Apaixonado pelo Império Serrano, sua escola do coração, o jornalista carioca e o pesquisador do samba Aloy Jupiara, de apenas 56 anos, não vai mais pisar a Avenida. Após lutar desde 29 de março contra a Covid-19, não resistiu à potência do vírus e suas complicações. Morreu na noite desta segunda-feira (12/4), no Rio de Janeiro, por conta de uma nova infecção pulmonar. Desde abril de 2020 até esta terça (13) foram 186 jornalistas mortos pela Covid, segundo dados da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).
Aloy estava internado no CTI do Hospital São Francisco na Providência de Deus, na Tijuca, desde o dia 29 de março. Chegou a ter uma breve melhora no quadro no fim de semana, animando amigos e familiares, mas teve nova piora no domingo. O jornalista não terá enterro. Seu desejo era ser cremado. Serão destinados alguns minutos somente para os familiares se despedirem nesta quarta-feira (14/4), às 14h, na Capela Histórica da Penitência, no Caju.
O jornalista não deixa filhos, mas uma legião enorme de amigos e admiradores. O jornal O Dia – onde ele trabalhava como editor-chefe – e o IG divulgaram uma nota informando que estavam “tomando todas as providências e nada faltará à família nesse momento de dor”. Uma campanha para oferecer apoio financeiro à família chegou a ser lançada nas redes sociais por ex-colegas do jornal O Globo.
A despedida dos amigos de redação
“Ele dava a vida pelo samba”, lembra o jornalista Bruno Thys, da Máquina de Livros. Dava a vida não só pelo samba, mas pelo Jornalismo. Declarações emocionadas sobre Aloy e fotos dele ou com ele encheram as timelines das redes sociais de amigos jornalistas e gente do mundo do samba. Nos grupos de jornalistas do Whatsapp, sua morte dominou a pauta do dia. Era tão querido que sua precoce passagem chegou a figurar entre os Trending Topics do Twitter durante o dia.
Doce, sensível, gentil, generoso. Um cara sensacional. Um gentleman. São muitos os adjetivos com os quais os amigos e colegas de trabalho o definiram. “Trabalhei 18 anos com ele no Globo. Era uma pessoa doce, calma, educada, responsável, bom apurador, daqueles curiosos que buscam a informação o tempo todo e sempre pesam muito bem as palavras que vão estar no texto”, disse Alba Valéria, jornalista do G1.
“Acho que nunca haverá alguém mais doce do que o Aloy Jupiara. Nem uma tristeza tão grande como a de sua partida”, escreveu Aziz Filho, editor do Diário do Porto, que também chegou a ser hospitalizado com Covid no ano passado e conseguiu se recuperar. (Veja o relato completo sobre o último encontro entre eles aqui).
‘Uma cratera no peito’, diz jornalista que perdeu a mãe no mesmo CTI
Da cidade do Porto, em Portugal, onde hoje vive, a jornalista Rosane Serro, em luto pela morte da mãe, vítima de Covid em março também no Rio, comentou sobre a morte do ex-colega de Redação. “Era meu amigo querido, chegamos até a trabalhar juntos no Globo Online, mas a vida vivia nos afastando. Eu soube às 3h da manhã daqui e não dormi mais. Uma cratera no peito. Aloy faleceu no mesmo hospital e no mesmo CTI que minha mãe, exatamente 20 dias depois. A devastação anímica é tão grande que desnorteia”.
Segundo Rosane, Aloy era tão apaixonado pelo que fazia que vivia seu trabalho 24 horas do dia. Literalmente. “Não era raro vê-lo num plantão de domingo, inclusive quando era sua folga. Fora isso, foi um homem que amadureceu lindamente, com serenidade e sabedoria. Estava no seu auge profissional, com livros publicados, reconhecimento, o cargo de editor-chefe n’O Dia, buscando um enfoque coerente e consistente na cobertura do noticiário. Vai fazer uma falta tremenda para todo mundo que o amava e para seus leitores também”, completou.
