Cuidar é um ato de amor, mas também pode ser um fardo que muitos carregam em silêncio. Para milhões de brasileiros, cuidar é um desafio diário que muitas vezes transforma suas vidas. No Brasil, milhões de pessoas dedicam suas vidas a cuidar de outros. São pais que cuidam de filhos com autismo ou crianças com necessidades especiais; filhos que cuidam de pais idosos com Alzheimer, cônjuges que apoiam parceiros com pessoas com transtornos mentais, como depressão severa, ou vizinhos que ajudam amigos em momentos de vulnerabilidade.
Para essas pessoas, o ato de cuidar frequentemente vem acompanhado de exaustão emocional, física e financeira. Essa sobrecarga não é restrita a cuidadores informais. Profissionais de saúde, como enfermeiros, auxiliares e psicólogos, também relatam níveis alarmantes de exaustão emocional. Estudos do Ministério da Saúde (2021) apontam que 70% dos cuidadores informais no Brasil apresentam algum nível de estresse crônico, enquanto profissionais enfrentam taxas crescentes de burnout devido à alta demanda e à falta de recursos.
Os custos invisíveis do cuidado
Dados recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2022) revelam que quase um bilhão de pessoas em todo o mundo viviam com algum transtorno mental antes da pandemia de Covid-19, com 14% dos adolescentes globalmente enfrentando esses desafios.
Além disso, transtornos como depressão e ansiedade aumentaram mais de 25% no primeiro ano da pandemia. Em 2023, a OMS reforçou a necessidade urgente de transformar os sistemas de saúde mental, destacando a importância de apoiar não apenas os que precisam de cuidados, mas também aqueles que os oferecem (PAHO, 2023).
O impacto do cuidado vai além da saúde física e emocional. De acordo com a OMS (2022), cuidadores em todo o mundo perdem mais de 12 bilhões de dias de trabalho anualmente devido ao estresse relacionado ao cuidado
A sobrecarga das mães de crianças com autismo
No Brasil, grande parte desse peso recai sobre mulheres, que frequentemente assumem o papel de cuidadoras principais em suas famílias, sacrificando suas carreiras, relações sociais e saúde. Ser mãe de uma criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma experiência que traz consigo desafios únicos, impactando profundamente a saúde física, mental, emocional e até financeiro dessas mulheres.
Muitas vezes, as mães atípicas se sentem isoladas, mesmo entre amigos e familiares que não conseguem entender sua realidade. Os desafios que elas enfrentam no dia a dia são invisíveis aos outros; em geral, as pessoas não tem noção do que é ser mãe de autista”, explica Gesika Amorim, pediatra e pós-graduada em Neurologia e Psiquiatria.
A jornada de ser mãe de uma criança autista vai além das tarefas cotidianas; é repleta de obstáculos específicos que merecem reconhecimento. Alguns dos principais fatores que podem levar ao adoecimento dessas mães são:
Sobrecarga de responsabilidades: Muitas mães de crianças autistas se veem à frente da maior parte dos cuidados diários. Isso inclui não apenas as terapias e consultas médicas, mas também a gestão de comportamentos desafiadores.
Dificuldades financeiras: Os custos dos tratamentos e terapias para crianças autistas podem ser extremamente altos, colocando uma pressão financeira considerável sobre a família. Muitas mães acabam precisando reduzir suas horas de trabalho ou até mesmo abandonar suas carreiras para se dedicar integralmente aos cuidados dos filhos.
Problemas nos relacionamentos: Criar uma criança com TEA pode afetar significativamente os relacionamentos familiares e conjugais. A falta de tempo e energia para o parceiro pode gerar conflitos e distanciamento emocional. Além disso, as divergências sobre como lidar com o autismo podem criar tensões adicionais no casamento.
Falta de apoio: Muitas vezes essas mães não encontram o suporte necessário em serviços públicos ou privados, o que acentua a sensação de solidão e desamparo. Embora grupos de apoio e comunidades online possam oferecer algum conforto, nada substitui um suporte presencial contínuo.
