O Brasil registrou um crime de estupro a cada seis minutos em 2023. Com um total de 83.988 casos de estupros e estupros de vulneráveis registrados e um aumento de 6,5% em relação a 2022, o país atingiu um triste recorde. As mulheres são a maioria das vítimas e os agressores estão, na maior parte das vezes, dentro de casa. Os dados são do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira (18), pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Com base em informações fornecidas pelos governos estaduais, pelo Tesouro Nacional, pelas polícias civil, militar e federal, entre outras fontes oficiais de segurança pública, o levantamento mostra que 76% dos casos de estupro correspondem ao crime de estupro de vulnerável, tipificado na legislação brasileira como a prática de conjunção carnal ou ato libidinoso com vítimas menores de 14 anos ou incapazes de consentir por qualquer motivo, como deficiência ou enfermidade.
O perfil das vítimas não mudou significativamente em relação aos anos anteriores. São meninas (88,2%), negras (52,2%) com idade no máximo 13 anos (61,6%). Também não houve, de acordo com a publicação, variações na autoria e no local do crime: 84,7% dos agressores são familiares ou conhecidos, que cometem a violação nas próprias residências das vítimas (61,7%). As vítimas de até 17 anos compõem 77,6% de todos os registros.
Maioria das vítimas de estupro são meninas de 10 a 13 anos
O anuário chama a atenção para a prevalência de estupros de crianças e adolescente na faixa de 10 a 13 anos, com 233,9 casos para cada 100 mil habitantes, uma taxa quase seis vezes superior à média nacional, de 41,4 por 100 mil. No caso de bebês e crianças de 0 a 4 anos, a taxa de vitimização por estupro chegou a 68,7 casos por 100 mil habitantes, 1,6 vezes superior à média no país.
A maioria dessas vítimas é do sexo feminino. Entre os meninos, a maior incidência de estupros ocorre entre os 4 e os 6 anos de idade, caindo drasticamente à medida que se aproxima a vida adulta. A taxa média nacional de estupros e estupros de vulnerável foi de 41,4 por 100 mil habitantes.
Os estados com as maiores taxas isoladas foram Roraima, com 112,5 por 100 mil; Rondônia, com 107,8 por 100 mil; Acre, com 106,9 por 100 mil; Mato Grosso do Sul, com 94,4 por 100 mil; e Amapá, com 91,7 por 100 mil.
Em relação aos municípios, Sorriso (MT) lidera a lista, com 113,9, seguido por Porto Velho (RO), com 113,6, Boa Vista (RR), com 101,5, Itaituba (PA), com 100,6, e Dourados (MS), com 98,6.
Violência contra a mulher
O anuário mostra ainda o aumento em todas as modalidades de violência registradas no país contra meninas e mulheres. O crime de importunação sexual foi um dos que mais cresceu, 48,7% em um ano. Em números absolutos, 41.371 ocorrências.
Este tipo de crime é referente a atos libidinosos indesejados, como apalpar, lamber, tocar sem permissão e até mesmo se masturbar em público. Já os crimes de stalking, ou seja, de perseguição, tiveram 77.083 registros, um crescimento de 34,5%. Segundo o Fórum, esse dado é relevante porque esse crime pode ser o primeiro passo de outras violências e até mesmo de feminicídio – assassinato de mulheres.
A publicação revela que o crime de assédio sexual aumentou 28,5% nesse período, totalizando 8.135 casos. Tentativas de homicídio cresceram 9,2%, com um total de 8.372 vítimas. A violência psicológica aumentou em 33,8% – houve 38.507 desses registros. As agressões decorrentes de violência doméstica cresceram 9,8%, chegando a 258.941 registros.
Os feminicídios tiveram alta de 0,8%. No total, 1.467 mulheres foram mortas no país em crimes de violência doméstica e outros por simplesmente serem mulheres. Mais da metade das mortes ocorre na residência: 64,3%.
Entre as que morreram, 63% foram vítimas do parceiro íntimo; o ex-parceiro é o autor do crime em 21,2% dos casos. Nove em cada dez autores de assassinatos de mulheres são homens.
