Para muitas mulheres, o sonho da maternidade faz parte de um projeto de vida, tornando cada história única. A decisão de ter filhos traz à tona uma etapa importante de planejamento, adaptada à realidade e aos desafios dos futuros pais. Um deles, muitas vezes pouco discutido, é a descoberta do câncer de mama durante a idade fértil, que costuma causar apreensão quanto a necessidade de adaptar os planos iniciais e recalcular a rota.
Para 2025, são esperados cerca de 704 mil novos casos de câncer por ano no Brasil, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca). Desses, estima-se a ocorrência de 73.610 novos casos de câncer de mama, com uma taxa de 66,54 casos por 100 mil mulheres, resultando em aproximadamente 18 mil mortes.
Um estudo realizado pelo Instituto do Câncer de São Paulo notou um aumento significativo de diagnósticos de câncer de mama em mulheres com menos de 40 anos. Durante a pesquisa, aproximadamente 500 mulheres jovens foram atendidas e 68% delas já estavam com o tumor em estágio avançado. Outra comparação realizada foi sobre o registro da doença em outros países: enquanto nos Estados Unidos 5% das pacientes possuem menos de 40 anos, no Brasil são 15%.
O Dia Mundial do Câncer (4/2) é uma oportunidade para a disseminação de informações sobre a prevenção e o controle da doença, mas também para levar questões atuais à população em geral. Uma delas é a preservação da fertilidade de homens e mulheres que sonham com a maternidade após tratamentos oncológicos.
‘Quimioterapia, embora eficaz, pode comprometer a produção de espermatozoides’
Principal forma de combater o câncer, a quimioterapia, embora eficaz, pode comprometer a produção de espermatozoides. Os medicamentos utilizados podem danificar o DNA e a estrutura celular dos testículos, resultando em uma redução significativa na contagem e qualidade dos espermatozoides”, afirma Maurício Chein, especialista em reprodução assistida do Grupo Huntington.
Em alguns casos, pode ocorrer ausência temporária ou permanente de espermatozoides, dependendo do tipo e da dosagem da quimioterapia. Já a radioterapia, que utiliza radiações ionizantes para eliminar células cancerígenas, também pode afetar a fertilidade quando direcionada à região pélvica, danificando diretamente os tecidos responsáveis pela produção de espermatozoides, com efeitos colaterais variando conforme a dose e a localização da radiação.
No caso das mulheres, os tratamentos podem danificar os óvulos e os folículos ovarianos, diminuindo a reserva ovariana e a quantidade disponível para fertilização. Além disso, podem causar irregularidades no ciclo menstrual e até menopausa precoce, especialmente em adolescentes ou crianças que passaram por quimioterapia antes da puberdade.
Preservação da fertilidade antes do início dos tratamentos
Para homens e mulheres diagnosticados com câncer, há opções de preservação da fertilidade antes do início dos tratamentos. A técnica de criopreservação do sêmen, por exemplo, é um processo que envolve o congelamento e armazenamento de espermatozoides. É utilizada para preservar a fertilidade masculina, permitindo que o sêmen seja mantido por longos períodos sem perda significativa de viabilidade, garantindo a possibilidade de concepção futura. Após o congelamento, o paciente pode recorrer à inseminação artificial ou a fertilização in vitro.
A criopreservação de óvulos e tecidos ovarianos, além da supressão medicamentosa da função ovariana, oferecem alternativas viáveis para que o sonho da maternidade seja realizado após a superação do câncer. A oncofertilidade proporciona a mulheres que enfrentam a doença a oportunidade de planejar uma gestação futura, apesar dos riscos que os tratamentos podem representar para a fertilidade.
Com os avanços nas técnicas de preservação de óvulos, embriões e tecidos ovarianos, as mulheres, inclusive as mais jovens, que ainda não planejam uma gestação podem se sentir mais seguras para sonhar com a maternidade após a superação da doença, garantindo que os planos e desejos para a vida familiar sejam alcançados”, afirma Dr Maurício.
ANS pode cobrir o tratamento de preservação da fertilidade para pacientes oncológicas?
