Crianças pequenas com roupas de banho, até mesmo nuas, desfilam livremente pela internet, muitas vezes de forma inocente. Mas são iscas fáceis para a ação dos ‘predadores digitais’, como são chamados os novos pedófilos que usam essas imagens, aparentemente inocentes, na ânsia da monetização fácil. O alerta veio de um vídeo viral do influenciador Felca, no Youtube,  que já recebeu mais de 26 milhões de visualizações e 120 mil comentários. Ele põe o dedo na ferida ao falar da responsabilização dos pais, que se tornam empresários de influencers mirins.

O vídeo representa a revelação nauseante de uma falha sistêmica que coloca crianças brasileiras em rota de colisão com o perigo mais sombrio da internet. De forma chocante, Felca demonstrou a facilidade com que menores são empurrados para a adultização e expostos a conteúdos inapropriados – incluindo referências veladas à pedofilia – em plataformas que deveriam ser ambientes controlados. Este é o alerta mais contundente que recebemos sobre a vulnerabilidade infantil online: não se trata de riscos, mas de uma realidade perigosa, exposta agora para todos verem.

O vídeo arrancou a máscara da falsa segurança digital. Ela joga luz sobre uma verdade inconveniente: a moderação de conteúdo das gigantes da tecnologia é ineficaz, e seus algoritmos, em vez de protegerem, inadvertidamente direcionam e expõem crianças a cenários alarmantes. A adultização precoce e a naturalização de temas impróprios tornaram-se o preço invisível da navegação desassistida, com o risco de aliciamento e violência sexual online pairando como uma sombra real e constante.

Rotinas sobrecarregadas, agendas lotadas de atividades, uso de roupas, acessórios e equipamentos eletrônicos inadequados para a faixa etária, além da exposição excessiva a vocabulários e conteúdos impróprios para a idade, são situações cada vez mais comuns na vida de crianças. Elas muitas vezes são estimuladas pelos pais e pela sociedade a adotarem hábitos e comportamentos que não são apropriados para a idade que possuem. Esse fenômeno é conhecido como adultização infantil e traz preocupação, pois implica em sérios riscos e pode acarretar enormes prejuízos para o desenvolvimento da criança.

De acordo com especialistas, a antecipação de experiências e responsabilidades próprias da vida adulta acaba afastando as crianças de exercícios naturais e essenciais para o desenvolvimento de processos cognitivos, habilidades motoras e linguísticas, além de comprometer as relações afetivas da criança.

‘E o meu lado como fica?’

A responsabilidade pela segurança digital das nossas crianças não pode ser uma nota de rodapé. As plataformas têm uma obrigação moral e legal de agir, e estão falhando miseravelmente. Esta não é uma discussão sobre privacidade, é sobre a sobrevivência da inocência na era digital”, afirma Bruno Ferola, advogado e idealizador do projeto ‘E o meu lado como fica?’.

A iniciativa surgiu justamente como a resposta imediata e prática a essas situações. Atuando na intersecção entre o direito, o comportamento e a prevenção, a iniciativa oferece um farol para pais, educadores e instituições perdidos nesse mar de riscos.

Não podemos esperar pelo próximo vídeo viral, pela próxima tragédia. A proteção das nossas crianças no ambiente digital é uma emergência global que começa em casa, mas precisa da responsabilização de todos”, conclui Ferola. “O ‘E o meu lado como fica?’ oferece o suporte necessário para que as famílias não se sintam sozinhas nessa luta, transformando a indignação em ação concreta e blindando a próxima geração.”

Infância acelerada: dicas para proteger crianças da “adultização

Processo “rouba” etapas importantes da infância e traz consequências negativas no desenvolvimento social e emocional; hábitos simples que colocam as crianças como protagonistas devem ser incentivados

Para a psicóloga do Colégio Positivo – Londrina (PR), Renata Moraes Constante, o processo de adultização da infância tira da criança um importante espaço, colocando-a no papel de “mini adulto”. Isso resulta em consequências negativas que podem afetar toda a vida da criança, como transtornos depressivos e ansiedade. “Tudo isso prejudica a socialização, estimula o materialismo e consumo excessivo, promove a baixa autoestima, sentimentos de inadequação e até mesmo o amadurecimento sexual precoce“, alerta.

