Não há até o momento nenhuma pesquisa científica aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que confirme os supostos efeitos terapêuticos da nitazoxanida para tratar precocemente casos de infecção pelo novo coronavírus. Nem há recomendação oficial da Anvisa neste sentido, apesar de a agência ter retirado a exigência de retenção de receita para a venda deste medicamento, assim como ocorreu com a Ivermectina.
No entanto, o vermífugo Nitazoxanida, conhecido comercialmente pelo nome de Anitta, é a fórmula defendida veementemente pelo médico escolhido pelo governador em exercício Cláudio Castro para coordenar o comitê de apoio científico para políticas públicas de enfrentamento à Covid-19 no Estado do Rio de Janeiro.
Em live do projeto #PapodePandemia, realizada nas redes sociais do Portal ViDA & Ação no dia 27 de novembro de 2020, o pediatra e infectologista Edimilson Migowski, professor de Doenças Infecciosas da UFRJ, promoveu abertamente a adoção do antiparasitário e antiviral, inclusive recomendando sua adoção em nível nacional.
Na ocasião, o médico e agora coordenador do comitê científico falou sobre resultados obtidos junto a pacientes com sintomas de Covid em uso da Nitazoxanida em Volta Redonda, no Sul Fluminense. Disse que adotava o protocolo com base em estudos da própria UFRJ, realizados pela professora Patrícia Rocco.
UFRJ não apoia ideias de infectologista e nega indicação de seu nome para comitê científico
No entanto, nesta terça-feira (14), a universidade informou que as ideias de Migowski não têm a chancela da instituição. Por meio de nota publicada pelo Globo, a reitoria da UFRJ disse que o professor se posiciona por ele próprio e que não compactua com as crenças dele.
Sobre a escolha de Migowski para coordenar o comitê científico, comunicou que “não houve indicação da UFRJ para o Governo do Estado”. A reitoria informou também que a questão da prática clínica é regulamentada pelos conselhos regionais e federal de Medicina, não pela universidade. “Na UFRJ, ele não é médico. Não temos protocolos com medicação precoce em nossos hospitais”, diz a instituição.
Em seu canal no Youtube, aberto em abril de 2020 em meio à pandemia e hoje com mais de 88 mil seguidores, Migowski rebate nesta terça-feira a nota da UFRJ, ataca médicos contrários ao uso de tratamento precoce. Diz que já tratou globais na pandemia, em entrevista ao filho dele, o médico e oficial do Exército João Migowski, também formado pela UFRJ e especialista em saúde mental e estilo de vida.
“Todo mundo fala mal, mas na hora que o bicho pega, é pra mim que eles ligam”, disse Edimilson, ao afirmar que jornalistas de vários veículos (Globo, Band, Rádio Tupi, Record) lhe pedem apoio e prescrição médica. No mesmo vídeo em que é entrevistado pelo filho, o infectologista também não poupa críticas à imprensa e diz que fala também na condição de jornalista:
Tem que ouvir as duas partes. Os veículos de comunicação só têm dado voz a quem querem ouvir, tem sido um jornalismo tendencioso e parcial”. Também criticou a defesa de medidas de isolamento e distanciamento social, dizendo que interessa às emissoras de TV manter as pessoas em casa: “quanto maior a audiência, maior o faturamento”.
O infectologista diz ainda que defende os protocolos de prevenção, incluindo vacina “quando possível”, mas também o tratamento precoce. “O que eu defendo é tão logo manifeste sintomas, trate de forma imediata”. Diz que não ganha dinheiro com a saúde, que defende a saúde e a vida, que não faz saúde privada e que o cargo no comitê científico é voluntário. “Seria fácil estar do lado da mídia e da maioria , mas estou dando minha cara a tapa”, disse.
Segundo ele, a Nitazoxanida deve ser usada no mínimo seis dias em pacientes com quadros médios e graves da doença, para evitar o número de mortes. E faz referências a estudos internacionais, publicando vários links junto ao vídeo. Disse que somente no Estado do Rio já são mais de 4 mil pacientes de Covid tratados com sucesso com o medicamento – por ele, pelo filho e por mais dois médicos.