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De repórter a diretor, uma vida nas redações
Formado na Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ, o editor-chefe de O Dia construiu sua carreira em O Globo, onde, ao longo de 20 anos, foi repórter, coordenador e subeditor de Rio e editor e coordenador de Política. Sempre inovador, foi pioneiro no jornalismo on-line no Globo, na criação dos sites GloboNews.com e Extra On-line.
Seu amor pelo Carnaval se transformou em boas ideias em favor da maior visibilidade do samba. Foi jurado e coordenador do Prêmio Estandarte de Ouro. Nos sites do Globo e do Extra, foi o primeiro a estimular a cobertura on-line mais ampla dos blocos de rua do Rio, até então um tema secundário nas pautas dos veículos.
Aloy Jupiara foi coautor dos livros “Deus tenha misericórdia dessa nação: A biografia não autorizada de Eduardo Cunha” e “Os Porões da Contravenção”, que abordava a relação entre a ditadura e o jogo do bicho no Rio de Janeiro. Recentemente, participou do documentário “Doutor Castor”, sobre o bicheiro Castor de Andrade, em exibição no Globoplay.
Defensor do samba como patrimônio imaterial
“Sambódromo, deixei uma rosa branca com a inscrição Resistência. Pelo carnaval, pelo samba, pela saúde das pessoas, pelos que perderam amigos e parentes, pelos que se sentem desprotegidos por políticas públicas, e resistência para todos os profissionais de Saúde da linha de frente do combate à Covid, alguns dos quais pereceram nessa luta. Gratidão a vocês.”
O texto acima, em homenagem ao finado Carnaval 2021, às vítimas da Covid e aos incansáveis profissionais de saúde da linha de frente foi o último post de Aloy no Instagram, em fevereiro. Pela primeira vez, em muitos anos, o samba não foi para a Avenida que ele tantas vezes pisara, não apenas a trabalho, mas por paixão. A pandemia – que já ceifou mais de 350 mil vidas anônimas ou ilustres – não deixou. E o carioca nascido no mês do Carnaval entristeceu, isolado, enquanto estampava nas páginas do jornal a catástrofe humana todos os dias, longe da Redação.
O envolvimento com o Carnaval carioca levou Aloy a participar do grupo responsável por transformar o Samba do Rio em patrimônio imaterial do Brasil, em 2007. O Museu do Samba lamentou a morte do membro de seu Conselho Deliberativo e “uma das maiores referências do jornalismo brasileiro e da cobertura carnavalesca”.
Aloy Jupiara também participou como entrevistador de dezenas de depoimentos da série de história oral “Memória das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro”, uma das mais importantes ações desenvolvidas pelo Museu. “Profundamente consternado, o Museu do Samba se solidariza com os familiares, amigos e colegas de profissão de Aloy neste momento de luto”, descreve a nota.
‘Daqueles curiosos que buscam a informação o tempo todo’
Por Alba Valéria*
Lembro que quando entrei no Globo, em 1987, ele tinha acabado de sair do programa de estágio e tinha sido contratado para coordenar a pauta do jornal e ficar na subchefia da noite, devido a sua visão jornalística. Era uma pessoa que previa com serenidade o que iria render boas suítes, que matérias iriam bomba no dia seguinte. E deixava uma pauta irretocável, com sugestões de linhas a seguir na continuação das matérias e de personagens.
No carnaval, era uma pessoa que estudava, que buscava informações, que tinha um olhar crítico sobre os desfiles, enredos, o trabalho nos barracões. Conversar com ele sobre carnaval era como ter uma aula. Trabalhei 18 anos com ele no Globo. Era uma pessoa doce, calma, educada, responsável, bom apurador, daqueles curiosos que buscam a informação o tempo todo e sempre pesam muito bem as palavras que vão estar no texto.
