Uma consulta pública aberta pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para avaliar operadoras de planos de saúde em relação ao tratamento de câncer levou entidades médicas e ativistas a entenderem que o Ministério da Saúde pretendia aumentar a idade mínima para realização de mamografia na saúde privada. A proposta da ANS em avaliação poderá alinhar o rastreamento do câncer de mama no sistema de saúde suplementar à política atualmente adotada pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Por meio da Consulta Pública nº 144, a autarquia que regula as operadoras privadas de saúde no Brasil pretende que exame seja feito a partir de 50 anos de forma bienal, seguindo a recomendação do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Essa possibilidade tem provocado protestos entre entidades médicas. Atualmente, a maior parte das operadoras segue a recomendação das entidades médicas, viabilizando o rastreio mamográfico anual em mulheres de 40 a 69 anos.

O Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem (CBR), a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), a Federação Brasileira de Associações de Ginecologistas e Obstetras (Febrasgo) e a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc) defendem fortemente o rastreamento mamográfico anual para todas as mulheres a partir dos 40 anos, inclusive no SUS, conforme garantido pela Lei n° 14.335 de 2022.

 

Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM): proposta dificulta ainda mais o rastreamento

Mulheres com idades entre 40 e 50 anos respondem por 40% dos casos de câncer de mama no Brasil. A esta estatística preocupante acrescentem-se a incidência e mortalidade em decorrência da doença, que vêm aumentando progressivamente nos últimos anos. Diante deste panorama, a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) vê com preocupação um indicador proposto na Consulta Pública nº 144 pela ANS, responsável pela regulação, normatização, controle e fiscalização de operadoras e planos privados de assistência à saúde.

A consulta pretende a realização do rastreamento organizado de câncer de mama por meio de mamografia em beneficiárias entre 50 e 69 anos a cada dois anos. “Discordamos frontalmente deste indicador, que pode se igualar à idade mínima e à periodicidade do exame que o Sistema Único de Saúde (SUS) preconiza”, afirma Henrique Lima Couto, coordenador do Departamento de Imagem Mamária da SBM e vice-presidente da SBM-MG. “Em três décadas, esta forma de rastreamento não diminuiu os casos avançados de câncer de mama, tampouco reduziu a mortalidade.”

A Consulta Pública nº 144 propõe alterações na Resolução Normativa (RN) nº 506, de 30 de março de 2022, que institui o Programa de Certificação de Boas Práticas em Atenção à Saúde de Operadoras de Planos Privados de Assistência à Saúde. “De forma geral, o programa vai melhorar a assistência de saúde das mulheres com câncer de mama”, observa Henrique Lima Couto. No entanto, o mastologista traz à discussão a possibilidade da mudança da idade mínima do rastreamento mamográfico para 50 anos.

Conforme a DUT 52 do Rol de Procedimentos da ANS, hoje a cobertura de mamografia digital é obrigatória para mulheres na faixa etária entre 40 e 69 anos. “Da forma como a agência propõe, as brasileiras que têm plano de saúde vão perder o direito de mamografia digital em qualquer idade. Também não poderão fazer o exame anualmente. E ainda não terão o direito de realizá-lo a partir dos 40 anos”, ressalta o especialista.

A SBM, que em conjunto com a Febrasgo e o CBR, recomenda a idade mínima de 40 até 74 anos para rastreamento de câncer de mama no País, tanto na rede pública quanto no sistema suplementar, justifica sua preocupação a partir da votação da Consulta Pública nº 144. No SUS, com rastreamento bienal entre 50 e 69 anos, apenas 5% dos diagnósticos são carcinoma in situ, ou em estágio inicial; 40% são estágios localmente avançado ou metastático, o que comprova, na prática, a total ineficácia do modelo proposto.

A mortalidade do câncer de mama no Brasil e na América Latina, de acordo com a SBM, sobe continuamente desde 1990, diferentemente dos países desenvolvidos. No ano passado, nos Estados Unidos, o US Preventive Services Taks Force, painel voluntário independente de especialistas que ajudam a orientar as decisões dos médicos e influenciam os planos de saúde, passou a recomendar o rastreamento mamográfico a partir dos 40 anos de idade de forma bienal.=

“O cenário ideal neste momento, por parte da Sociedade Brasileira de Mastologiade outras entidades igualmente comprometidas com o enfrentamento do câncer de mama no Brasil, seria continuar as discussões que visam à redução da idade limite para a realização da mamografia no SUS, e não o aumento da faixa etária para o exame, como propõe a ANS”, afirma. “As mulheres beneficiadas pelos planos de saúde não podem perder um direito tão fundamental para as suas vidas”, conclui Henrique Lima Couto, da SBM.

