Até o Rio chorou. Em meio à tempestade que caiu neste domingo de inverno (20/8), no Rio de Janeiro, veio a notícia que deixou de luto o jornalismo, a poesia e a boemia cariocas. Morreu pela manhã o jornalista, escritor, poeta e antropólogo Pedro Paulo Thiago de Melo, de 63 anos. Paulothi, ou PT, como era chamado pelos colegas, trabalhou nas redações de O Globo, Jornal do Brasil e O Dia. Amante das histórias dos bares tradicionais da cidade, escreveu “Memória Afetiva de um Botequim Carioca” e foi um dos criadores do Rio Botequim, que deu origem ao famoso festival Comida di Boteco.
Segundo relatos de amigos no Facebook, ele estava internado há pelo menos uma semana, devido a complicações decorrentes de problemas hepáticos, e uma corrente positiva foi formada para lhe dar apoio nos últimos dias no hospital. Discreto, como foi sua vida, Paulothi não queria que os amigos comentassem sobre seus problemas de saúde. O sepultamento está marcado para esta terça-feira (22), no Cemitério da Penitência, no Rio.
O jornalista era amante de poesia como o tio, o poeta amazonense Thiago de Mello, autor dos ‘Estatutos do Homem’, que morreu em janeiro de 2022, aos 95 anos. O pai de Paulothi, Gaudêncio Thiago de Mello, foi um importante compositor, arranjador e multi-instrumentista, que fez carreira nos Estados Unidos, onde foi morar na década de 60, para fugir da ditadura militar instaurada em 1964. Gaudêncio morreu em sua casa, em Nova Iorque, em novembro de 2013, após longa luta contra um câncer.
Profundo conhecedor de música popular brasileira, Paulo Thiago de Mello é autor do livro “Milton Nascimento e Lô Borges – Clube da Esquina”. Ele era doutor em Antropologia e atuou como pesquisador no Laboratório de Etnografia Metropolitana do Rio de Janeiro do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Como jornalista, também atuou na assessoria de imprensa do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas.
Os novos vizinhos em comunidade do Catete
Nas redes sociais e nos grupos de whatsapp de jornalistas, foram inúmeras as mensagens de despedida e homenagens a Paulo Thiago de Mello. O Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) expressaram pela internet seu pesar e solidariedade a familiares, amigos e colegas e admiradores do jornalista.
A jornalista Rosayne Macedo, editora do Portal ViDA & Ação e diretora de Assistência Social da ABI, lembrou no Facebook dos tempos em que ‘Paulothi’ foi seu editor no jornal O Dia, no final dos anos 90. “Um querido, solidário, sensível, bom coração e dono de um texto impecável! Um gentleman. (…) Jamais esquecerei a generosidade, o carinho e a simplicidade com que me tratou e o via tratar todos na Redação”.
Ela também comentou sobre o olhar atento do jornalista às causas sociais. “Aquele cara que morava sozinho na Zona Sul, com olhar aguçado pras diferenças sociais, fez uma carreira linda e ética. Um ser humano – e um jornalista, escritor, poeta – que fará realmente muita falta pra muita gente”. Rosayne destacou um texto publicado recentemente por Paulothi no Facebook em que contava sobre sua alegria de estar morando próximo de uma comunidade no Catete, o Morro Santo Amaro.
“Como revela no texto, ele temia a chegada da nova temporada de chuvas – no último deslizamento de terras na comunidade, no verão passado, um morador morreu. A tempestade de hoje (20/8) no Rio foi um pranto sincero de despedida pelo nosso querido Paulothi (seu login no Dia) ou PT, como alguns o conheciam (sim, Paulo Thiago tb fazia o L)… Os céus estão em festa, e, certamente, com muitos brindes pela sua chegada. Que seu precioso legado não seja esquecido”, escreveu a jornalista.
Homenagens nas redes sociais e grupos de jornalistas
No grupo JornalistasRJ, do whatsapp, ex-colegas de O Globo também falaram sobre Paulo Thiago. “Era uma pessoa incrível. Trabalhei com ele na editoria de Economia. Muito triste”, disse Érica Ribeiro. “Ele que amava Botafogo, tinha “se rendido” ao Catete e parecia feliz na casa nova. Postou uma foto super poética do lugar”. Trabalhei com o PT na Economia do Globo, assim como a Érica Ribeiro. Uma pessoa e um profissional que fará falta”, escreveu Luiza Xavier. “Sem dúvidas, uma pessoa muito especial! Inteligente, gentil e amigo”, escreveu Vera Araújo, repórter especial de O Globo.
O sociólogo Paulo Baía, que foi professor de Paulo Thiago de Mello, também fez uma breve homenagem no grupo ABI Casa do Jornalista: “Um fraterno e querido amigo. A cidade do Rio de Janeiro deve muito a ele. Foi o criador do Rio Botequim (Comida di Boteco). Foi um antropólogo refinado e arguto. Foi uma honra ter sido professor de um mestre nato”.
Sobre o ex-colega de O Globo, a jornalista Angelina Nunes contou que dividiu com Paulo Thiago uma série especial no jornal. “Ele foi incrível, dando toques geniais e de um companheirismo que poucos tinham”, escreveu no Facebook. “O querido Paulo Thiago De Mello que conheci na redação era um sopro de gentileza, carinho, solidariedade, cultura, preocupação com a formação dos jornalistas e dono de um abraço em que a gente encontrava conforto, calor, doçura e sempre uma palavra amiga”.
Entrevista para documentário sobre botequim tradicional
‘Era um solitário, assombrado pela tristeza do tempo’
O cantor e compositor amazonense Zeca Torres, o Torrinho, também publicou uma mensagem emocionada no Facebook: “Paulo Thiago De Mello, pra mim simplesmente Paulinho. Irmão querido, profissional brilhante, bom papo que apenas privilegiados tiveram a oportunidade de desfrutar da companhia em tardes/noites boêmias”, lamentou.
“Como se não bastasse, ainda era filho do meu grande amigo, mestre e guru musical, Gaudêncio – cujas cinzas ele me deu a honra de lançar no encontro das águas -, sobrinho do poeta maior, Thiago de Mello, e primo de outro irmãozinho querido e parceiro,Thiago Thiago de Mello”, destacou.
A última poesia de Paulothi pode ser lida no Facebook em 17/7/23:
Vi uma floresta de vestidos
Pendurados como folhas
Interligadas por cipós em renda
Numa teia branca feminina
Não sei se sonho ou delírio
Que me permitiu apagar o dia
E me perder no tempo
Atravessei como refugiado
Essa terra estrangeira
Aprendi o idioma de errâncias
Um oceano de sentimentos
E pousei em fendas e funduras
Fui absorvido por reentrâncias
Protegido por matas densas
Feitas de som suave e silêncio
Onde polinizei em teu nome.