Dois casos graves estão sendo investigados no Brasil – um em Belém (PA) e outro em Parelhas (RN). Ao todo, 39 pacientes foram atingidos, sendo que 18 perderam a visão. Em ambos os casos, a suspeita é de que houve falhas na higienização do ambiente onde ocorreram as cirurgias.

O presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO),  Oswaldo Moura Brasil, ressalta que a cirurgia de catarata é um procedimento seguro, mas que exige o cumprimento das normas de higiene e esterilização.

Todo procedimento cirúrgico deve ser feito dentro de um ambiente adequado, com os cuidados adequados. Quando feito dessa forma, a cirurgia de catarata é sim uma cirurgia bastante segura, é uma cirurgia que permite a recuperação da visão. Então, assim, esse tipo de quadro de endofitalmite é realmente uma coisa muito rara, uma complicação muito rara e que não deve desestimular as pessoas que têm de fato indicação para cirurgia a fazerem dentro do ambiente com o profissional adequado”.

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Entenda os casos

10 pessoas perderam a visão em clínica de Belém

O centro cirúrgico de uma clínica em Belém (PA) conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS) foi interditado depois que 24 pacientes submetidos a cirurgia de catarata tiveram uma infecção rara – dez deles perderam a visão.

Entre as vítimas, está o fotógrafo Ari Mesquita, que fez a cirurgia em junho e perdeu a visão do olho esquerdo. “Na manhã seguinte, eu tirei o curativo do olho para começar o tratamento com o colírio e percebi que estava muito inflamado meu olho”, contou ao Jornal Nacional, da TV Globo.

A dona de casa Doralice Araújo foi submetida a uma cirurgia na mesma clínica em julho. Os problemas começaram no dia seguinte à operação. Ela perdeu o globo ocular esquerdo. “Foi feita a limpeza cirúrgica e propuseram um transplante de córnea, mas três dias depois simplesmente não teve condições, a inflamação estava muito forte”, conta.

A Clínica São Lucas declarou que investiga o que teria causado a contaminação por endofitalmite. Trata-se de uma inflamação aguda no globo ocular causada por uma bactéria. Pode ocorrer pela falta de esterilização de instrumentos cirúrgicos ou pelo uso de materiais contaminados.

A Secretaria Municipal de Saúde de Belém identificou irregularidades no local durante uma vistoria realizada nesta sexta-feira (18). O órgão afirma que a estrutura física da clínica é incompatível com o número de cirurgias realizadas.

Em 12 de junho, dos 41 pacientes atendidos, dois apresentaram complicações. No dia 1º de julho, a clínica realizou 40 cirurgias de catarata. Logo depois, 22 pacientes denunciaram sequelas. A clínica diz que colabora com as autoridades e que está indenizando os pacientes.

A interdição se deu pela falta de comprovação e evidências de que o processo de esterilização de equipamentos tenha ocorrido durante os eventos de forma adequada. Não tivemos nenhuma comprovação de que isso tenha ocorrido, e também evidências de que a prática da lavagem de mãos tenha sido feita de forma adequada”, diz Pedro Ribeiro Anaisse, secretário de Saúde de Pelém (PA).

Belém (PA) registra casos de infecção após cirurgia de catarata; 10 pessoas perderam a visão — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução

Belém (PA) registra casos de infecção após cirurgia de catarata; 10 pessoas perderam a visão (Foto: Jornal Nacional/ Reprodução)

Oito perdem a visão após mutirão de cirurgia no RN

Outro caso que vem repercutindo ocorreu em Parelhas, município do interior do Rio Grande do Norte, onde oito pacientes perderam o globo ocular depois de um mutirão de cirurgia de catarata realizado pela Clínica Oculare Oftalmologia Avançada. Ao todo, 15 pacientes tiveram complicações após infecção pela bactéria Enterobacter cloacae. A bactéria é associada a falhas de higienização e esterilização nos procedimentos.

A Prefeitura de Parelhas encaminhou nesta sexta-feira (18), um relatório parcial ao Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN), referente às investigações em andamento sobre as complicações em um mutirão de cirurgias de catarata realizado entre os dias 27 e 28 de setembro.