O telefone 190, da Polícia Militar, foi acionado 848.036 vezes para reportar episódios de violência doméstica. Outras 778.921 ligações reportaram ameaças. Já as medidas protetivas de urgência ultrapassaram a barreira do meio milhão, ao todo, 540.255 foram concedidas em 2023.
O papel dos homens
Além do recorde em estupros, a publicação aponta o aumento dos registros em todas as modalidades de violência contra a mulher no país e mostra que o perfil dos agressores é constante: quase a totalidade é homem – algo que pode parecer óbvio sobretudo para as mulheres, mas, como defende o Fórum, é preciso ser lembrado principalmente quando se pensa em políticas públicas para prevenir esse crime.
Segundo o coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, David Marques, o aumento das ocorrências pode estar relacionado tanto a um aumento dos crimes quanto ao aumento das denúncias e ocorrências policiais. Ele ressalta que é preciso se atentar ao fato de quem comete esses crimes é, na grande maioria dos casos, homem.
“É preciso, portanto, medidas voltadas para eles. O que é incontornável, quando a gente olha para o perfil, por exemplo, dos agressores, sempre são os homens. 90% dos assassinos das mulheres são homens. E geralmente é parceiro íntimo, ex-parceiro íntimo. Em outras modalidades também, o homem aparece como o agressor. A gente tem que sim falar do papel do homem como o autor das violências”, diz.
Ele ainda defendeu que os homens participem ativamente do debate de medidas para acabar com a violência contra mulheres: “A gente precisa pensar, enquanto sociedade, em como ter ações, ter proposições para que a gente mude, inclusive socialmente, o papel dos homens como nessa posição de autores de violência”.
Pesquisa revela queda de 3,4% nas mortes violentas no país
Apesar disso, são quase 4 vezes mais mortes violentas que a média mundial
Em 2023, o chamado índice de mortes violentas intencionais (MVI) as mortes violentas no Brasil diminuíram 3,4% em relação a 2022, segundo a 18ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública nesta quinta-feira (18).
A taxa inclui as vítimas de homicídio doloso, entre elas as vítimas de feminicídios; vítimas de latrocínio, ou seja, roubo seguido de morte; de lesão corporal seguida de morte; e, mortes decorrentes de intervenções policiais.
Apesar da redução, foram registradas 46.328 mortes violentas intencionais em todo o país no ano passado, o que representa 22,8 mortes violentas a cada 100 mil habitantes.
Em termos globais, a taxa de MVI, ou seja, 22,8 mortes violentas a cada 100 mil habitantes, é quase quatro vezes maior do que a taxa mundial de homicídios, que, segundo dados das Nações Unidas é de 5,8 mortes por 100 mil habitantes.
Ainda é um número bastante alto. O Brasil tem aproximadamente 3% da população mundial, mas concentra 10% dos homicídios registrados no mundo. As nossas taxas de homicídio ainda mostram que o Brasil é um país extremamente violento”, disse o coordenador de projetos do Fórum, David Marques.
Para ele, ainda que não seja tão expressiva, a redução é motivo de comemoração, mas também, de alerta, uma vez que o Brasil segue sendo um país violento. “É um feito importante para um país do tamanho do Brasil ter uma redução de 3,4% que, na verdade, se soma a uma tendência de redução que a gente vem acompanhando desde 2018”, diz ele.
No ranking das 10 cidades mais violentas, 6 são da Bahia: Rio fica de fora
Considerando as regiões, Norte e Nordeste são as mais violentas. Na análise do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, nessas duas regiões estão localizados os estados que estão convivendo com um quadro acentuado de disputas entre facções de base prisional por rotas e territórios e, ao mesmo tempo, concentram a maioria dos estados com altas taxas de letalidade policial.
As maiores taxas de mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes são: Amapá, com 69,9 mortes por 100 mil habitantes; Bahia, com 46,5; e Pernambuco, com 40,2. As menores taxas são as de São Paulo, 7,8; Santa Catarina, 8,9; e, Distrito Federal, 11,1. Conhecido historicamente pelos altos índices de violência, sobretudo a policial, o Rio de Janeiro não aparece entre os destaques no estudo.
