Causado pela falta de insulina no organismo, o Diabetes Mellitus é uma doença silenciosa e muito perigosa, que atinge mais de 16 milhões de brasileiros, sendo considerada hoje um dos mais graves problemas de saúde pública do país. Úlceras nos pés e amputação de membros inferiores e extremidades são algumas das complicações mais temidas da diabetes não controlada e assustam milhares de pacientes todos os anos.
De acordo com o Consenso Internacional do Pé Diabético (2019), entre 19% e 34% dos pacientes com diabetes irão desenvolver úlceras nos pés, uma causa comum de amputações não traumáticas, que ocorre em 15% dos diabéticos. A taxa de mortalidade nesses casos é de 5% nos primeiros 12 meses e 42% em cinco anos.
O pé diabético é caracterizado por uma ferida (úlcera) nos membros inferiores agravada por uma infecção, mas também pode englobar qualquer alteração de origem neurológica, ortopédica ou vascular que afete essa região do corpo. Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), 20% dos diabéticos desenvolvam alguma lesão nos pés no decorrer da vida e 85% das amputações são antecedidas por essas úlceras.
“Entre todas as complicações do diabetes, o pé diabético é considerado um problema grave e com consequências, muitas vezes, devastadoras em razão das úlceras, que podem resultar em amputação de dedos, pés ou pernas”, ressalta o presidente da Associação Brasileira de Medicina e Cirurgia do Tornozelo e Pé (ABTPé), Luiz Carlos Ribeiro Lara.
A cada 10 minutos, uma pessoa é amputada no Brasil
O problema se torna ainda mais grave em uma país onde, a cada dez minutos, uma pessoa é amputada, de acordo com dados Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV), e mais da metade dos casos envolve pessoas com diabetes. O estudo revela que mais de 282 mil cirurgias de amputação de membros inferiores foram realizadas no Sistema Único de Saúde (SUS) entre janeiro de 2012 e maio de 2023. Só em 2022, foram 31.190 procedimentos realizados, o que significa que, a cada dia, pelo menos 85 brasileiros tiveram seus pés ou pernas amputadas na rede pública.
Além de ser uma fonte de grande sofrimento e custos financeiros para o paciente, o pé diabético é uma complicação que representa um fardo considerável para a família do paciente, profissionais de saúde, instalações e para a sociedade em geral. De acordo com o Ministério da Saúde, somente de janeiro a agosto deste ano, o SUS registrou 6.982 amputações de membros inferiores causadas por diabetes, o que equivale a 28 casos por dia.
Em todo o ano de 2019 (pré-pandemia), foram contabilizados 8.600 registros, passando para 9.279, em 2020 (+ 7,8%). Em 2021, foram 9.781 amputações e, no ano passado, 10.168 (+ 3,9%) por causa da doença. Somente no Estado do Rio de Janeiro, foram registradas 3.262 amputações dos pés por conta da doença entre 2018 e 2023. Só este ano, até agosto, já foram 508.
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Dados como estes foram discutidos durante o 1° Seminário de Atenção Primária ao Pé Diabético realizado nesta terça-feira (14), Dia Mundial do Diabetes, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). O evento faz parte da Campanha Nacional do Diabetes 2023, da Associação Nacional de Atenção ao Diabetes (Anad), para conscientizar e divulgar informações sobre a doença. A reunião contou com a presença de especialistas no tema, além de pacientes.
O cirurgião vascular Adilson Mariz, graduado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), destacou a podologia como forma de prevenir lesões e até mesmo amputações provocadas pelo diabetes. Segundo ele, o trabalho do podólogo no cuidado das unhas, hidratação dos pés e verificação de feridas e deformidades consegue prevenir o avanço da doença.
“O paciente, na maioria das vezes, não sabe que é diabético ou, quando sabe, não entende as complicações que ele pode ter. O diabetes leva a uma alteração da sensibilidade, fazendo o paciente causar o dano e só perceber quando está se formando o abcesso. Esta é a causa mais comum da amputação”, disse o médico.
A enfermeira especializada no tratamento de feridas, Maria Regina Gonçalves, frisou a importância da conscientização do problema a fim de que os casos existentes sejam tratados o mais rápido possível.
“A gente pede que o paciente verifique os pés todos os dias, mas, muitas vezes, é uma pessoa idosa, que não consegue chegar aos membros inferiores e possui a capacidade visual reduzida, apresentando dificuldade ao se autoexaminar. Essas pessoas geralmente não têm uma rede de apoio, uma família por perto, que poderia auxiliá-lo. É preciso que haja um profissional habilitado para fazer esse tratamento”, comentou a enfermeira.
Nova lei pode assegurar acesso a podólogos na rede de saúde
O representante da Associação Carioca dos Diabéticos, Izidoro Flumignan, solicitou à Alerj a aprovação do PL 3668/2017, que que prevê a inclusão da podologia na rede estadual de saúde. “Nossa associação defende que os podólogos devem fazer parte da assistência básica de saúde, estando ao lado do médico e do enfermeiro. A podologia tem a capacidade de prevenir 70% das amputações de membros inferiores das pessoas com diabetes”, ressaltou o médico.
