Casos recentes de envenenamento com alimentos — principalmente bolos e doces — têm acendido um alerta nas autoridades brasileiras. Episódios registrados em diferentes regiões do país envolveram intoxicações graves e até mortes após o consumo de produtos aparentemente inofensivos, mas adulterados com substâncias químicas letais. Mas situações como estas são mais comuns do que se pensa.

Ao longo dos últimos 10 anos, o Brasil contabilizou 45.511 atendimentos em emergências da rede pública relacionados a envenenamento que precisaram de internação. Os dados foram divulgados nesta segunda-feira (8) pela Associação Brasileira de Medicina de Emergência (Abramede).

O levantamento mostra que, além de envenenamentos classificados como acidentais ou indeterminados, 3.461 pacientes internados via Sistema Único de Saúde (SUS) sofreram intoxicação proposital causada por terceiros.

Com base na série histórica, o país registrou média de 4.551 casos de envenenamento ao ano no período entre 2009 e 2024.

Esse índice fica em torno de 379 registros ao mês e 12,6 ao dia. Isso significa que, a cada duas horas, uma pessoa deu entrada numa emergência da rede pública em consequência de ingestão de substâncias tóxicas ou que causaram reações graves dentro do período analisado”, alertou a Abramede, em nota.

No comunicado, a entidade reforça a relevância de médicos emergencistas em situações críticas, incluindo casos de envenenamento, e alerta para a facilidade de acesso a venenos, para a falta de fiscalização e de regulamentação, para a impunidade e para o uso em contextos íntimos – muitas vezes, com motivações emocionais.

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Substâncias

De acordo com o levantamento, envenenamentos relacionados a drogas, medicamentos e substâncias biológicas não especificadas (6.407 casos), a produtos químicos não especificados (6.556) e a substâncias químicas nocivas não especificadas (5.104) aparecem no topo da lista.

O estudo mapeou ainda as principais causas identificadas em episódios acidentais de envenenamento. Nesse recorte, envenenamentos por exposição a analgésicos e a medicamentos para aliviar dor, febre e inflamação lideram a lista, com 2.225 casos.

Na sequência, aparecem episódios envolvendo pesticidas (1.830), álcool por causas não determinadas (1.954) e anticonvulsivantes, sedativos e hipnóticos (1.941).

Regiões

A distribuição geográfica mostra que o Sudeste concentra quase metade dos casos, com mais de 19 mil ocorrências em 10 anos.

  • O estado de São Paulo responde, sozinho, por 10.161 registros, seguido por Minas Gerais (6.154).
  • O Sul aparece em segundo lugar, com 9.630 atendimentos — sendo o Paraná (3.764)) e o Rio Grande do Sul (3.278 mil) os estados mais afetados.
  • Já o Nordeste totalizou 7.080 casos, com destaque para a Bahia (2.274) e Pernambuco (949).
  • No Centro-Oeste, foram 5.161 internações por envenenamento, lideradas pelo Distrito Federal (2.206 casos) e por Goiás (1.876l).
  • A Região Norte, embora com menor peso absoluto, somou 3.980 registros no período, liderados pelo Pará (2.047) e por Rondônia (936).

Mortes

Ao analisar as 3.461 internações por intoxicação proposital ou causada por terceiros, novamente, a maioria dos casos se concentra na Região Sudeste, com 1.513 casos ao longo do período analisado.

No entanto, as outras cinco aparecem com totais muito próximos: o Sul registrou 551 ocorrências, o Nordeste, 492 ocorrências, o Centro-Oeste, 470 ocorrências, e o Norte, 435 ocorrências.

Em números absolutos, ocupam o topo do ranking os seguintes estados: São Paulo (754 casos), Minas Gerais (500 casos), Pará (295 casos), Paraná (289 casos), Goiás (248 casos), Bahia (199 casos), Rio de Janeiro (162 casos) e Santa Catarina (153 casos).

No outro extremo aparecem Amapá (16 casos), Sergipe (8 casos), Alagoas (4 casos), Acre (3 casos) e Roraima (1 caso).

Perfil das vítimas

Os dados trazem também informações gerais sobre o perfil das vítimas de envenenamento, seja proposital ou acidental, sendo que a maioria dos casos envolve homens (23.796 registros).

Com relação à idade das vítimas, o destaque são adultos jovens com idade entre 20 anos e 29 anos, que respondem por 7.313 registros, e crianças de 1 a 4 anos, que concentram 7.204 registros.

As faixas com menos casos são bebês com menos de 1 ano e idosos, com idade entre 70 e 79 anos (com 1.612 registros) e com 80 anos ou mais (968).

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Escolha dos bolos para envenenamento não é por acaso

De acordo com o cirurgião do aparelho digestivo Rodrigo Barbosa, referência em emergências abdominais e CEO do Instituto Medicina em Foco em São Paulo-SP, a escolha dos bolos não é por acaso: “São alimentos com alta aceitação, geralmente compartilhados em festas ou ambientes informais, o que dificulta rastreamento e aumenta o número de vítimas.”

A escolha tem motivação estratégica. “Bolos mascaram perfeitamente o sabor das toxinas por conta dos recheios, coberturas e sabores intensos. É um prato fácil de manipular e difícil de detectar”, comenta o cirurgião.

O trato gastrointestinal é o primeiro alvo. “As toxinas entram rapidamente pelo estômago e intestino. Em minutos, o paciente pode apresentar náusea, vômito, diarreia intensa, dor abdominal insuportável e sangramentos internos”, explica o especialista.

Muitos venenos usados em alimentos são agrotóxicos ou raticidas altamente solúveis e sem cheiro, gosto ou cor, o que os torna indetectáveis. “Assim que atingem o fígado, podem levar à falência hepática aguda e, nos casos graves, à parada cardíaca”, afirma Dr. Rodrigo.

Sintomas como vômito abrupto, dor abdominal forte, diarreia descontrolada ou confusão mental logo após o consumo de alimentos devem ser tratados como urgência.

O ideal é levar a vítima imediatamente a um pronto-socorro para lavagem gástrica e administração de antídotos. O tempo é determinante para salvar vidas”, alerta Dr. Rodrigo Barbosa.

Casos recentes de envenenamento no Brasil

  • Em dezembro de 2024, três pessoas de uma mesma família morreram no município de Torres (RS) após consumirem um bolo contaminado com arsênio. A nora da mulher que preparou o bolo foi presa acusada de ter envenenado a farinha usada no alimento.
  • Em janeiro de 2025, uma refeição adulterada com inseticida e oferecida durante uma ceia de Réveillon na cidade de Parnaíba (PI) deixou nove pessoas intoxicadas, das quais cinco morreram em decorrência do envenenamento – incluindo um bebê de menos de 2 anos.
  • Em abril, no município de Imperatriz (MA), duas crianças perderam a vida após comerem um ovo de Páscoa envenenado. A mãe das crianças também comeu o alimento e precisou ser hospitalizada.
  • Também em abril, na capital do Rio Grande do Norte, um açaí entregue em domicílio resultou na morte de uma bebê de 8 meses e deixou uma mulher em estado grave. O alimento, como em diversos casos anteriores, teria sido enviado como presente para uma das vítimas.

Com informações da Agência Brasil e Instituto Medicina em Foco

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