Além dos medicamentos falsificados, Três Graças, a nova novela da TV Globo que estreou nesta segunda-feira (20), tem como ponto central a maternidade solo e a gravidez na adolescência. A trama traz a história de Joélly (Alana Cabral), uma adolescente de 15 anos que confirma estar grávida após longo tempo de espera pela consulta numa unidade pública de saúde.
No local, a jovem ficou chocada com a grande quantidade de garotas gestantes, todas desacompanhadas dos pais dos bebês que esperam. A realidade é mais comum do que se pensa: no Brasil, 12% dos nascidos vivos têm mães adolescentes. A cada 20 segundos, uma adolescente se torna mãe na América Latina e no Caribe — cerca de 1,6 milhão de nascimentos por ano.
Segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), as taxas de gravidez na adolescência têm caído, mas a região ainda apresenta a segunda taxa de fecundidade adolescente mais alta do mundo, atrás apenas da África Subsaariana. Na América Latina, a gravidez na adolescência está fortemente associada à pobreza, evasão escolar e desigualdade de gênero.
Os dados foram apresentados no evento Futuro Sustentável – Prevenção da Gravidez na Adolescência na América Latina e Caribe, um encontro regional que reúne em Brasília (DF) representantes de governos, organismos internacionais e especialistas para fortalecer a cooperação e as políticas públicas voltadas à redução da gravidez na adolescência.
Maternidade-solo e vulnerabilidade social
A novela também escancara outra realidade: a grande maioria das meninas que engravidam tem que criar os filhos sem apoio dos pais das crianças. Uma situação que o autor da novela, Aguinaldo Silva, observou quando visitou uma maternidade pública do Rio de Janeiro para uma pesquisa para a novela “Duas Caras”, em 2007. Na ocasião, ele ficou espantado com a quantidade de meninas bem jovens grávidas na sala de espera.
Assim como a mãe, Gerluce (Sophie Charlotte), e a avó Ligia (Dira Paes), que engravidaram na adolescência e foram abandonadas, Joelly também não contará com o apoio do pai da criança, Raul (Paulo Mendes). O rapaz vem de uma família classe média alta: é filho de Arminda (Grazi Massafera), patroa de Gerluce.
Mas o mais chocante acontece na trama: sem condições de criar a filha, Joelly decide entregá-la para a adoção em troca de dinheiro, ajudando a salvar a vida do playboy, que é usuário de drogas e deve ao tráfico da comunidade da Chacrinha, comandado por Bagdá (Xamã). Para desespero da mãe e da avó que enfrentarão uma batalha para encontrar a criança, alvo de uma rede clandestina de adoção.
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Durante o evento promovido pelo UNFPA, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, disse que não é possível reduzir a desigualdade no Brasil e na América Latina sem reduzir os casos de gravidez na adolescência. Para ele, é preciso colocar esse tema no mais alto nível de discussão política e também levantar o debate nas escolas e nos espaços religiosos.
Não tem como enfrentar a gravidez na adolescência no Brasil se a gente não conseguir entrar nas igrejas que estão nos nossos territórios, sobretudo aquelas que tentam esconder o protagonismo, o papel e a importância das mulheres”, disse Padilha.
De acordo com ele, o Ministério da Saúde está trabalhando na reorganização da atenção primária, para que os profissionais saiam da estrutura da Unidade Básica de Saúde (UBS) para conhecer os territórios onde atuam. Segundo o ministro, essa organização ficou prejudicada após a pandemia de covid-19.
Os principais espaços de convivência e, talvez, de acolhimento das comunidades onde estão as populações mais vulneráveis são os espaços das igrejas, nas mais variadas denominações e matrizes religiosas”, afirmou.
Implanon pelo SUS pode reduzir gravidez na adolescência
O ministro também falou sobre a incorporação do implante contraceptivo popularmente conhecido como Implanon pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo ele, em projeto piloto, foi identificado que o Implanon é a melhor tecnologia para a população adolescente. Para isso, o ministério está trabalhando para garantir o acesso mais amplo possível, inclusive para que enfermeiros possam fazer o procedimento na atenção primária.
Não se pode falar em gravidez desejada ou planejada na adolescência. É, no limite, algo que aconteceu por não ter tido acesso às tecnologias, à informação e, muitas vezes, não ter tido acesso a direitos básicos, que é o da proteção do próprio corpo, da proteção contra a violência, que é, muitas vezes, o principal motivo dessa gravidez na adolescência”, reforçou.
O ministrou citou os impactos que isso traz para a vida da mulher e também dos filhos, como econômicos, educacionais, da dignidade de moradia e acesso à cultura e lazer. Entre outros temas debatidos no evento, Padilha comentou sobre a importância de reorganizar as tecnologias assistenciais para criar espaços seguros de escuta e promover o acesso à saúde aos adolescentes. No Brasil, ele destacou a iniciativa da caderneta digital do adolescente.
Achar que a gente vai atingir essas pessoas na nossa forma tradicional de organizar os serviços de saúde é não reconhecer que a gente está em um século absolutamente diferente, sobretudo essa geração que está muito à frente de cada um de nós”, disse.
Para Padilha, o tema deve estar no nível mais alto dos espaços governamentais e da sociedade pois, em geral, os adolescentes não tem espaço para pressionar a sociedade sobre suas demandas.
Às vezes, outros temas das mulheres chegam pela força do movimento, pela pauta, pela história […]. [Os temas da adolescência] não chegam porque, às vezes, não interessa a toda a indústria farmacêutica, como a saúde da mulher, como o tema do câncer, do câncer de mama, de tecnologias que significam alto custo”, disse.
O ministro ficou de levar o tema para a reunião dos ministros do Mercosul. Neste semestre, o governo brasileiro está na presidência do bloco sul-americano. Para Padilha, é possível pensar em programas para a América Latina, de transferência de tecnologia e assistência técnica, para que haja uma oferta sustentável e acessível aos programas de saúde de todos os países, como foi com a cooperação em vacinação.
Toda vez que a América Latina se reúne e na nossa diversidade encontra aquilo que nós temos em comum, nós conseguimos construir políticas públicas mais fortes e que mudam com mais força e rapidez a realidade da nossa região”, afirmou o ministro.
Com informações da Agência Brasil