Engrossando o movimento nacional, nesta terça-feira (12), a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) solicitou, à Câmara dos Deputados, em Brasília, urgência na aprovação do projeto de lei que estabelece regras e mecanismos para prevenir, identificar e coibir o abuso e a exploração sexual infanto-juvenil em plataformas digitais. O texto já passou pelo Senado Federal.
O pedido foi encaminhado ao presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, e a outros parlamentares. O documento destaca como dever do Estado, da sociedade, das famílias e das empresas garantir que crianças e adolescentes cresçam livres de violência.
Não há mais espaço para complacência. Todos os dias, histórias de crianças e adolescentes feridos física ou emocionalmente, ou expostos a violências em razão de conteúdos inadequados para sua faixa etária, demonstram que a regulamentação não pode esperar. Cada dia sem essa proteção é um dia a mais de risco para milhões de crianças”, diz o texto da SBP.
Segundo a entidade, em 2024, a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos da SaferNet Brasil registrou pelo menos 53 mil novas denúncias de imagens de abuso e exploração sexual infanto-juvenil. “É essencial garantir que crianças e adolescentes não sejam expostos a conteúdos nocivos nem se tornem alvo de agressores”.
O quadro sinaliza riscos graves no ambiente digital, estimulando práticas como a cultura da sexualização, nudez e pornografia infantil, sexting, sextorsão, estupro virtual, grooming e o uso criminoso de deep fakes para manipulação de imagens”, destacou o documento entregue aos parlamentares.
Ainda de acordo com a sociedade médica que representa os pediatras, “é inaceitável que empresas de tecnologia mantenham ambientes virtuais onde circulam livremente conteúdos ilegais e de altíssimo risco, sem ações rápidas e eficazes para sua remoção”. Ainda segundo o texto, “é igualmente inaceitável que a privacidade e a segurança de crianças e adolescentes não sejam prioridade máxima na concepção e operação desses sistemas, e que o lucro se sobreponha à vida e à integridade deles”, ressaltou a entidade.
De autoria do senador Alessandro Vieira (MDB/SE), o Projeto de Lei (PL) 2.628/2022 propõe regras para redes sociais, aplicativos, sites, jogos eletrônicos, softwares, publicidades infantis, produtos e serviços virtuais, como a criação de mecanismos para verificar a idade dos usuários. Além disso, o projeto impõe supervisão do uso da internet pelos responsáveis e obriga provedores de internet e fornecedores de produtos a criar sistemas de notificação de abuso sexual e oferecer configurações mais eficientes para a privacidade e a proteção de dados pessoais.
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O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou nesta segunda-feira (11) que vai pautar nesta semana projetos que combatam ou restrinjam o alcance de perfis e conteúdos nas redes sociais que promovam a adultização de crianças e adolescentes.. Ele vinha garantindo nos bastidores que não colocaria o texto em votação de forma apressada, mudou de tom após a repercussão do vídeo.
Motta busca uma pauta positiva depois de se fragilizar politicamente com o motim bolsonarista na Câmara, na semana passada. Já no Planalto, a movimentação pró-votação deixou de estar restrita à Secretaria de Relações Institucionais e passou a envolver outros setores, com avaliação de que a oposição terá dificuldade de se contrapor a um projeto com esse apelo social.
O Colégio de Líderes da Câmara dos Deputados definiu, nesta terça-feira (12), que será criado um grupo de trabalho (GT), a partir da próxima semana, com o objetivo de elaborar um projeto de lei (PL) para combater a adultização de crianças e adolescentes nas redes sociais. O grupo terá até 30 dias para apresentar um texto sobre o tema.
Uma comissão geral, liderada pelo presidente da Câmara, foi marcada para o dia 20 para dar início ao debate. Ela deve contar com a participação de especialistas e de organizações da sociedade civil. Diversos projetos em tramitação no Congresso estão sendo sugeridos para que sirvam de base da nova proposta, e o tema passou a ser considerado prioridade pelo presidente Motta.
