Em uma decisão que reacende o debate sobre a aplicação da “prisão humanitária” para condenados de alta patente, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu nesta segunda-feira (22) o regime domiciliar ao general da reserva Augusto Heleno, de 78 anos. O benefício foi fundamentado em um laudo da Polícia Federal que confirma o diagnóstico de Alzheimer em estágio inicial.

Condenado a 21 anos de prisão por sua participação direta na tentativa de golpe de Estado, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) deixa a custódia no Comando Militar do Planalto sob monitoramento de tornozeleira eletrônica. O laudo pericial aponta “piora de memória, desorientação e tendência de rápida progressão” da doença neurodegenerativa.

A defesa de Heleno trilhou um caminho sinuoso até o benefício. Inicialmente, alegou-se que os sintomas vinham desde 2018 — o que levantaria dúvidas graves sobre a sanidade de um ministro que ocupava a pasta de inteligência estratégica do país. Posteriormente, a versão foi ajustada para um diagnóstico confirmado apenas em 2025. Para evitar fraudes e simulações, a perícia foi rigorosa.

O rigor do diagnóstico sob suspeita

Ouvida pelo VIDA E AÇÃO, a médica Caroline Daitx, especialista em Medicina Legal e Perícia Médica, explica que o fechamento de um diagnóstico de Alzheimer em esfera judicial exige um protocolo multidimensional.

A confirmação exige avaliação clínica neurológica e psiquiátrica, testes cognitivos padronizados como MEEM e MoCA, além de exames de imagem, como ressonância magnética, para identificar atrofias hipocampais”, sustenta a especialista.

Daitx ressalta que a perícia não serve apenas para dar um nome à doença, mas para medir a autonomia do preso. “É necessário verificar se ele compreende o caráter ilícito dos atos e se o ambiente carcerário representa risco à saúde por dependência funcional”, afirma.

Não foram divulgados os métodos empregados pela perícia para confirmar que Heleno sofre de demência mista (Alzheimer e demência vascular) e que está em estágio inicial, mas em progressão acelerada. A perícia também confirmou que a prisão contribuiria para o declínio cognitivo e agravaria o sofrimento psíquico do general aposentado.

Mesmo benefício foi concedido a Fernando Collor

De acordo com o Consultor Jurídico, apesar de o benefício ser voltado somente aos réus que já estão em regime aberto, a prisão domiciliar humanitária pode ser concedida a quem tem doença grave e degenerativa, que não pode ser tratada no cárcere. O apenado só teria direito à exceção humanitária se fosse comprovada a doença, de forma robusta.

Assim, Alexandre de Moraes determinou que fosse feita uma perícia oficial pela Polícia Federal. De acordo com o laudo, ele se enquadra como pessoa com deficiência, segundo o Estatuto da Pessoa com Deficiência e a política antimanicomial do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Diante desse quadro e do bom comportamento de Heleno, o ministro do STF considerou cabível lhe conceder a prisão domiciliar humanitária. 

Em execução da pena extremamente assemelhada, autorizei a prisão domiciliar de natureza humanitária de Fernando Affonso Collor de Mello, pois presentes os mesmos requisitos: idade avançada (75 anos), condição grave de saúde, pois portador de doença de Parkinson e outras comorbidades e ausência de qualquer indício de tentativa de fuga durante toda a investigação e instrução processual penal”, escreveu Moraes.

O ministro do STF reiterou que o descumprimento da prisão domiciliar humanitária ou de qualquer uma das medidas alternativas implicará no imediato retorno ao cumprimento da pena em regime fechado. Ele determinou a expedição do alvará de soltura com urgência. Clique aqui para ler a decisão

Dois pesos, duas medidas? O contraste com Bolsonaro

A decisão, embora tecnicamente embasada, levanta questionamentos éticos e jurídicos sobre a seletividade dos benefícios em comparação a outros nomes de peso da extrema-direita, como Jair Bolsonaro. A rapidez e o desfecho favorável a Heleno contrastam com a situação de seu antigo chefe. No entanto, parece ter pesado na decisão sobre o ex-presidente a violação da tornozeleira eletrônica, caracterizando uma possível tentativa de fuga, entre outras condições.

Recentemente, a mesma Polícia Federal submeteu o ex-presidente a uma perícia que confirmou a necessidade de uma cirurgia de hérnia.  No entanto, o pleito de Bolsonaro pela prisão domiciliar foi negado sob a justificativa de que o procedimento não é emergencial e pode aguardar o trâmite regular ou ser gerenciado sob custódia, conforme reportado anteriormente pelo Vida e Ação no artigo “Entre o bisturi e o xadrez jurídico”.

A discrepância gera um incômodo jurídico: enquanto a hérnia de Bolsonaro é tratada como questão eletiva, o “esquecimento” de Heleno é visto como urgência humanitária. Augusto Heleno, que outrora exibia vigor ao entoar cantos de teor intervencionista e ameaçar instituições, agora se recolhe ao conforto do lar.

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Justiça ou impunidade biológica?

No caso do general reformado, a “tendência de rápida progressão” parece ter sido o fiel da balança para tirá-lo da prisão militar. Além do quadro demencial (Alzheimer) em estágio inicial, a perícia indicou sua idade avançada e outros problemas de saúde típicos do envelhecimento como razões humanitárias para que o ministro Alexandre de Moraes autorizasse sua transferência para a prisão domiciliar

A crítica que ecoa nos bastidores do Judiciário é se a fragilidade cognitiva, em estágio inicial, é suficiente para apagar a gravidade dos crimes contra a democracia, ou se o Alzheimer está sendo usado como um “salvo-conduto” biológico para quem deveria enfrentar o rigor da sentença de duas décadas.

A decisão de Moraes, embora amparada pela Lei de Execução Penal, deixa um gosto amargo para os defensores da responsabilização irrestrita dos mentores do 8 de janeiro. Se a ciência confirma a degeneração do cérebro do general, a história ainda aguarda para saber se a justiça brasileira terá a mesma memória curta ou se o monitoramento eletrônico será apenas um adereço em uma impunidade travestida de humanismo.

Um resumo da decisão

Os principais detalhes sobre o laudo da perícia e a decisão são:
  • Diagnóstico confirmado: O laudo pericial, elaborado por médicos da Polícia Federal e entregue ao STF na mesma data, confirmou que Heleno sofre de demência mista (Alzheimer e vascular) em estágio inicial.
  • Justificativa humanitária: A perícia indicou que, embora o quadro seja inicial, a manutenção em ambiente carcerário poderia acelerar a evolução da doença devido ao isolamento e à falta de estímulos adequados. A Justiça entendeu que o tratamento necessário não poderia ser oferecido integralmente na prisão.
  • Contexto da condenação: Heleno, de 78 anos, cumpre pena de 21 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Ele estava detido desde 25 de novembro de 2025.
  • Condições da prisão domiciliar: O general deve cumprir medidas cautelares e só poderá sair de casa para atendimentos médicos, devendo justificar tais deslocamentos à Justiça em até 48 horas. O descumprimento de qualquer regra implicará no retorno imediato ao regime fechado. 
  • Aval da PGR: A decisão contou com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR). Detalhes adicionais sobre o cumprimento da pena podem ser acompanhados no portal de notícias do STF.
  • A perícia de Heleno foi feita no Comando Militar do Planalto (CMP) em 12 de dezembro. O general está preso no mesmo lugar do ex-ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, também condenado na trama golpista.

Com informações de agências 

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