Quando a princesa Kate Middleton, aos 42 anos, anunciou publicamente seu diagnóstico de câncer, o mundo parou. Não apenas pela figura pública que ela representa, mas pela surpresa: tão jovem, tão ativa, com tantos recursos — como assim? A mesma perplexidade acompanhou o caso da cantora Preta Gil, diagnosticada aos 48 anos com um câncer no intestino, vindo a falecer no último domingo, nos Estados Unidos, após dois anos e meio lutando contra a doença.
Diagnósticos de câncer colorretal na faixa etária de Preta Gil e Kate Middleton estão cada vez mais frequentes e revelam uma tendência preocupante: o câncer está atingindo adultos jovens em todo o mundo com uma velocidade maior do que se imaginava. Segundo estudos internacionais, a incidência de câncer em pessoas com menos de 50 anos aumentou quase 80% nas últimas três décadas. Os tipos que mais crescem entre jovens são os de mama, cólon, pâncreas, tireoide, rim e fígado.
Um estudo publicado na revista britânica BMJ Oncology, mostrou que, nas últimas três décadas, houve um aumento de 79% em novos casos de câncer em pessoas abaixo dos 50 anos, com mais de 1,8 milhões de diagnósticos em todo o mundo. O tumor de mama foi o mais prevalente, mas os de traqueia e próstata vêm sendo cada vez mais comuns entre pessoas com menos de 50 anos, de acordo com a pesquisa.
Dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) revelam que a incidência global de tumores malignos deve saltar de 20 milhões de novos casos (2022) para 35 milhões em 2050, um aumento equivalente a 77%. Além disso, cerca 53,5 milhões de pessoas atualmente estão vivendo com câncer, considerando o período de prevalência da doença no período de cinco anos.
Mais de 1 milhão de pessoas com menos de 50 anos morreram em decorrência de tumores em 2019, um aumento de pouco menos de 28% em relação aos números de 1990. Com base nas tendências observadas nas últimas três décadas, os investigadores estimam que o número global de novos casos de início precoce e de mortes aumentará mais de 31% e 21%, respectivamente, em 2030.
Panorama global do câncer
Atualmente, considerando uma prevalência de 5 anos da doença, a OMS informa que aproximadamente 53,5 milhões de pessoas estão vivendo com câncer em todo mundo, sendo que 1,6 milhão delas estão no Brasil – um número que, conforme as perspectivas da entidade, seguirá crescendo.
As projeções indicam uma tendência de elevação dos índices mundiais de detecção do câncer, chegando ao patamar médio de aumento de 77% em 2050 quando comparado ao cenário registrado em 2022, com 20 milhões de novos casos da doença. Isso significa que nas próximas décadas uma a cada 5 pessoas terá câncer em alguma fase da vida.
Em 2022, 10 tipos de câncer representaram dois terços dos novos casos e dos 9 milhões de óbitos decorrentes da doença. O de pulmão foi o mais comum em todo mundo, com 2,5 milhões de diagnósticos (12,4% do total), seguido do câncer de mama feminino (2,3 milhões, ou 11,6%), colorretal (1,9 milhão, 9,6%), próstata (1,5 milhão, 7,3%) e estômago (970 mil, 4,9%). Globalmente, tumores de pulmão (18,7%), colorretal (9,3%) e fígado (7,8%) foram as principais causas de óbito pela doença.
No Brasil, dos 1.634.441 pacientes oncológicos em 2022 — incluindo os novos casos e aqueles diagnosticados em cinco anos —, 278.835 morreram, principalmente de tumores de pulmão, mama feminino e colorretal. As três maiores incidências foram próstata (102.519), mama feminino (94.728) e colorretal (60.118). O risco de desenvolver qualquer tipo de câncer no país antes dos 75 anos foi de 21,5%, sendo maior (24,3%) entre os homens.
Considerando a previsão de novos casos em 2050, o Brasil deve registrar 1,15 milhão de novos casos, um aumento de 83,5% em comparação a 2022. As mortes por câncer também devem ter um aumento considerável: 554 mil, 98,6% a mais do que o atual volume registrado de óbitos pela doença no país.
Diferenças regionais são fundamentais para entender a doença
Apesar de o câncer ser ainda uma doença que afeta majoritariamente pessoas na terceira idade, estando vinculada diretamente à longevidade, a análise serve como um alerta nas políticas de conscientização sobre a importância do acompanhamento médico periódico e realização de exames de rotina para detecção precoce do câncer.
