Análise apresentada na publicação Álcool e a Saúde dos Brasileiros – Panorama 2021 indica tendência de redução da abstinência entre as mulheres entre 18 e 34 anos, com variação média anual de 2% ao ano. Isso significa que mais brasileiras em idade fértil passaram a beber entre 2010 e 2019. Além disso, o uso abusivo de bebidas apresenta tendência de aumento com média anual de 5% para a mesma faixa etária.
São dados preocupantes não somente do ponto de vista da saúde feminina, mas sinal de alerta para as futuras gerações. No Brasil, estima-se que 15% das gestantes consomem bebidas alcoólicas, fator de risco importante para o desenvolvimento de transtornos neurológicos e neuro-comportamentais, podendo levar a deficiência intelectual de seus bebês.
O American Journal Secret, apresentou estudo realizado em 2020, indicando que o consumo de álcool, em qualquer quantidade, durante o pré-natal, está associado a maiores causas de psicopatologias, além de déficit de atenção e impulsividade. Outros estudos apontam que a exposição pré-natal ao álcool tem efeitos irreversíveis; que variam do nível de consumo, do tempo da gravidez e do tempo de exposição.
O problema também pode causar danos congênitos, conhecidos como Transtorno do Espectro Alcoólico Fetal (em inglês, FASD – Fetal Alcohol Spectrum Disorders), sendo a Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) seu quadro mais grave. Trata-se de uma doença sem cura, mas totalmente evitável, desde que a gestante não consuma álcool.
Desde 1973, a síndrome alcoólica fetal é considerada uma condição irreversível, porque além do atraso neuropsicomotor, pode causar anomalias cranofaciais, deficiência de crescimento, alterações neurológicas e comportamentais, malformações e doenças associadas ao coração, rins e coluna vertebral.
No mundo, a cada mil bebês, de 6 a 9 nascem com SAF. No Brasil, não há dados oficiais, mas estudo realizado em maternidade da periferia de São Paulo aponta que 38 a cada 1.000 nascidos sofriam de algum transtorno relacionado ao uso de álcool. No entanto, estimativas indicam que sequer 1% das crianças afetadas são diagnosticadas.
Danos causados pelo álcool em gestantes ainda são pouco conhecidos
Embora ainda seja pouco conhecida e discutida, é de extrema importância falarmos sobre a Síndrome Alcóolica Fetal (SAF). Neste dia 9 de setembro, Dia Mundial da SAF, especialistas alertam para a grave combinação entre álcool e gravidez.
“Apesar de importante incidência, os danos causados pelo uso de álcool na gravidez ainda são pouco conhecidos pela população e suas consequências podem persistir por toda a vida adulta da criança. Portanto, a prevenção é fundamental e nosso papel é contribuir na disseminação de conhecimento a respeito do perigo”, destaca Erica Siu, vice-presidente executiva do CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool, referência nacional no tema.
Para Conceição Aparecida de Mattos Segre, especialista em Pediatria Neonatal e conselheira científica do CISA, essa falta relevante de diagnóstico pode ser explicada pela complexidade do próprio diagnóstico, pela dependência da presença de alterações faciais (que ficam menos nítidas com o passar dos anos), pela necessidade de preparo das equipes de saúde para identificar os casos e carência de uma equipe multidisciplinar.
“O diagnóstico precoce e o tratamento multidisciplinar são essenciais para promover o melhor desenvolvimento e possibilitar um aumento da qualidade de vida das crianças acometidas. Sem o diagnóstico correto, deixamos uma geração de brasileiros e famílias sem o atendimento de que tanto precisam”, alerta Segre.
Pediatra e neuropsiquiatra infantil alerta sobre transtornos
Segundo a médica pediatra e neuropsiquiatra Gesika Amorim, especialista em Tratamento Integral do Autismo e Neurodesenvolvimento, não existe quantidade de álcool segura para a gestante usar em qualquer fase da gravidez. Então não se trata apenas de abuso de álcool, mas de segurança no uso de álcool em maior ou menor grau.
“Sabemos que é um consenso entre os médicos que ocorra abstenção de álcool durante a gestação. Há um bom número de pesquisas e estudos documentados. O álcool é uma das razões não genéticas que podem causar déficit intelectual na criança, além de ser considerado uma das causas mais frequentes de anomalias congênitas que podem ser evitadas”, ressalta.
Segundo Dra Gesika, o termo Distúrbio do Espectro Alcoólico Fetal é usado para se referir aos inúmeros efeitos causados no indivíduo que sofreu uma exposição de álcool durante o pré-natal. A criança que foi exposta ao consumo de álcool no período de gestação pode sofrer consequências a curto, médio e longo prazo.
