especialista.

  • Manifestações na pele e mucosas (80% a 90% dos casos): Vermelhidão localizada ou no corpo todo, coceira, manchas na pele, placas no corpo e/ou inchaço nos olhos e lábios. Geralmente, são as mais frequentes e aparecem primeiro.
  • Manifestações respiratórias (70% dos episódios): coceira e entupimento nasal, espirros, coceira ou aperto na garganta, dificuldade para falar, rouquidão, estridor, tosse, chiado no peito ou falta de ar.
  • Manifestações gastrointestinais (30% a 40%): náuseas, vômitos, cólicas e diarreia.
  • Manifestações cardiovasculares (10% a 45%): pressão baixa, com ou sem desmaio, aceleração ou descompasso dos batimentos cardíacos.
  • Manifestações neurológicas (10% a 15% dos casos): dor de cabeça, crises convulsivas e alterações do estado mental.
  • Outras manifestações clínicas: sensação de morte iminente, contrações uterinas, perda de controle de esfíncteres, perda da visão e zumbido.

O que fazer diante de uma crise anafilática?

Enquanto a caneta ainda não é distribuída e comercializada no Brasil, ao ver alguém com uma possível anafilaxia deve-se ligar para o socorro (Samu 192 ou Bombeiros 193), pois a pessoa será encaminhada ao atendimento médico, onde há ampolas de adrenalina disponíveis.

Até os socorristas chegarem deixe o paciente em posição confortável e segura, se possível deitado de barriga para cima, com as pernas elevadas e mantenha as vias aéreas desobstruídas. Se a pessoa estiver vomitando, vire a cabeça de lado”, orienta a médica alergista e imunologista.

Para prevenir a anafilaxia deve-se bloquear o contato com os elementos que podem desencadear a reação alérgica, como alimentos, medicamentos, produtos químicos ou insetos. Após a recuperação da anafilaxia é recomendado o acompanhamento com um especialista em Alergia e Imunologia para realizar corretamente o diagnóstico.

O especialista vai atuar para ajudar o paciente a identificar os agentes desencadeantes daquela reação, diminuindo o risco de reação anafilática futura. Assim, é possível adotar ações para reduzir a gravidade da reação em uma nova anafilaxia, incluindo a prescrição e educação sobre o uso de adrenalina autoinjetável.

 

É verdade que contraste pode causar anafilaxia?

Você já deve ter ouvido sobre a relação do contraste – usado nos exames de imagem – com a anafilaxia, considerada a reação alérgica mais grave e que pode levar a óbito. Para esclarecer as dúvidas sobre o assunto,Marisa Ribeiro, especialista do Departamento Científico de Anafilaxia da ASBAI – Associação Brasileira de Alergia e Imunologia, responde às principais dúvidas.

  1. Contraste pode causar anafilaxia?

Sim. A reação pode ocorrer por alergia específica à molécula do contraste para a qual o paciente já foi sensibilizado em contato anterior, ou ser causada por propriedades do contraste utilizado, como peso molecular, que geram liberação de substâncias pelo sistema imunológico, independentemente de contato prévio. Quanto mais grave e rápida a reação, maior a chance de ter mecanismo alérgico específico envolvido.

  1. Há um percentual de quantas pessoas apresentam reações de anafilaxia por contraste?

Os contrastes mais utilizados são os iodados (usados em tomografias) e compostos de gadolíneo (usados em ressonância nuclear magnética). A anafilaxia por contrastes iodados ocorre em 2 a 4 pessoas para cada 10 mil aplicações e, por gadolíneo, em 1 para cada 10 a 100 mil aplicações.

  1. É verdade que pessoas com alergia a frutos do mar podem ter anafilaxia com contraste?

Sim, mas o risco é o mesmo da população geral. Ou seja, o fato de ter alergia a frutos do mar não predispõe à anafilaxia por contraste. Alguns locais ainda possuem questionário para pacientes que farão exames contrastados interrogando alergia a frutos do mar por conterem iodo, mas vários trabalhos científicos mostram que não há associação entre alergia a camarão e frutos do mar e reações a contrastes.  A alergia a frutos do mar ocorre por proteínas específicas desses alimentos que não estão presentes em contrastes. Anafilaxia a contrastes está associada à molécula do contraste e não ao iodo. Além disso, iodo está presente em muitos alimentos como bananas, ovos, iogurte natural, sal iodado, feijões brancos e cerveja.

  1. Quais as orientações devem ser passadas ao paciente com histórico de anafilaxia que vai receber contraste em um exame de tomografia?

É importante verificar a causa da anafilaxia do paciente. Caso tenha tido anafilaxia após uso de contraste, é necessário saber qual o tipo de contraste foi utilizado e as características da reação anterior para verificar se há risco de nova reação. Por isso, é fundamental que o paciente seja avaliado por um especialista da área de Alergia e Imunologia, que irá fazer a investigação e orientar a melhor forma de prevenção.

Com Assessorias

 

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