O município de Santana, no Amapá, lidera o ranking das dez cidades mais violentas no país, com 92,9 mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes. O índice é mais do que quatro vezes maior que o nacional. Seis dessas municipalidades estão no Estado da Bahia: Camaçari, com 90,6; Jequié, com 84,4; Simões Filho, com 75,9; Feira de Santana, com 74,5; Juazeiro, com 74,4; e Eunápolis, com 70,4. As outras cidades desse ranking são Sorriso (MT), com 77,7; Maranguape (CE), com 74,2; e Macapá (AP), com 71,3.
O Brasil registrou 6.393 mortes por intervenções policiais em 2023, o que significa 3,1 mortes por 100 mil habitantes. O número representa uma redução de 1% em relação a 2022, mas ao considerar os últimos dez anos (2013 a 2023), o Anuário aponta que a letalidade policial no país aumentou 188,9%.
Em alguns municípios, as forças policiais foram a causa da maioria das mortes violentas intencionais registradas. Segundo o anuário, em 2023, foram registradas, no total, 46.328 mortes violentas intencionais em todo o país, o que representa 22,8 mortes violentas a cada 100 mil habitantes.
Angra é a segunda com mais mortes em intervenções
Dona de ilhas paradisíacas e de sofisticadas mansões, algumas acessadas apenas por iates e outras embarcações de luxo, Angra dos Reis, na Costa Verde fluminense, é a segunda do país em letalidade policial – 42,4 a cada 100 mil habitantes. A cidade só perde para Jequié (BA), com 46,6 mortes por 100 mil habitantes.
Em Angra dos Reis, 63,4% das mortes violentas no município foram provocadas pelas forças policiais. Em Itabaiana, 63% das mortes violentas se devem à ação de policiais; em Jequié, 55,2%; e, Lagarto, 54,3%.
Outras cidades com alto número de mortes por intervenções policiais são: Macapá (AP), com 29,1; Eunápolis (BA), com 29,0; Itabaiana (SE), com 28; Santana (AP), com 25,1; Simões Filho (BA), 23,6; Salvador (BA), 18,9; Lagarto (SE), 18,7; e, Luís Eduardo Magalhães (BA), 18,5.
Assassinatos de policiais caem 18%, mas suicídios aumentam 26,2%
A publicação mostra ainda que 127 policiais foram assassinados em 2023, o que representa uma queda de 18,1% em relação a 2022. A maioria deles, 57%, morreu fora do horário de serviço. Ao todo, 69,7% eram negros, 51,5% tinham de 35 a 49 ano e 96% eram homens. Já o número de suicídios entre policiais aumentou 26,2% nesse período. Ao todo, foram 118 suicídios entre agentes de segurança.
Negros correm risco de morte quase 4 vezes maior
Segundo o Anuário, as vítimas de intervenções policiais que resultaram em morte foram predominantemente pessoas negras – 82,7% do total. A taxa de mortalidade dos negros, quando comparada à dos brancos, é 3,5 contra 0,9. O risco relativo de um negro morrer em uma intervenção policial é 3,8 vezes superior ao de um branco.
Crime de racismo cresce quase 78%: homofobia aumenta 88%
Outro dado do Anuário mostra que foram registrados no país 11.610 casos de crime de racismo em 2023, o que representa um crescimento de 77,9% em relação a 2022. Os crimes de racismo por homofobia ou transfobia também cresceram, tiveram um aumento de 87,9% entre 2022 e 2023, totalizando 2.090 casos.
Posse de armas mais do que dobrou desde 2017
Os registros ativos de posse de armas no país mais do que dobraram desde 2017, de acordo com os dados divulgados. Ao todo, em 2023, foram contabilizados 2.088.048 registros ativos de posse de armas no Sistema Nacional de Armas, da Polícia Federal, o que representa um aumento de 227,3% desde 2017.
Segurança privada: mais vigilantes armados
A segurança privada também aumentou. Os dados sobre o setor mostram expansão em 2023 de 9,3% em relação ao ano anterior, no número de vigilantes regulares, totalizando 530.194 profissionais no país. O número de empresas autorizadas a atuarem na área teve crescimento de 3,6%, chegando a 4.978.
Da Agência Brasil, com Redação