Para oposição, proteção a crianças e adolescentes é censura à liberdade de expressão
A líder do PSOL na Câmara, deputada Talíria Petrone (RJ), defendeu que o projeto deve passar pela regulação das redes sociais, tema que sofre resistência da oposição liderada pelo Partido Liberal (PL), do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Não é possível proteger as crianças e adolescentes na internet sem responsabilizar as plataformas digitais. Porém, parte dos parlamentares é contrária a qualquer medida que afete a ação das empresas de redes sociais. Para nós, o que é proteção de crianças e adolescentes para eles é censura à liberdade de expressão”, explicou.
Um dos textos sugeridos como base para o novo texto é o PL 2.628 de 2022, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE). O projeto exige que as empresas de redes sociais criem mecanismos para evitar conteúdos com erotização de crianças, por exemplo. O texto prevê multas para as plataformas de até 10% do faturamento da companhia em caso de descumprir o que determina a legislação.
Já a oposição liderada pelo PL, que costuma ser contrária à criação de regras para o funcionamento das redes sociais, disse que há consenso para medidas contra a adultização infantil na internet. Porém, o deputado Domingos Sávio (PL-MG) defendeu que o projeto não pode servir para cercear a liberdade de expressão.
Há até um consenso, e é absurdo que alguém não concorde, que o crime nas redes sociais tem que ser punido e tem que ter regras claras sobre isso. Agora, não é necessário e nós não podemos admitir que, sob o pretexto que nós vamos punir crime, nós cometemos outro crime contra a Constituição que é acabar com a liberdade de expressão”, comentou.
Projeto na Câmara criminaliza a adultização e erotização digital de crianças nas redes
Deputados federais propõem alteração no Código Penal para enfrentar exposição precoce e sexualizada de menores; iniciativa também mira a responsabilização de plataformas digitais
Um dos textos propostos esta semana é assinado pelo deputados federais Reginaldo Veras (PV/DF) e Célio Studart (PSD-CE). O projeto de lei 3859/2025, apresentado nesta segunda-feira (11), que criminaliza a adultização e a erotização digital de crianças e adolescentes nas redes sociais. A proposta prevê pena de reclusão de 3 a 6 anos, além de multa, para quem produzir, divulgar ou compartilhar conteúdos que explorem menores de forma sexualmente sugestiva, mesmo sem nudez explícita.
A proposta, que foi motivada pelas recentes denúncias apresentadas por Felca, inclui no Código Penal novos tipos penais e visa preencher lacunas na legislação atual, que ainda não contempla de forma clara conteúdos que, apesar de não configurarem pornografia infantil, promovem a exploração da imagem de crianças em contextos sexualizados.
Para o deputado Reginaldo Veras, a iniciativa representa um passo necessário para a proteção da infância diante dos novos desafios trazidos pela tecnologia. “Estamos lidando com uma realidade em que crianças são expostas, muitas vezes pelos próprios responsáveis, a conteúdos que deturpam sua imagem e comprometem seu desenvolvimento emocional e psicológico. Precisamos agir antes que isso se normalize”, defende.
Segundo o projeto, a “adultização digital” inclui expor crianças e adolescentes a posturas, roupas, maquiagens, coreografias ou comportamentos com conotação sexual, mesmo que de forma sutil. Já a “erotização precoce” se refere ao uso de recursos audiovisuais que induzam uma interpretação sexualizada da criança ou adolescente.
Hoje, há uma lacuna na lei que deixa de fora conteúdos que exploram a imagem de crianças e adolescentes de maneira sexualmente sugestiva, mas que não se enquadram na pornografia infantil. O objetivo é preencher esse vazio e garantir que essas práticas sejam punidas”, explica Célio Studart, que é membro da Frente Parlamentar da Saúde Mental.
Além de penalizar os autores diretos desses conteúdos, o texto também estabelece responsabilidades para plataformas digitais, considerando seu papel na disseminação e monetização dessas práticas. O projeto ainda prevê agravantes quando houver benefício econômico ou envolvimento de responsáveis legais.