Na última quinta-feira (17), a Prefeitura de Parelhas reuniu-se com pacientes afetados, familiares e um advogado para prestar assistência e esclarecer o andamento das investigações. No período da tarde, houve uma reunião com o Ministério Público para relatar os progressos das oitivas e discussões realizadas até o momento. As oitivas serão retomadas, incluindo a participação do enfermeiro Alex Bruno Silva, da clínica Oculare Oftalmologia Avançada, e de alguns pacientes.

Além dos pacientes que perderam o globo ocular, outros quatro realizaram o procedimento de vitrectomia em clínicas particulares de Natal e Parnamirim, custeados pelo município. Outras três pessoas ainda aguardam a realização do procedimento. Ao todo, 48 pacientes participaram do mutirão, dos quais 15 foram infectados.

Infecção causada por falha na higienização

De acordo com o MPRN, a infecção foi causada por um instrumento médico ainda não identificado. A promotora de Justiça Ana Jovina de Oliveira Ferreira afirmou que as evidências indicam uma falha na higienização do ambiente cirúrgico, mas as investigações continuam para determinar a origem exata da contaminação e se houve erro humano. Coletas e testes de swab foram realizados, mas o inquérito ainda está na fase inicial, focada na coleta de documentos e depoimentos.

A promotora de Justiça Rosane Moreno ressaltou que a análise clínica das falhas nos procedimentos será fundamental para identificar os responsáveis. Testes de amostras de água e do ambiente da maternidade Dr. Graciliano Lordão, onde as cirurgias foram realizadas, estão sendo analisados pela Anvisa e pela Subcoordenadoria de Vigilância Sanitária do RN (Suvisa).

A empresa Oculare Oftalmologia Avançada, responsável pelas cirurgias, foi contratada por meio de licitação, com um valor de R$ 59 mil, dos quais apenas R$ 5 mil foram pagos até o momento, referentes à utilização do espaço da maternidade.

Idosa perde o globo ocular e a esperança de voltar a enxergar

Entre os pacientes que sofreram complicações está uma idosa de 61 anos, que perdeu o globo ocular após uma infecção severa. De acordo com a nora da paciente, ela passou pelo procedimento no dia 27 de setembro durante o mutirão. Luzia estava com a visão comprometida no olho esquerdo.  Achou que iria resolver o problema. Cerca de duas semanas depois, perdeu o olho.

Ela começou a sentir fortes dores e incômodo logo após a cirurgia. Apesar das consultas médicas, o diagnóstico de infecção só foi confirmado na segunda-feira (30), quando foi encaminhada a Natal para a remoção do globo ocular.

O momento mais difícil foi quando disse que tinha perdido a visão do olho porque a gente foi na esperança de enxergar e, de repente, você ter a certeza de que você não vai mais enxergar…”, diz Iara Medeiros, filha de Luzia.

O município de Parelhas afirma que continua prestando todo o suporte necessário às vítimas e seus familiares, buscando soluções para minimizar os danos causados. O MPRN afirma que não há risco de novos casos de infecção e segue apurando se o número de pessoas que perderam o globo ocular subiu para nove.

O que diz a clínica

Em nota, a Oculare Oftalmologia Avançada afirmou que o mutirão foi conduzido por oftalmologista experiente, seguindo os protocolos médicos e de segurança exigidos e que a equipe médica tomou as medidas necessárias para o tratamento imediato.

Disse ainda que a Superintendência de Vigilância Sanitária está conduzindo uma apuração do caso; que os materiais utilizados foram lavados e entregues à equipe da maternidade para a devida esterilização; que a empresa não possui registros de infecções em cirurgias realizadas em outras oportunidades; e que medidas estão sendo tomadas para garantir a segurança e a saúde dos pacientes.

A direção da maternidade afirmou que o material foi levado pela empresa que fez a cirurgia; que a Oculare Oftalmologia pediu que tudo fosse colocado no esterilizador de equipamentos – o que foi feito por uma funcionária da maternidade.

Com informações do Jornal Nacional, G1 e da Tribuna do Norte

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