“Existe a Síndrome Alcóolica Fetal clássica; que tem todos os caracteres físicos, característicos da SAF. Quando se faz o diagnóstico e você tem as manifestações físicas, morfológicas e faciais; lábio superior fino, ponte nasal baixa, olhos estreitos, e o retardo mental que é o mais característico, além das manifestações cognitivas; não apenas da Síndrome Alcóolica Fetal, mas do uso de álcool na gestação”, explica.
Rebaixamento intelectual e transtornos neuropsiquiátricos
Segundo ela, o uso do álcool em qualquer período da gravidez – não importando a quantidade ingerida – causa, além do rebaixamento intelectual das crianças, manifestações clinicas tardias de transtornos neuropsiquiátricos. “Elas têm uma chance maior de desenvolver transtorno disruptivos; TDAH, Transtorno de Conduta, Transtorno Desafiador Opositor, dificuldades de aprendizado; dificuldade de alfabetização, de aprender matemática além de transtornos neuropsiquiátricos em geral; ansiedade, transtorno depressivos e outros”, alerta.
Por isso, afirma Dra Gesika, é extremamente importante que as mulheres entendam que é necessário se abster do consumo de álcool em qualquer quantidade durante a gravidez desde a concepção.
“Ao consumir álcool durante a gravidez, a longo prazo, você vai impedir que essa criança que você está gerando desenvolva todo o potencial que porventura ela poderia desenvolver. Você a estará prejudicando no sentido literal, de alcançar o máximo de sua capacidade em todos os níveis. Qualquer quantidade álcool que você consome na sua gravidez pode levar esta criança a um grande prejuízo”, reforça a especialista.
Entenda a deficiência intelectual na criança
A deficiência intelectual é uma condição que afeta a função cognitiva do indivíduo. De forma simples, atividades da vida diária que são consideradas ‘banais’ pela maior parte das pessoas são mais difíceis para quem tem deficiência intelectual.
De maneira geral, os primeiros sintomas de atraso cognitivo costumam ser observados na escola, quando a criança tem por volta de seis anos de idade e apresenta dificuldades para aprender a ler e escrever. Em casa, a criança não desenvolve com facilidade atividades simples, como amarrar os sapatos, tomar banho sozinho e ajudar nas tarefas do lar.
De acordo com o médico geneticista Caio Bruzaca, do Ambulatório de Diagnósticos do Instituto Jô Clemente, antiga Apae de São Paulo, muitos são os fatores que podem levar à deficiência intelectual ou a algum atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Isso começa por aspectos genéticos, que podem ser identificados em testes feitos por casais que nunca tiveram filhos e desejam fazer um aconselhamento genético pré-concepcional.
Além da predisposição genética, há fatores externos para a deficiência intelectual e um deles é o consumo de bebidas alcoólicas. O álcool na gravidez pode levar à síndrome alcoólica fetal, que pode provocar problemas físicos, comportamentais e de aprendizado na criança”, explica. Segundo ele, o álcool compromete o fluxo sanguíneo para a placenta e impregna o líquido amniótico com a substância.
“O feto, por estar em desenvolvimento, ainda tem um metabolismo e um sistema de intoxicação mais lentos, o que prejudica o desenvolvimento da criança, tanto cerebral quando físico”, alerta o médico.
Teste do Pezinho pode prevenir e tratar deficiência intelectual
O diagnóstico da deficiência intelectual é feito a partir do teste psicométrico ou avaliação neuropsicológica, por meio de testes de QI. Atualmente, com o objetivo de prevenir e diagnosticar precocemente a deficiência intelectual ou outros quadros que possam comprometer a saúde e o desenvolvimento da criança, é realizado o Teste do Pezinho.
Por meio do exame, é possível identificar condições graves que merecem atenção imediata de uma equipe multidisciplinar. Entretanto, ainda de acordo com o médico, muitos dos diagnósticos positivos podem ser evitados com cuidados antes e durante a gestação.
“Nossa recomendação é que os pais conversem com o médico antes e durante a gravidez, façam todos os exames necessários e realizem o Teste do Pezinho na criança logo após as 48 primeiras horas de vida. Quanto mais precoce for qualquer tipo de diagnóstico, mais chances a criança terá de se desenvolver com qualidade de vida”, finaliza.
Semana de Prevenção das FASD
Promovida pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Associação Médica Brasileira (AMB) e o CISA, com o apoio da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) e da brasileira Marjan Farma, a Semana de Prevenção das FASD visa a disseminar conhecimento científico a respeito dos riscos do consumo de álcool durante a gravidez.
A ação acontece nas redes sociais das instituições durante a semana até 10 de setembro, com a publicação de conteúdos especiais sobre efeitos do álcool no feto e as consequências para a saúde do bebê, diagnóstico e tratamento, com postagem de vídeo convidando os seguidores a compartilhar e ajudar na divulgação do tema.
Com Assessorias