Reginaldo Veras destaca que o trabalho conjunto com Célio Studart busca garantir uma abordagem firme e responsável. “Estamos unindo esforços para que esse tema seja enfrentado de forma séria e urgente. O Congresso precisa dar uma resposta clara e contundente contra a exploração digital da infância, por mais disfarçada que ela seja”, conclui.
Rio pode criar política de combate à adultização infantil
O tema da adultização infantil também chegou à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). O deputado estadual Vinicius Cozzolino protolocou, nesta terça-feira (12), um projeto de lei que cria a Política Estadual de Conscientização e Combate à Adultização Infantil. De acordo com o parlamentar, a proposta busca garantir a proteção integral de crianças e adolescentes, assegurando seu desenvolvimento físico, psicológico, social e moral, em conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Estamos vivendo um momento em que a infância está sendo encurtada. Crianças estão sendo expostas a conteúdos e padrões de comportamento que não correspondem à sua idade e ao seu estágio de desenvolvimento. Isso impacta diretamente a saúde emocional, a autoestima e o futuro delas. Nossa proposta é uma resposta legislativa para proteger e preservar essa fase tão importante da vida, conscientizando famílias, escolas e toda a sociedade”, afirmou Vinicius Cozzolino.
O projeto prevê campanhas educativas em todo o estado, alertando sobre os riscos da adultização infantil e orientando sobre o uso seguro das mídias digitais; distribuição de materiais didáticos para redes públicas e privadas de ensino, reforçando o respeito às etapas do desenvolvimento infantil; capacitação de profissionais de educação, saúde e assistência social para identificar e encaminhar casos; criação de canais de denúncia e acolhimento, assegurando sigilo e proteção ao denunciante e proibição de publicidade, eventos ou conteúdos que incentivem comportamentos sexualizados ou violentos para menores de idade.
O objetivo não é censurar a arte ou a liberdade de expressão, mas criar limites claros para proteger crianças e adolescentes de pressões, estímulos e exposições inadequadas. Infância não é fase de performar comportamentos“, afirma.
Entenda
A adultização infantil se refere à exposição precoce de crianças a comportamentos, responsabilidades e expectativas que deveriam ser reservadas aos adultos. A prática pode provocar a erotização e apresenta efeitos que prejudicam o desenvolvimento emocional e psicológico das crianças, segundo o Instituto Alana, organização que trabalha na proteção infantojuvenil.
O tema anhou destaque nas redes sociais nos últimos dias após Felipe Bressanim Pereira, mais conhecido como Felca, publicar um vídeo sobre casos de crianças com comportamento sexualizado precoce, uso de roupas curtas e publicações sensuais na internet.
O influenciador de 27 anos tem exposto perfis com milhões de seguidores na internet que utilizam crianças e adolescentes em situações consideradas adequadas apenas para adultos no intuito de aumentar as visualizações e arrecadar mais recursos – a chamada monetização dos conteúdos.
Ele disparou contra perfis que usam crianças e adolescentes com pouca roupa, dançando músicas sensuais ou falando de sexo em programas divulgados nas plataformas digitais. Felca acusou o criador de conteúdo Hytalo Santos, de usar a imagem de menores em contextos sexualizados para ganhar dinheiro.
Os conteúdos ao lado de adolescentes são a marca de Hytalo, que mostra a rotina dos jovens no Instagram como um reality show. As meninas aparecem performando danças sensuais, dizendo falas de duplo sentido e se relacionando com outros adolescentes.
O vídeo do Felca sobre a ‘adultização’ das crianças chocou e mobilizou milhões de brasileiros. Esse é um tema urgente, que toca no coração da nossa sociedade. Na Câmara, há uma série de projetos importantes sobre o assunto. Nesta semana, vamos pautar e enfrentar essa discussão”, afirmou Motta em uma rede social.