Críticas a lockdown, médicos, cientistas, jornalistas e OMS
No #PapodePandemia, em novembro, Migowski corrigiu publicamente a apresentadora, informando que não se tratava de uma pesquisa clínica, devidamente registrada junto a órgãos oficiais, como a Anvisa, mas uma “conduta clínica”, baseada em evidências científicas, que havia sido amplamente comprovada junto a mais de 400 pacientes para os quais o medicamento foi prescrito na rede pública de saúde daquele município. Nesta terça, ViDA & Ação questionou a Secretaria de Estado de Saúde, entre outros temas, sobre a possibilidade de ampliar a adoção da conduta clínica de Migowski, com uso da nitazoxanida, para todos os municípios, mas não recebeu resposta até o fechamento desta matéria.
Ainda na live do #PapodePandemia em novembro de 2020, Migowski fez sérias críticas a outros colegas médicos – que defendem o uso de máscaras, higiene das mãos e distanciamento social para prevenção da doença. Segundo ele, quando adoecem, esses médicos fazem uso de diversos medicamentos. Também condenou as medidas restritivas como o lockdown para conter a transmissão e não poupou críticas a entidades como a OMS e instituições de pesquisa mundialmente respeitadas e reconhecidas. Chegou a falar de uma suposta “ditadura da medicina baseada em evidências”.
Também fez piada com jornalistas, dizendo que estes não seriam vacinados, e que muitas das notícias divulgadas por veículos de comunicação são alarmistas e não retratariam a realidade. Segundo ele, ao contrário do que a imprensa propagava, há mais doenças que “matam mais” e para as quais não se estaria dando a devida atenção por conta do que acreditava ser uma atenção exagerada para a Covid nos noticiários.
A nitazoxanida, que já chegou a ser defendida por Jair Bolsonaro depois da cloroquina e da hidroxicloroquina, já foi há muito tempo descartada, assim como outros medicamentos do arsenal conhecido como ‘kit Covid’. Em 2020, o governo federal chegou a informar que o remédio reduziria a carga viral em pacientes infectados, mas em janeiro deste ano o Ministério da Saúde informou à Câmara que decidiu não incorporar a nitazoxanida ao tratamento da doença.
Em pauta, as medidas para conter a ‘segunda onda’ da Covid
Na ocasião, o #PapodePandemia convocou dois especialistas com posicionamentos opostos em relação à para discutir o tema. A outra convidada era Lucia Abel Awad, imunologista, biomédica, professora da Unisa e pesquisadora da USP e Unifesp, que defendia o lockdown como medida necessária para conter uma nova onda da pandemia.
Naquele dia, o Brasil registrava a marca de mais de 171 mil mortes por Covid-19 desde o começo da pandemia. Eram 37.672 novos casos, totalizando mais de 6,4 milhões de pessoas infectadas. A média móvel de casos e mortes vinha aumentando nas últimas semanas em muitos estados,. E o Rio de Janeiro acabara de reforçar os leitos de UTI, passou a fiscalizar as medidas sanitárias e anunciou testagem em massa e suspensão de cirurgias eletivas.
“Estamos mesmo na “segunda onda” ou vivendo o recrudescimento ainda da primeira grande onda? Devemos manter a flexibilização ou decretar lockdown? E qual será a melhor vacina para a Covid-19 e a que chegará primeiro ao Brasil?”, questionava a live. Confira o bate papo na íntegra aqui:
Veja algumas declarações do médico
‘Prefiro ficar empiricamente vivo do que cientificamente morto’ (sobre ‘conduta clínica’ sem evidência científica)
“É má fé ou interesse em continuar com leitos ocupados’ (sobre recusa de médicos em administrar medicamentos com a Nitazoxanida)
Nós, médicos, não podemos simplesmente não dar assistência aos nossos pacientes infectados pelo vírus’ (ao criticar as normas para realização de estudos clínicos que, na sua opinião, ferem a ética médica)
‘O colete à prova de balas não funciona para quem já tomou tiro’ (sobre tratamentos em pacientes graves)
“É uma molécula barata, que não tem patente, tem uns nove ou dez produtores no país (sobre a Nitazoxanida)”