Conviver diariamente com dor crônica ou com as limitações progressivas impostas pela Doença de Parkinson ainda é realidade para milhares de brasileiros. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 30% da população mundial sofra com dor persistente, condição que afeta não apenas a saúde física, mas também o bem-estar social e emocional. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, mais de 250 mil pessoas vivem com Parkinson, número que tende a crescer com o envelhecimento populacional.

Esse cenário reforça a urgência de ampliar o acesso a terapias já consolidadas em centros de referência internacionais, como a estimulaçãocerebralprofunda (DBS, na sigla em inglês), técnica utilizada pelo cantor e compositor Moacyr Luz, de 66 anos, recentemente. ‘Moa’, como é carinhosamente conhecido, sofre da doença há 17 anos e passou pela cirurgia no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, e em apenas três dias já estava em casa, no Rio de Janeiro.

O procedimento foi conduzido pelo neurocirurgião e professor da USP Erich Fonoff, diretor do Instituto Parkinson Hoje. Segundo o médico, o método é seguro e eficaz quando realizado por equipes experientes. À Globonews, ele falou sobre  os benefícios já percebidos após o procedimento.

Em entrevista concedida antes da cirurgia, Moacyr disse querer realizar “grandes desejos”, como roubar comida da geladeira. “Se hoje fizer isso, derrubo tudo. Quero também beber escondido. Tenho que ficar pedindo e as pessoas ficam sabendo quantas doses bebi”, disse ao Globo.

Moacyr Luz é um dos nomes mais reconhecidos do samba brasileiro e líder do projeto Samba do Trabalhador, tradicional roda de samba realizada há 20 anos toda segunda-feira no Clube Renascença, no bairro do Andaraí, zona norte carioca.

Diagnosticado com Parkinson em 2008, Moacyr enfrenta há 17 anos os efeitos progressivos da doença, que afeta os movimentos e causa tremores e rigidez muscular. Nos últimos meses, os sintomas se agravaram e os medicamentos já não eram suficientes para conter a evolução do quadro.

Como é feita a cirurgia

A Estimulação Cerebral Profunda consiste na implantação de eletrodos em áreas específicas do cérebro para regularizar a atividade dos neurônios afetados. Os pontos têm a função de emitir impulsos elétricos para regularizar o funcionamento dos neurônios doentes.  No Parkinson, os neurônios são superativados.

A DBS é utilizada para modular regiões específicas do cérebro e reduzir sintomas motores do Parkinson. O tratamento pode reduzir em até 60% os sintomas e diminuir pela metade a necessidade de medicamentos. A SBD é considerada uma técnica moderna com grande eficácia no tratamento do Parkinson: há pacientes que chegam a ter uma melhora próxima de 90% dos tremores e rigidez no corpo.

Segundo especialistas, se comparadas todas as terapias avançadas, a DBS ainda é o principal tratamento para a doença de Parkinson em estágio avançado. Mas nem todo doente é elegível à esse tipo de cirurgia.

Embora se trate de um procedimento cirúrgico e envolva o implante de um sistema de estimulação, sua capacidade de controlar diversos sintomas motores como rigidez, tremores e lentificação generalizada, além da possibilidade de ajustes nas configurações ao longo dos anos, permanece imbatível a médio e longo prazo”, afirma Marcelo Valadares, neurocirurgião funcional e pesquisador da Disciplina de Neurocirurgia na Unicamp. 

Segundo a neurocirurgia funcional Ingra Souza, o procedimento oferece alternativas que devolvem autonomia e qualidade de vida, especialmente em casos nos quais a medicação deixa de trazer resultados.

Quando os medicamentos perdem eficácia, a DBS se torna um recurso fundamental. O objetivo é permitir que o paciente mantenha independência funcional e dignidade ao longo dos anos”, afirma a especialista. “A dor crônica não pode ser vista como algo com o qual o paciente deve simplesmente aprender a conviver”, completa.

Neuromodulação: como uma roupa feita sob medida

Outro recurso disponível é a neuromodulação, técnica que regula os circuitos do sistema nervoso por meio de estímulos elétricos. O procedimento pode ser aplicado na medula espinhal, indicado para dores crônicas da coluna e neuropatias, ou diretamente no cérebro, em pacientes com Parkinson e distúrbios do movimento.

É um método minimamente invasivo, reversível e ajustado conforme a evolução de cada paciente. A programação é personalizada, como uma roupa feita sob medida”, explica a Dra. Ingra.

Para a especialista, os procedimentos não devem ser vistos como ponto final, mas como parte de um processo contínuo. “A neurocirurgia funcional precisa caminhar junto com neurologistas, fisioterapeutas, psicólogos e fonoaudiólogos. A reabilitação integrada garante melhores resultados e acolhe o paciente em sua totalidade”, destaca.

Humanização como parte do tratamento

Muitos pacientes chegam ao consultório acreditando que não há mais nada a ser feito. Para a Dra. Ingra, a informação e a escuta ativa fazem parte do cuidado. “Quando mostramos que existem técnicas seguras e eficazes, já transformamos a forma como o paciente enxerga sua condição. A empatia é o primeiro passo da terapêutica”, reforça.

A especialista alerta, porém, que ainda há desafios a superar. “Hoje, a neuromodulação está restrita a grandes centros. O próximo passo é democratizar esse tipo de tratamento, para que chegue a pacientes em diferentes regiões do Brasil.”

Com o envelhecimento populacional e a alta incidência de dor crônica e doenças degenerativas, a neurocirurgia funcional tende a se tornar cada vez mais central. “Os avanços tecnológicos já mostram que é possível devolver funcionalidades sem procedimentos irreversíveis. O futuro está em oferecer ciência com ética e cuidado humano”, conclui a Dra. Ingra Souza.