Ela reforça que a infância é um período essencial na vida de um indivíduo, pois é quando ele adquire concepções psicológicas e morais que o acompanharão pelo resto da vida. Introduzir elementos do universo adulto nessa fase, sem a maturidade emocional para compreender plenamente o que está acontecendo, torna esse indivíduo vulnerável. Renata ressalta que a mídia tem desempenhado um papel influenciador nesse processo.

O estímulo às vezes ocorre de forma sutil e quase imperceptível, portanto, é fundamental que os pais estejam atentos a essa questão”, destaca a psicóloga. Para ela, o papel da família é crucial nesse momento. “É preciso observar com atenção o comportamento, o vocabulário, a forma como a criança se veste, analisar se a quantidade de atividades na agenda da criança é apropriada para sua idade e verificar se há uso excessivo de dispositivos eletrônicos e isolamento social”, detalha.

Renata também oferece algumas dicas para os pais. “Procurem retomar hábitos e costumes que permitam à família aproveitar a infância dos filhos de maneira  saudável. Invistam em brinquedos adequados para a idade, aqueles que são simples e permitem que a criança seja a protagonista. Tentem diminuir o uso de telas e eletrônicos e incentivem o convívio com outras crianças, frequentando espaços lúdicos, como parques e praças. E, acima de tudo, dediquem tempo de qualidade em família, conversando e orientando os filhos”, sugere a psicóloga.

Adultização reduz o tempo dedicado ao brincar

A coordenadora pedagógica da Educação Infantil do Centro Pedagógico do Colégio Positivo, Hannyni Mesquita, observa que a adultização ocorre quando se diminui o tempo dedicado ao brincar, ao faz de conta, ao tédio e aos conflitos próprios da infância.

Não podemos subestimar a importância do brincar e do exercício da imaginação na vida de uma criança. A brincadeira é a ferramenta mais poderosa para que ela reinterprete o mundo, crie enredos, vivencie um espaço seguro e se prepare para os desafios que enfrentará na vida real, descobrindo e desenvolvendo-se em todas as áreas. Essa é a linguagem da infância”, explica Hannyni.

A coordenadora também faz um alerta sobre o uso excessivo de telas nessa fase da vida. “É fundamental que os pais definam limites claros para o uso de tecnologia. Isso não é fácil, mas é possível. O ideal é começar com pequenos acordos e mudar a cultura da própria família. Os pais devem aproveitar e dedicar tempo de qualidade para atividades em família que permitam uma conexão mais profunda, incluindo tempo para ouvir as preocupações da criança”, completa.

Em um mundo tão acelerado, a pedagoga lança uma reflexão: “Que pressa é essa que nos impulsiona a acelerar o processo de amadurecimento das crianças?” Hannyni afirma que é preciso com urgência repensar as prioridades e desacelerar. A humanidade avança de forma notável nas áreas da tecnologia, ciência e saúde, a fim de prolongar a vida e a velhice de maneiras inimagináveis. No entanto, em meio a essa busca incessante por estender o tempo de vida, o valor intrínseco e inestimável da infância está sendo negligenciado.

Estamos roubando de nossas crianças a fase mais importante do desenvolvimento humano. A infância é o solo fértil onde as sementes da imaginação, da solidariedade, da criatividade florescem; é um período de descobertas e aprendizado que não pode ser estendido artificialmente. Precisamos reservar tempo para nutrir e proteger essa preciosidade, pois a verdadeira riqueza de uma sociedade reside na capacidade de suas crianças explorarem e viverem plenamente essa fase única da vida”, completa.

Com Assessorias

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