Apesar de ainda ser um tema bastante discutido, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que as operadoras de planos de saúde possuem a obrigatoriedade de custear a criopreservação (processo de congelamento de óvulos ou sêmen) de pacientes oncológicos até a alta do tratamento de quimioterapia.
Segundo o órgão, é entendido que se o plano de saúde cobre o tratamento, deve prevenir também os efeitos adversos previsíveis – como é o caso da infertilidade. Contudo, após esse período, o tratamento de reprodução assistida deve ser realizado de maneira individual.
A paciente que passará pela criopreservação é protegida pelo Código de Defesa do Consumidor. Por isso, caso o plano de saúde apresente uma negativa, é possível recorrer à decisão para que o congelamento seja mantido até o final da quimioterapia”, finaliza o Dr. Edson Borges.
Alternativas para realização do sonho da maternidade
Apesar do aumento de diagnósticos da doença em pacientes jovens, novos caminhos podem contornar os desafios de mulheres que desejam ter filhos no futuro
Muitas pacientes jovens nos procuram com o sonho de engravidar. O ideal é que esse planejamento aconteça logo no início do tratamento, pois a quimioterapia, radioterapia e até mesmo cirurgia podem acabar afetando a fertilidade por promoverem lesões nos ovários. Contudo, com o avanço das novas tecnologias, temos alternativas que contornam essa trajetória, como é o caso da preservação de óvulos através do congelamento”, explica o Dr. Edson Borges Jr, diretor científico do Fertgroup.
E, indo além do câncer de mama, o especialista ressalta que a orientação para outros tipos de tumores é a mesma e sempre deve ser discutida com uma equipe multidisciplinar. “Independente do tipo de câncer e do tratamento realizado, devemos sempre entender a história de vida daquela paciente e considerar seus sonhos futuros”.
Diante do cenário atual, em que a mulher deixa para engravidar cada vez mais tarde, coincidentemente pode ocorrer de, neste mesmo momento, ela ser surpreendida com um diagnóstico de câncer, o que pode colocar em risco o sonho da gravidez. É o que explica a Dra. Maria Cecília Erthal, especialista em reprodução assistida do Vida Centro de Fertilidade, unidade do Fertgroup no Rio de Janeiro.
“Por isso, o acompanhamento da fertilidade deve começar por volta dos 25 anos, muito antes de qualquer possibilidade de diagnóstico de câncer. Esse cuidado pode auxiliar em um congelamento antecipado dos óvulos, que atua como uma forma de preservar desde cedo a fertilidade, caso haja alguma intercorrência no processo”.
Um novo caminho
O objetivo da oncofertilidade é hoje muito mais amplo, deixando no passado a não importância dos prejuízos do tratamento, que muitas vezes impactavam no bem-estar físico, mental e social das mulheres com câncer.
Apesar de o congelamento de óvulos ser a técnica mais comum, há também a possibilidade do congelamento de embriões, do tecido ovariano e da supressão ovariana.
Esse é um processo muito delicado e que deve ser levado em consideração cada possibilidade e os desejos da família. Um olhar que vai além da saúde física, cuidando também da parte emocional daquela paciente, é a chave para que a trajetória seja a mais leve possível dentro de todos os desafios propostos”, orienta a Dra. Maria Cecília Erthal.
Para a realização do processo de congelamento de óvulos, é inicialmente feito a indução da ovulação através de medicamentos que estimulam o desenvolvimento e amadurecimento dos óvulos. Em seguida, com a paciente sedada, é feita a coleta dos óvulos para posteriormente ser realizada a seleção daqueles que estão saudáveis. Quanto ao congelamento, a técnica é feita com nitrogênio líquido, mantendo os óvulos à disposição da paciente para uma gravidez no futuro.
É fundamental que a paciente converse com o seu médico sobre os tratamentos disponíveis para a preservação da fertilidade. Contudo, vale destacar que nem toda paciente submetida ao tratamento oncológico ficará infértil. Isso irá depender do tipo do tumor, localização no corpo, terapias realizadas e sua intensidade”, reforça a médica.
Com Assessorias