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Neurocirurgião comenta uso de ultrassom focalizado

A incorporação de novas tecnologias na prática médica e o avanço na compreensão dos mecanismos da doença têm reestruturado o cuidado e manejo clínico da doença de Parkinson. Um dos principais avanços nesse sentido é o ultrassom focalizado, uma terapia que possibilita intervenções menos invasivas e mais adaptadas às necessidades individuais do paciente.

Esta, que é a abordagem terapêutica mais recente para a doença de Parkinson, consiste em um procedimento cirúrgico, porém sem incisões, ou seja, sem cortes. Por meio de um transdutor, ondas sonoras de alta intensidade são direcionadas a uma área milimétrica do cérebro, elevando a temperatura até ‘destruir’ com precisão um núcleo, que nada mais é do que um aglomerado de neurônios relacionado aos tremores.

É uma alternativa avançada, que exige um mapeamento complexo e teste de procedimento, pois é uma lesão permanente e que pode trazer benefícios por alguns anos”, explica Marcelo Valadares, neurocirurgião funcional e pesquisador da Disciplina de Neurocirurgia na Unicamp. 

Chamado de ultrassom focalizado (FUS), o tratamento é indicado especialmente para pacientes com tremor essencial predominante em um dos lados do corpo, mas também pode ser recomendado para alguns casos de doença de Parkinson, nos quais esse sintoma é o mais evidente e igualmente mais intenso em um dos hemisférios. Nesses casos, a técnica tem se mostrado eficaz, proporcionando alívio quase imediato dos tremores, podendo melhorar a qualidade de vida de forma significativa. Além disto, os riscos associados ao procedimento são mínimos.

Para o Dr. Valadares, a redução do tremor — especialmente quando afeta o lado dominante do corpo — proporciona uma melhora substancial na coordenação motora, restaurando a autonomia dos pacientes e elevando sua qualidade de vida. “É uma nova alternativa, ainda destinada a um grupo restrito de pessoas que não desejam ou não apresentam condições clínicas para se submeter a uma cirurgia de neuromodulação”, reflete o médico.

Um dos principais benefícios do ultrassom focalizado é a redução imediata do tremor, já perceptível logo após o procedimento. A recuperação costuma ser rápida. Estudos indicam uma taxa média de sucesso em torno de 60%, especialmente entre os pacientes que se enquadram nos critérios para a técnica”, complementa.


DBS e produodopa: tratamentos continuam a evoluir

Inovações como a estimulação cerebral profunda (DBS), a administração de produodopa e o ultrassom focalizado aprimoram os métodos já consolidados e abrem caminho para terapias mais precisas e personalizadas. Essas abordagens atuam diretamente sobre um ou mais sintomas motores, minimizam os efeitos da progressão da doença e promovem maior qualidade de vida e autonomia aos pacientes.

Com submissão prevista à Anvisa em 2025, a produodopa é uma nova formulação da levodopa – principal medicamento usado no tratamento da doença de Parkinson – administrada por meio de uma bomba subcutânea, ou seja, aplicada sob a pele, o que dispensa a necessidade de procedimentos mais invasivos como a gastrostomia (abertura no estômago para introdução de sonda).

A infusão contínua ao longo de 24 horas ajuda a manter níveis mais estáveis do medicamento na corrente sanguínea, o que reduz as oscilações motoras comuns nas fases avançadas da doença.

Segundo o neurocirurgião, a produodopa é especialmente promissora por prolongar a chamada “janela terapêutica” – período em que o paciente responde bem à medicação – e por reduzir sintomas como flutuações motoras, em especial por permitir o fornecimento da medicação de forma mais linear. “Desta forma, o tratamento tende a proporcionar mais estabilidade motora e maior independência aos pacientes”, afirma o Dr. Valadares.

Abordagem consolidada no manejo dos tremores da doença de Parkinson, a estimulação cerebral profunda (DBS), tem passado por um processo contínuo de aprimoramento técnico. Com a seleção do paciente ideal, os resultados dessa terapia neuromodulatória aliviam os estágios mais avançados da doença.

A aplicação desse tratamento é especialmente útil para pacientes que sofrem, no Parkinson com flutuações motoras ou intolerâncias aos efeitos colaterais das medicações. “Muitos pacientes passam a maior parte do seu tempo em casa por medo de travar no meio do caminho e por ter o risco de queda aumentado. Reduzir esse sintoma é um modo de reinserir essa pessoa na vida social, aumentando sua qualidade de vida”, analisa o médico.

Segundo o Dr. Valadares, os tratamentos mais recentes são boas alternativas, mas com papéis específicos. “O ultrassom focado é menos invasivo e tem efeito rápido, porém se restringe a pacientes cujo único sintoma debilitante é o tremor, sendo indicado apenas para um dos lados do corpo. Já a produodopa, que deve chegar ao país ainda este ano, apesar de também exigir um dispositivo implantável, é mais simples e pode ser utilizada por pessoas sem condições clínicas de suportar uma cirurgia, permitindo o controle de manifestações motoras além do tremor, embora possa apresentar um custo elevado no médio e longo prazo”, finaliza.

A ampliação do acesso a esses tratamentos é fundamental para atender um número maior de pacientes e oferecer novas possibilidades terapêuticas para a recuperação da autonomia e qualidade de vida. “É crescente a expectativa de que o acesso a essas inovações sejam incorporadas de maneira mais ampla na prática clínica. Medidas que acelerem o acesso a esses tratamentos são sempre bem-vindas”, conclui o doutor.

Com Assessorias

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