É preciso estimular a conscientização da população em geral sobre como é feita a detecção precoce de tumores e disponibilizar os serviços necessários, que incluem médicos, exames e tecnologias. Quanto mais cedo descoberta a doença, melhor o prognóstico, com resultados positivos às terapias e maiores chances de cura”, explica Carlos Gil Ferreira, presidente do Instituto Oncoclínicas.
Países de rendimento baixo a médio, como o Brasil, o câncer precoce teve um impacto muito maior nas mulheres do que nos homens, tanto em termos de mortes como de problemas de saúde subsequentes. Isso pode estar conectado, por exemplo, às dificuldades de acesso de exames diagnósticos e medidas preventivas, como a vacina contra o HPV.
Além dos fatores genéticos e hábitos de vida, a doença tem um componente grande socioeconômico, e o olhar para as diferenças regionais são fundamentais para sabermos onde precisamos melhorar e para onde precisamos ir. Em muitos locais, a sobrevida de alguém pode ser influenciada por acesso a uma vaga em um hospital, um simples transporte, vacinação ou mesmo uma renda que dê para um suporte necessário em tratamentos mais agressivos, como uma nutrição adequada”, descreve Carlos Gil.
Alimentos ultraprocessados, falta de sono, estresse e poluição
Segundo especialistas, o câncer colorretal é uma doença silenciosa que pode permanecer assintomática por anos. Questões como envelhecimento da população, alterações no microbioma intestinal e desequilíbrios hormonais e exposição a pesticidas, estão diretamente associados ao aumento de casos em adultos jovens.
A médica Clarissa Oliveira, mestre em Genética e Bioquímica, estudiosa de Medicina de Precisão e pesquisadora de marcadores de envelhecimento bem sucedido, acompanha essa mudança de perfil de perto. Para ela, os motivos são muitos — e começam bem antes do diagnóstico.
Nosso estilo de vida mudou drasticamente nas últimas décadas. Hoje comemos mais alimentos ultraprocessados, dormimos menos, vivemos sob estresse constante, respiramos um ar mais poluído, estamos expostos a disruptores endócrinos e cada vez mais distantes da natureza e do movimento. Tudo isso inflama silenciosamente o corpo e favorece o surgimento de doenças crônicas como o câncer”, explica.
Ao mesmo tempo, muitos desses pacientes acabam sendo diagnosticados mais tardiamente, por não estarem na faixa etária das campanhas de rastreamento. Por isso, a ausência de rastreamento para detecção precoce da doença também pode contribuir com o aumento de casos entre jovens.
Tem prevenção e tem cura com diagnóstico precoce
Precisamos mudar o foco da saúde para a prevenção real. Isso inclui alimentação viva e colorida, atividade física regular, sono de qualidade, controle do estresse, reposição de nutrientes de forma individualizada e redução da exposição a toxinas ambientais”, reforça a médica.
A doença também pode ser detectada em fase inicial, aumentando as chances de cura. O diagnóstico precoce é feito durante o exame de sangue oculto nas fezes e na colonoscopia. Esse último exame é invasivo, mas totalmente indolor e pode ser feito a partir dos 45 anos ou até antes se houver histórico familiar ou sintomas da doença. Por isso é importante ficar atento a alguns sinais de alerta, como sangramento nas fezes e alterações no trânsito intestinal, e procurar logo um médico.
Ainda que os números assustem, há um caminho possível. O diagnóstico precoce e a mudança de hábitos podem reverter muitas histórias. E se antes o câncer era uma conversa adiada para depois dos 60, hoje ele exige atenção já a partir dos 30. Como mostram os casos de Kate e Preta Gil, o tempo do cuidado é agora”, enfatiza a especialista.
Confira a seguir os principais dados do Globocan 2022:
Mundo:
Número de novos casos de câncer: 19.965.054
Número de mortes: 9.736.520
Número de prevalência de casos da doença (5 anos): 53.490.304
Top 3 por incidência: Pulmão, Mama e Colorretal
Top 3 por letalidade: Pulmão, Colorretal e Fígado
Número de novos casos previstos para 2050: 35 milhões
Brasil:
Número de novos casos de câncer: 627.193
Número de mortes: 278.835
Número de prevalência de casos da doença (5 anos): 1.634.441
Top 3 por incidência: Próstata, Mama e Colorretal
Top 3 por letalidade: Pulmão, Colorretal e Mama
Com Assessorias