40% dos diagnósticos de câncer de mama ocorrem abaixo dos 50 anos

Em nota, a Femama – Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama se posicionou contra a recomendação de rastreamento bienal entre 50 e 69 anos e considera a proposta “um retrocesso”. Segundo a Femama, o diagnóstico precoce e o acesso rápido ao tratamento interferem positivamente nas chances de cura. O único benefício da alteração é a redução de custos com exames para as operadoras. E ressalta, ainda, que os custos com diagnósticos avançados a longo prazo não estão sendo considerados.

A entidade – que promove a campanha anual Outubro Rosa – ressalta que 40% dos diagnósticos de câncer de mama, em mulheres brasileiras, são realizados abaixo dos 50 anos e que 22% das mortes acontecem neste grupo. “Portanto, de acordo com a incidência, o mais recomendado é que as operadoras de saúde continuem seguindo a recomendação das entidades médicas sobre o rastreio mamográfico anual a partir dos 40 anos”, diz a nota.

Considerando que a diferença na taxa de sobrevida para mulheres entre 40-50 anos que tiveram seu diagnóstico pelo rastreamento mamográfico é de 25% a mais em 10 anos, o único benefício da alteração da diretriz proposta com a certificação é a redução de custos com exames para as operadoras. Vale ressaltar, ainda, que os custos com diagnósticos avançados a longo prazo não estão sendo considerados”, disse a entidade na nota.

CFM e Abramge também são contra

O Conselho Federal de Medicina (CFM) também criticou a proposta da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para recomendar mamografias apenas a partir dos 50 anos e disse que a “mudança pode prejudicar o acesso ao diagnóstico precoce, comprometendo as chances de detecção em estágios iniciais, fundamentais para aumentar as taxas de cura”.

O CFM reitera que a política do SUS “é equivocada, pois desconsidera a crescente incidência da doença em mulheres mais jovens e as evidências científicas que sustentam a importância de iniciar as mamografias aos 40 anos”. Ainda segundo o CFM, este seria “um momento oportuno para reavaliar tal diretriz, corrigindo falhas que impactam negativamente a saúde das mulheres brasileiras”.

Comprometido com análises técnico-científicas, o CFM defende políticas públicas que atendam às necessidades reais da população. Decisões que afetam a saúde das mulheres devem ser baseadas em evidências robustas e amplamente debatidas, visando assegurar um cuidado mais eficaz e equitativo em todo o território nacional”, diz a nota do CFM.

Diante da polêmica, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) veio a público para informar oficialmente que “permanece alinhada aos protocolos adotados pelas sociedades médicas que recomendam o rastreio anual do câncer de mama para todas as mulheres a partir dos 40 anos”. A entidade informou ainda que “apoia fortemente programas de prevenção e reforça que a atenção primária à saúde é sempre o melhor caminho para a manutenção de uma sociedade saudável”.

Apresentadora faz campanha contra possível mudança

Ana Furtado usa touca térmica para efeitos da quimioterapia
Ana Furtado usa touca térmica para conter os efeitos da quimioterapia (Foto: Instagram)

Nas redes sociais, mulheres se manifestam contra a possibilidade aventada pela ANS. A apresentadora Ana Furtado, que enfrentou o câncer de mama aos 44 anos, pediu para que as mulheres votassem contra a proposta na consulta pública aberta pela autarquia.

Tive câncer de mama aos 44 anos de idade. Só estou aqui fazendo esse alerta para vocês porque fiz mamografia de rastreio desde os 40 anos de idade e descobri um tumor inicial e me curei”, alertou Ana, em vídeo publicado no Instagram pessoal.

Possibilidade de falsos positivos ou falsos negativos

A consulta, publicada no DOU (Diário Oficial da União) de 3 de dezembro de 2024, estabeleceu um prazo de 45 dias para que a população participasse, com criticas e sugestões. A medida faz parte do Programa de Certificação de Boas Práticas em Atenção Oncológica – OncoRede e o prazo terminou nesta quinta-feira (23).