Segundo especialistas, a podologia é importante para a saúde dos pés e, no caso do pé diabético, quanto mais cedo é feito o tratamento das lesões, maior é a chance de cura. Luiz Carlos Pedreira, podoterapeuta e fundador da Spé Medical Group, salientou a contribuição da podologia para prevenção do pé diabético.
“O trabalho do podólogo em nível multidisciplinar é fundamental, porque, durante a consulta, o profissional vai checar todos os pontos do pé para verificar se tem alguma anomalia, alguma podopatia necessária de tratamento e até orientar esse paciente no seu dia a dia”, disse.
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Desconto em calçados especiais para diabéticos
O deputado Thiago Gagliasso (PL), que organizou o evento, informou que irá buscar a aprovação do projeto de lei, em tramitação desde 2017 na Casa. Ele afirmou que levará à presidência da Alerj a solicitação de Flumignan para que o PL que regulamenta o atendimento de podologia seja colocado em pauta no Plenário da Casa.
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O parlamentar salientou que os calçados especiais para pessoas diabéticas possuem um custo médio de, aproximadamente, R$ 1 mil. Sendo assim, está estudando propor a isenção de impostos estaduais para este tipo de produto, a fim de torná-lo mais acessível à população em vulnerabilidade social.
“Os calçados terapêuticos preparados para pés diabéticos têm um custo muito caro. Estamos estudando a possibilidade de propor a isenção de impostos sobre esses calçados”, afirmou o parlamentar.
Lei da Hemoglobina Glicada
O representante da Associação Carioca dos Diabéticos, Izidoro Flumignan, também pontuou sobre a importância da efetivação de leis para o setor, como a Lei 9336/21 (Lei da Hemoglobina Glicada), aprovada em 2021 pela Alerj.
A medida determina que os laboratórios de análises clínicas públicos e privados são obrigados a notificar à Secretaria de Estado de Saúde (SES) quando detectado a alteração da hemoglobina glicada em seus pacientes a fim de o Estado mapear a população com a doença e criar uma estratégia de atendimento.
“A Lei da Hemoglobina Glicada é um instrumento moderno e o mais importante para a prevenção do diabetes, mas ela precisa funcionar. Por isso, hoje esse é o nosso pedido, que essa lei tão importante seja implementada pela Secretaria Estadual de Saúde”, afirmou.
Após o seminário, a Alerj promoveu uma ação social com enfermeiros para atender os colaboradores e o público em geral. Os profissionais examinaram ainda os pés e pernas dos participantes da ação e aproveitaram o momento para conscientizar e divulgar informações sobre o diabetes.
Pé diabético é geralmente causado por neuropatia periférica
Luiz Carlos Ribeiro Lara, presidente da ABTPé, explica que uma das lesões que o diabetes causa é a neuropatia periférica, em que há perda da função dos nervos do pé, principalmente da sensibilidade dolorosa e tátil, que conferem proteção, dificultando a percepção do paciente em notar lesões ou feridas.
“Sem a sensibilidade, as possíveis lesões podem evoluir rapidamente e formar bolhas e feridas abertas (úlceras), possibilitando assim a entrada de microorganismos e causar uma infecção no pé. Em casos graves, é necessária a cirurgia para limpeza e desbridamento das lesões mais profundas ou até mesmo a amputação de dedos ou parte do pé para sanar a infecção”, fala.
O cirurgião lembra que o paciente com diabetes também perde a sensibilidade para fraturas, deslocamentos ou microtraumas ocorridos nos ossos do pé e tornozelo, o que exige um tratamento diferenciado. Dependendo da gravidade, o tratamento pode ser imobilização por gesso, órtese ou até mesmo cirurgia reconstrutiva.
Nas situações de infecção grave, a pessoa pode apresentar mal-estar geral, febre, mas, outras vezes, a infecção pode manifestar-se apenas com o aumento das taxas de açúcar no sangue “Normalmente, nota-se abcesso, secreção purulenta, mau cheiro, área inchada e avermelhada, às vezes com áreas de necrose de tecidos. Chegar a esse ponto é muito preocupante, pois pode ser necessária a amputação para resolução do problema”, salienta.
Cuidados são essenciais para prevenir feridas nos pés
O paciente com diabetes deve ater-se a alguns cuidados com os pés para evitar as complicações da doença. Uma delas é evitar andar descalço, especialmente fora de casa. “O uso de calçados especiais para diabéticos, fechados, sem costura interna, com a parte da frente larga e alta, e com palmilhas confortáveis, é recomendado sempre que possível”, destaca.
O uso das meias também é importante e devem ser, de preferência, brancas, para facilitar a identificação mais rápida de algum machucado ou ferida no pé, e de algodão, que irritam menos a pele, com costura pouco volumosa e sem elástico, para não comprometer a circulação.
O presidente da ABTPé lembra, ainda, que os pés devem ser examinados pelo menos uma vez ao dia, para a procura de calos e úlceras, além de verificar se há a presença de micoses e rachaduras. Mantê-los hidratados para evitar rachaduras cutâneas e infecções secundárias é outra ação. “Nunca tente retirar calos, limpar úlceras ou cortar as unhas sozinho. Identificando algo fora do normal, um especialista deve ser consultado”, conclui
Com informações da Alerj e ABPPé