Tinha clareza e rapidez de raciocínio. Um gentleman. Nunca ouvi alterar a voz por nada. Parecia flutuar acima do bem e do mal, sem com uma observação muito perspicaz sobre a situação. Transmitia tranquilidade e segurança, mesmo em coberturas bem conturbadas. Era muito querido e admirado pelos colegas. Não conheço ninguém que tivesse algo a reclamar do Aloy, mesmo em locais onde a vaidade supera a razão, como nas redações.
Era doce, gentil, generoso. Era um cara sensacional. Ninguém vai do estágio direto para a coordenação de pauta de um grande jornal como O Globo, e sem pistolão – Aloy conquistou tudo sozinho – do nada, né?
‘Aloy foi um guerreiro, travou sempre o bom combate’
Por Bruno Thys*
Quando assumi a direção do Jornal Extra, em 2005, não tínhamos ainda um site. Precisávamos de um bom jornalista que dominasse tecnologia e conhecesse arquitetura digital. Aloy era vizinho de andar, trabalhava no globonline e falava essas novas línguas muito bem. O conhecia desde 1994, quando tentei levá-lo para o Jornal do Brasil, por sugestão do Paulo Motta. Ele preferiu ficar no Globo.
Aloy veio trabalhar no Extra em 2006. Agostinho Vieira, que comandava a área de negócios dos jornais, nos ajudou na tarefa. Ele bateu um bolão: tomou á frente a construção do site, inicialmente um blog, que, em pouco tempo se tornaria um dos mais acessados do país. Trabalhava dia e noite, mais noite do que dia, em melhorias contínuas no ambiente digital e, quando necessário, dava um help no “produto analógico“ também. Era excelente jornalista e fez muita coisa no Globo antes de ir para o digital, do qual foi pioneiro no país.
Essa sua opção por trabalhar à noite produziu um episódio prosaico: um dia já de madrugada, desligaram o elevador com ele dentro. Gritou por ajuda e, nada. Relaxou e dormiu até religarem o elevador, na manhã seguinte. Aloy formava no time do “recuo da bateria”, lugar da redação do Extra em que ficava o comando do jornal. Passava boa parte do tempo, porém, na tecnologia, em outro andar. Era simples, culto – estava sempre com um livro na mão – antenado, adorava cinema, teatro samba e muito ligado aos poucos e grandes amigos. Lutava contra um temperamento mais individualista e fez progressos nisso.
Conversávamos bastante sobre temas gerais, literatura, teatro e cinema. Ele era cinéfilo e sabia tudo até de cinema iraniano! Ficávamos felizes quando descobríamos que conhecíamos gente que achávamos que só um de nós conhecesse, caso de Stella Adler, professora de teatro nos Estados Unidos. Aloy lia bastante e escreveu um livro muito bom com o Chico Otávio sobre ditadura, samba e o papel dos bicheiros naquele momento. Ele dava a vida pelo samba. Era organizador e figura central do Estandarte de Ouro, promovido pelo Globo.
Sua vida era a Irineu Marinho, sua família, também. Sofreu muito quando saiu de lá há alguns anos. Perdeu o chão e se trancou até voltar ao mercado. Vou sentir falta das nossas conversas, do bom humor, da alegria das vibrações com as pequenas conquistas do dia a dia que celebrávamos com um cumprimento típico da turma do “hap“. Quando foi internado, tínhamos esperança de que se recuperasse: era novo, não fumava nem bebia. Acompanhamos bem de perto a luta dele. Nos últimos dias, as notícias nos deixaram mais esperançosos.
Estamos todos muito tristes. Muito. Aloy não era de festas, chopes e jantares. Era tímido. Os anjos o guiarão em silêncio á presença do Criador que o receberá com discrição. Aloy foi um guerreiro, travou sempre o bom combate. Ao Chico, Elba, Joyce e a todos os que trabalharam e conviveram com ele os nossos sentimentos, a nossa saudade e eterna admiração.