Umas das justificativas para a mudança na idade, segundo a ANS, é que, quando se faz a mamografia em pacientes abaixo dos 50 anos, existe a possibilidade de falsos positivos ou falsos negativos, devido a densidade das mamas. A agência reguladora argumentou que a proposta em discussão funciona para fins de certificação das operadoras como boas praticantes em oncologia.

A certificação oncológica tem como objetivo melhorar a qualidade do atendimento aos pacientes oncológicos. As operadoras certificadas oferecerão um serviço diferenciado, incluindo o rastreamento de mamografias em suas carteiras para identificar precocemente o câncer, ajudando a salvar vidas de mulheres”, informou em nota.

A ANS ressaltou ainda que o processo de certificação é voluntário, ou seja, não é obrigatório. “Para se certificar, a operadora deverá cumprir os requisitos do Manual de Certificação de Boas Práticas em Atenção Oncológica e ser avaliada por uma entidade acreditadora de saúde, escolhida entre as homologadas pela ANS”, destacou.

Confira abaixo a nota da ANS 

Em resposta, a ANS publicou nota afirmando que não haverá mudanças no rol de cobertura. Confira as informações abaixo.

Esclarecimento sobre cobertura assistencial e certificação em atenção oncológica

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informa que está realizando a Consulta Pública 144, que tem como objetivo receber contribuições para a alteração da Resolução Normativa 506, de 30 de março de 2022, que trata do Programa de Certificação de Boas Práticas em Atenção à Saúde, especificamente, no que diz respeito à Certificação de Boas Práticas em Atenção Oncológica – OncoRede.

Na proposta de norma ora em discussão, para fins de certificação, é sugerido como um dos critérios de pontuação a realização de rastreamento populacional do câncer de mama bienalmente com mamografia em mulheres de 50 a 69 anos, conforme métrica utilizada pelo Instituto Nacional do Câncer/Ministério da Saúde, que preconiza que o rastreio do câncer deve ser direcionado às mulheres na faixa etária e periodicidade em que há evidência conclusiva sobre redução da mortalidade por câncer de mama e que o balanço entre benefícios e possíveis danos à saúde dessa prática seja mais favorável. Dessa forma, o rastreamento do câncer de mama deve ser realizado bienalmente com mamografia, em mulheres de 50 a 69 anos (INCA, 2021).

É preciso esclarecer, então:

1 – Que a consulta pública 144 propõe como um dos critérios a serem avaliados para fins de certificação de boas práticas em oncologia a realização de rastreamento populacional do câncer de mama, por meio de contato proativo realizado pelas operadoras de planos de saúde com suas beneficiárias em idades entre 50 e 69 anos, conforme metodologia de estudo utilizada pelo Inca, instituto que é referência no país no tratamento de câncer. Atualmente, há 18,9 milhões de mulheres com plano de saúde nessa faixa etária;

2 – Que a proposta não tem relação e não altera a cobertura assistencial garantida pelo Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, que dá direito ao exame do câncer de mama com mamografia bilateral para mulheres de qualquer idade, conforme indicação médica, e com mamografia digital para mulheres de 40 a 69 anos.

Sendo assim, a certificação oncológica tem como objetivo melhorar a qualidade do atendimento aos pacientes oncológicos. As operadoras certificadas oferecerão um serviço diferenciado, incluindo o rastreamento de mamografias em suas carteiras para identificar precocemente o câncer, ajudando a salvar vidas de mulheres. Vale ressaltar ainda que o processo de certificação é voluntário, ou seja, não é obrigatório. Para se certificar, a operadora deverá cumprir os requisitos do Manual de Certificação de Boas Práticas em Atenção Oncológica e ser avaliada por uma entidade acreditadora de saúde, escolhida entre as homologadas pela ANS.

Feito o esclarecimento, a ANS destaca que a Consulta Pública 144 segue em andamento e os interessados no tema podem enviar contribuições por meio do formulário da Consulta Pública nº 144,  disponível no portal da ANS, até a próxima sexta-feira, 24/01/2025. 

Com Assessorias e Agências

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