O longa mostra como a artista – que foi uma das principais figuras da música do século 20 – lida com a falta de apetite e o uso abusivo de medicação. Maria Callas sofreu com vício em medicamentos, incluindo anfetaminas, hipnóticos e sedativos. Nos anos 1950, o marido de Callas a apresentou a um médico que prescrevia “vitaminas líquidas”, que era um código para anfetaminas.
Mandrax: remédio dá nome a jornalista imaginário
Dirigido por Pablo Larraín, o filme retrata os últimos dias da artista e mostra bastante o uso excessivo de remédios pela protagonista. Perdida em devaneios, Callas (interpretada magnificamente por Angelina Jolie) passeia por Paris acompanhada de um jornalista imaginário chamado Mandrax (Kodi Smit-McPhee), o nome do remédio à base de metaqualona que ela tomava indiscriminadamente.
“O que você tomou?”, pergunta o mordomo (Pierfrancesco Favino), quando a patroa visita seu armário repleto de remédios. “Tomei liberdades a vida inteira”, responde ela, “e o mundo tomou liberdades comigo.”
O mordomo é, de longe, o personagem mais tocante do filme. Ele está convencido de que Callas deve procurar um médico para falar de todos os remédios que ela está tomando. Mas a artista tem outros planos. E decide gravar uma profunda entrevista.
“Essa equipe de televisão é real?”, pergunta o mordomo. A resposta é não. Os membros da equipe são alucinações e Callas sabe disso. Mas ela conversa com suas “visões” sem nenhuma restrição.
Romance abusivo com o multimilionário Onassis
A principal preocupação do filme, no entanto, é o romance conturbado entre Callas e o multimilionário Aristóteles Onassis (Haluk Bilginer). O relacionamento com claros sinais de abuso psicológico começa em um coquetel em 1957, quando o magnata da navegação anuncia, a poucos metros de distância do marido dela, que os dois estavam destinados a ficar juntos.
Nos dias que antecedem a sua morte, Callas conta aos seus empregados que o fantasma de Onassis ainda a visita todas as noites. Talvez ela tenha ficado obcecada por ele até o fim.
Apesar do namorado, que não a incentivava a cantar mais, fazendo-a se sentir enclausurava como um passarinho numa gaiola, Maria Callas foi reconhecida pelo seu próprio talento em vida. Por isso, parece um insulto dedicar mais atenção ao seu namorado do que às suas imensas conquistas e conflitos tempestuosos.
Desejo desmedido por adulação
O filme mostra a deterioração física e emocional da cantora. Também expõe como a estrela nutria um desejo desmedido por adulação. O diálogo improvável entre a cantora e seu mordomo sugere que Callas é mais do que um ser humano – é um ícone.
O filme também é carregado de admiração e reverência, para gerar empatia pela sua heroína supostamente frágil. Larraín e sua equipe se recusam a fazer a heroína descer do seu pedestal. Por isso, eles não atribuem a ela nenhuma vulnerabilidade, nem a divertida vivacidade da Maria Callas real que pisca o olho e ri em frente à câmera, durante trechos de filmagens antigas nos créditos finais.
Ao longo de todo o filme, diversas pessoas traçam a distinção entre “Maria”, a mulher, e “La Callas”, a diva sobre-humana. E, apesar do título original, Maria certamente é um filme sobre “La Callas”.
De forma nada comum para alguém dependente de drogas e doente terminal, a Callas de Jolie está sempre magnífica, sempre soberba e digna, confiante e imperturbável, soltando gracejos para quem quer que cruze seu caminho.
Pela sua interpretação como ‘La Callas’, Angelina Jolie foi indicada para o Globo de Ouro de melhor atriz em filmes dramáticos, ao lado de Kate Winslet (Lee), Nicole Kidman (Babygirl), Pamela Anderson (The Last Showgirl) e Tilda Swinton (O Quarto ao Lado). A vencedora foi Fernanda Torres, por sua atuação em Ainda Estou Aqui.
Mais sobre o filme
Com roteiro de Steven Knight, o filme começa em Paris, no ano de 1977. O corpo de Callas é removido do seu suntuoso apartamento. A narrativa então retorna em uma semana e nos leva para os dias finais da personagem.
Callas já havia deixado de se apresentar há muito tempo e passa o tempo sob o olhar atento do seu mordomo e da governanta (Alba Rohrwacher). Ambos são muito dedicados a ela, apesar da insistência da cantora em mover seu piano de cauda todos os dias, de um cômodo para outro.
Callas vai a uma casa de ópera para ver se sua debilitada voz pode ser trazida de volta aos seus tempos de glória. No filme, a voz de Jolie é mixada com gravações originais de Callas.
A entrevista imaginada por Callas com o jornalista inexistente é um pretexto arquitetado para que Larraín possa reconstruir episódios do passado de Callas, alguns deles filmados em proporções de tela diferentes e em preto e branco.
Podemos, assim, ver Maria Callas cantando para oficiais nazistas quando era adolescente na Grécia, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). E também observamos a artista roubando a cena ao substituir outra cantora no último minuto em Veneza, em 1949.
A narrativa explora os conflitos internos da cantora e as pressões externas que enfrentou e retrata o triste e melancólico fim de vida da artista, que deixou um legado imortal ao partir em 1977.