O que uma mãe não é capaz de fazer para ver um filho bem e com saúde? No caso dela, não só mundos e fundos. Mas movimentar o país inteiro para fazer valer um direito de pessoas que sofrem com alergias: ser informadas com responsabilidade para evitar sérias consequências. Mariana Claudino é jornalista e mãe do Mateus, de 6 anos, que sofre com alergia alimentar. Ao lado de parceiras que passam pela mesma situação, há dois anos ela vem travando uma luta para ver aprovada e fazer valer uma norma que deve beneficiar milhares de brasileiros.
Ela é uma das coordenadoras do #poenorotulo, campanha nacional que culminou com uma resolução da Anvisa que obriga as indústrias de alimentos a informar, de forma bem clara nas embalagens, se os produtos contêm algum tipo de substância capaz de provocar alergia. A nova exigência passou a valer desde o último domingo, dia 3 de julho. Mariana conta o drama que viveu com o filho e toda a odisseia que enfrentou com outras bravas mães para defender suas crias. E tantas outras pessoas que sofrem com o mesmo problema. Confira o relato:
“Ser mãe de uma criança com alergia alimentar é um aprendizado riquíssimo, um divisor de águas. Mateus, meu filho de 6 anos, é alérgico à proteína do leite desde que nasceu. Foi um bebê com muitas cólicas (tudo que eu comia passava para ele pela amamentação e eu nem desconfiava…) e as urticárias apareciam imediatamente quando eu ingeria algum derivado de leite: era só dar um beijo nele ou tocar com a mão suja para desencadear uma reação.
O diagnóstico só foi confirmado (através de um exame de sangue) quando ele fez 1 ano, mas eu sempre desconfiei que a situação era severa. Anos depois, fui entender o sentido daquela frase “se a vida te der um limão, faça uma limonada…” À medida em que Mateus crescia, fui buscando entender melhor sobre nutrição, dieta de exclusão e alergia alimentar. Tentamos, meu marido e eu, adiar o máximo de tempo possível o contato do nosso filho com alimentos industrializados.
Mas, depois dos 2 anos de vida, em tempos modernos e vivendo em uma grande cidade, isso foi inevitável. E então foi aí que descobrimos que ter alergia alimentar e ingerir alimentos industrializados pode ser uma grande problema. Os tamanhos das letras dos rótulos eram um desafio diário; as informações traziam palavras estranhas como lisozima, caseinato de sódio, caseína e albumina.
Telefonar para SACs de indústrias era como participar de uma gincana: só eram aceitas ligações realizadas entre segunda e sexta (fim de semana não!) e, ainda, só de números fixos (nada de celular…). Daí outro problema aparecia: um dia o SAC dava uma informação a respeito da presença de alérgenos e no dia seguinte a informação era outra completamente diferente. Como não ter insegurança?
Um dia Mateus me pediu um biscoito – que não indicava, em seu rótulo, a presença de leite. Vale lembrar que antes disso liguei para o SAC da empresa e lá recebi a confirmação de que não haveria leite em seu produto. Em menos de dois minutos meu filho ficou com os olhos inchados, a boca idem, o corpo idem, com dificuldades para respirar e tossindo muito: uma reação anafilática.
Foi naquele momento, naquele minuto interminável de desespero, que percebi que além de precisar ter em casa uma injeção de adrenalina (que não é comercializada no Brasil, mas isso é isso é uma outra história…), decidi que procuraria a minha turma: famílias de crianças com alergia alimentar e que também passavam por problemas semelhantes.
Logo descobri que havia muitos grupos virtuais formado por mães que, assim como eu, cortavam um dobrado para garantir a segurança alimentar de seus filhos. Uma dessas mães, Cecilia Cury, estava pensando e mobilizando outras mães a criarem uma campanha nacional para chamar a atenção das autoridades, sociedade civil e indústrias de alimentos sobre a gravidade da falta de clareza nos rótulos.
Foi assim que, em fevereiro de 2014, ajudei a fundar o Põe no Rótulo – ao lado de um time forte e com muita disposição para encarar uma batalha difícil. A empatia da sociedade foi imediata: de pouco em pouco, fomos conquistando belos espaços veículos de comunicação de todo o país; pessoas públicas começaram a aceitar nossos pedidos e mandaram fotos de apoio à campanha.
Aos poucos, a fanpage do #poenorotulo foi ficando conhecida e ganhando curtidores (hoje temos mais de 126 mil curtidas); o movimento foi ficando cada vez mais sólido. Chamamos a atenção da Anvisa, que começou a discutir o assunto em reuniões em sua sede e nos convidou para participar de reuniões com indústrias para discutir a questão da rotulagem. De 2014 para cá, a agência criou consultas públicas em seu site e percebeu que, sim, essa era uma questão relevante para a sociedade civil.
Em 25 de junho do ano passado, após uma audiência pública, a Anvisa fez uma reunião (estávamos lá!) em que votou a RDC 26/2015 (três votos a zero!), obrigando as indústrias de alimentos a destacarem em seus rótulos, em caixa alta e negrito, 17 substâncias como trigo (centeio, cevada, aveia e suas estirpes hibridizadas), crustáceos, ovos, peixes, amendoim, soja, leite de todos os mamíferos, amêndoa, avelã, castanha de caju, castanha do Pará, entre outros.
O prazo de 12 meses para adequação dessa norma acabou no último dia 3, quando entrou em vigor a norma, mesmo após o pedido de adiamento do prazo. A fiscalização será feita pela Vigilância Sanitária e a pena para o descumprimento da norma vai desde a advertência até a perda do registro sanitário, além de multa.
Por enquanto, nas prateleiras e gôndolas dos mercados, rótulos novos dividirão espaço com rótulos antigos. Os que foram fabricados antes e estiverem em circulação podem continuar sendo comercializados até o final do prazo de validade.
Hoje, olhando para trás e pensando em todos estes anos de luta para ver os rótulos adequados, eu sinto orgulho por tudo que conquistamos. Quem disse que não é possível ajudar a construir um mundo melhor?”
E você, tem alguma história pra compartilhar sobre a sua experiência ou alguma situação que ajudou a mudar sua vida, do seu filho, do planeta? Envie pra gente! blogvidaeacao@gmail.com