O impacto na saúde física, emocional e mental
O estresse crônico e a carga excessiva de responsabilidades podem resultar em problemas físicos como hipertensão, doenças cardíacas e distúrbios do sono. A falta de tempo para se exercitar ou cuidar da saúde pessoal também contribui para o declínio geral da saúde dessas mães.
A preocupação incessante com o bem-estar e o futuro dos filhos, somada à falta de compreensão e apoio da sociedade, pode resultar em altos níveis de ansiedade e depressão. Além dos impactos físicos e emocionais, os efeitos na saúde mental das mães de crianças autistas são profundos e variados. O impacto na saúde mental das mães de crianças autistas é profundo e multifacetado”, diz a especialista.
Aqui estão alguns dos principais impactos
Ansiedade e depressão: A preocupação constante com o bem-estar dos filhos pode elevar os níveis de ansiedade. O estado permanente de alerta e a imprevisibilidade no comportamento das crianças agravam essa situação. Além disso, a sensação de isolamento frequentemente leva ao desenvolvimento da depressão.
Síndrome de Burnout: A síndrome de burnout é comum entre essas mães, manifestando-se através da exaustão emocional e da sensação de despersonalização. A constante sobrecarga sem tempo para autocuidado pode levar ao esgotamento total.
Isolamento social: Muitas mães se sentem alienadas devido à falta de aceitação na sociedade. As dificuldades em participar de atividades sociais somadas à escassez de tempo para interações costumam aumentar essa solidão. Também é comum os sentimentos persistentes de culpa e inadequação.
Por isso, é vital que essas mulheres recebam apoio adequado, tanto profissional quanto social, para que possam cuidar delas mesmas enquanto cuidam do bem-estar das suas famílias. “É fundamental que a sociedade, as instituições e os serviços de saúde ofereçam o suporte necessário para essas mulheres, garantindo que possam cuidar delas mesmas enquanto cuidam de seus filhos”, esclarece a Dra. Gesika Amorim.
Sinais de sobrecarga: você está cuidando demais?
E quem cuida de quem cuida? “O envolvimento constante e intenso no cuidado de outra pessoa gera um desgaste que é, muitas vezes, invisível aos olhos da sociedade”, afirma Kennya Rodrigues, psicóloga e pesquisadora na área de saúde mental.
Cuidar de outra pessoa é um gesto que transforma vidas, mas não deve custar a saúde de quem cuida. Seja você um profissional da saúde que lida com a pressão do dia a dia ou um familiar que equilibra responsabilidades domésticas e emocionais, a sobrecarga precisa ser reconhecida e enfrentada. Cuidar de si mesmo não é egoísmo; é a base para continuar cuidando de quem precisa”, diz Kennya Rodrigues.
A psicóloga e pesquisadora na área de saúde mental lista os sinais de alerta que a sobrecarga do cuidado traz aos cuidadores. “Se você é um cuidador, é importante reconhecer os sinais de que sua saúde pode estar em risco”, aponta.
- Fadiga constante: Sentir-se cansado o tempo todo, mesmo após períodos de descanso.
- Irritabilidade e mudanças de humor: Explosões emocionais ou tristeza frequente podem ser sinais de esgotamento.
- Problemas de saúde física: Insônia, dores musculares e até doenças crônicas são comuns em cuidadores sobrecarregados.
- Isolamento social: A falta de tempo ou energia para socializar pode aumentar a sensação de solidão.
- Culpa excessiva: Sentir-se incapaz de fazer o suficiente ou de dividir responsabilidades.
Como apoiar quem cuida?
É urgente adotar medidas para proteger a saúde e o bem-estar dos cuidadores. Algumas estratégias essenciais incluem:
- Reconhecimento público: Valorização do papel dos cuidadores por meio de campanhas de conscientização.
- Acesso a serviços de saúde mental: Políticas públicas que garantam apoio psicológico gratuito para cuidadores.
- Iniciativas de respite: Programas que ofereçam períodos de descanso e suporte logístico aos cuidadores informais.
- Redes de apoio comunitário: Grupos de apoio que promovam trocas de experiências e acolhimento mútuo.
Com Assessorias