Estimativas do Instituto Nacional de Câncer (Inca) apontam que o câncer de boca, também denominado como câncer de cavidade oral – é o quinto mais frequente entre os homens brasileiros, com 10.900 mil casos previstos para o sexo masculino em 2025 no Brasil. A incidência entre eles é 2,5 vezes maior que a registrada entre as brasileiras: 4.200 mil casos previstos para este ano.
No dia 31 de maio, é celebrado o Dia Mundial Sem Tabaco, data criada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para conscientizar a população sobre os malefícios do tabagismo. De acordo com dados da OMS, o tabaco é responsável por mais de 8 milhões de mortes por ano no mundo.
Além dos já conhecidos riscos cardiovasculares e pulmonares, o fumo tem graves impactos para a saúde bucal – muitas vezes negligenciados pela população. O tabaco é um dos principais vilões da saúde bucal e está relacionado ao desenvolvimento de mais de 50 doenças, incluindo o câncer de boca.
Na cavidade bucal, os danos são diversos: vão desde mau hálito crônico até câncer de boca. A doença pode acometer lábios, língua, céu da boca, gengivas e bochechas, comprometendo funções essenciais como a fala, mastigação e deglutição.
Segundo o Inca e a OMS, fumantes têm de 5 a 10 vezes mais risco de desenvolver câncer de boca. De acordo com o Inca, a estimativa para 2025 é de mais de 15 mil novos casos de câncer bucal no Brasil.
Segundo o Conselho Federal de Odontologia (CFO), as substâncias tóxicas presentes no cigarro podem provocar desde o escurecimento do esmalte dentário e da mucosa até doenças periodontais e tumores na cavidade oral.
Fabiana Cavallini Magalhães, mestre e especialista em periodontia e prótese dentária na Clínica Omint Odonto e Estética, explica que a ligação entre o tabagismo e o câncer bucal está diretamente associada à ação da fumaça do cigarro.
Ela contém substâncias cancerígenas capazes de provocar alterações nas células da boca, mascarar os sinais iniciais da doença e dificultar o diagnóstico precoce”, afirma.
A importância do acompanhamento odontológico
A especialista ressalta que visitas regulares ao dentista são fundamentais para a detecção precoce do câncer bucal, já que muitos sinais da doença podem ser identificados em exames de rotina. Isso contribui para um diagnóstico mais rápido e reduz as chances de agravamento dos casos. Entre os sintomas mais comuns estão lesões persistentes, semelhantes a aftas, que não cicatrizam.
É importante também observar o surgimento de nódulos no pescoço, sangramentos na cavidade oral, dificuldade para abrir a boca ou mastigar, mobilidade ou perda de dentes sem causa aparente, mau hálito contínuo, manchas esbranquiçadas ou avermelhadas e alterações na voz”, alerta Fabiana.
Alterações na mucosa, paladar e cicatrização
Entre os danos menos visíveis, mas clinicamente relevantes, estão as alterações na mucosa oral e nas papilas gustativas. “Com o tempo, o calor do vapor e os produtos químicos causam irritação crônica nas papilas, levando à perda de sensibilidade ao gosto. E vale um alerta: em casos mais graves, essas estruturas têm uma capacidade limitada de regeneração, o que pode tornar a perda de paladar irreversível”, ressalta Dr. Kyrillos.
A nicotina, independentemente da fonte, prejudica a saúde bucal de maneiras significativas, principalmente ao reduzir a irrigação sanguínea nos tecidos da boca. Essa deficiência na circulação traz, de forma distinta, dois grandes problemas:
Primeiramente, a nicotina compromete seriamente a cicatrização. Após procedimentos como extrações, implantes ou raspagens, a recuperação de usuários de nicotina tende a ser mais lenta e com maior risco de complicações. Isso acontece porque a menor oferta de sangue na região dificulta a chegada de células de defesa, oxigênio e nutrientes essenciais para o reparo adequado dos tecidos.
Paralelamente, explica o dentista, a mesma redução no fluxo sanguíneo pode mascarar perigosamente os sinais de doenças periodontais, como a gengivite e a periodontite. “Em usuários de nicotina, a gengiva inflamada pode não sangrar. Como consequência direta pode haver o atraso no diagnóstico e no tratamento das doenças periodontais”. Dessa forma, um problema gengival pode evoluir silenciosamente, sem o sangramento que normalmente serviria de alerta para o paciente e para o profissional.
Danos podem surgir em poucas semanas
De acordo com o profissional, os primeiros sinais de comprometimento bucal – como boca seca, o mau hálito e irritação na mucosa – podem aparecer já nas primeiras semanas de uso contínuo, especialmente em pessoas com predisposição ou higiene oral deficiente.
“Aos poucos, esses efeitos vão se acumulando. E como eles são mais silenciosos que os provocados pelo cigarro comum, muita gente demora a perceber. Em muitos casos é sim possível reverter os danos. Ao interromper o uso do vape e adotar uma rotina adequada de cuidados bucais, boa parte dos efeitos pode ser revertida — principalmente se identificada precocemente”, alerta.
A mucosa tende a se regenerar bem, a produção de saliva melhora, e até o paladar pode voltar ao normal. No entanto, retrações gengivais severas ou perda óssea podem ser irreversíveis. Por isso, quanto antes o paciente parar, maiores as chances de recuperação completa”, orienta o dentista.
Os principais problemas bucais causados pelo tabagismo
Fumantes têm chances elevadas de desenvolver câncer na cavidade oral e doenças periodontais. “Como dentistas, temos papel fundamental no diagnóstico de lesões orais precoces e no apoio à cessação do tabagismo, já que muitas vezes somos os primeiros profissionais a identificar sinais de alterações potencialmente malignas. A orientação adequada pode salvar vidas”, afirma Bruna Ghiraldini, coordenadora de P&D da S.I.N.
Segundo a especialista, entre os principais problemas bucais causados pelo tabagismo, estão:
- Doença periodontal (gengivite e periodontite): o cigarro reduz a vascularização da gengiva, enfraquecendo as defesas naturais e favorecendo infecções. Em tempo: a doença periodontal é a razão número um da perda de dentes em adultos. E os fumantes têm maior risco de perda de dentes em comparação com pessoas que nunca fumaram. Um estudo publicado no Journal of Dental Research indicou que homens com idade acima de 60 anos têm 48% menos dentes que homens que não são fumantes. Já as mulheres acima dos 60 anos de idade têm 29% menos dentes do que aquelas que nunca fumaram.
- Halitose (mau hálito): o fumo altera a flora bucal e contribui para a presença de compostos voláteis de enxofre.
- Manchas nos dentes: nicotina e alcatrão aderem ao esmalte dos dentes, provocando escurecimento. “O fumo altera a pigmentação dos dentes que, com o passar do tempo, adquirem uma coloração amarelada que pode progressivamente evoluir para tons de cinza, marrom e preto”, alerta a Dra. Bruna.
- Câncer de boca, língua, laringe e faringe: o risco aumenta proporcionalmente ao tempo e quantidade de exposição ao fumo. “O vício em cigarros, cachimbos e charutos é, inclusive, a principal causa do surgimento deste tipo de câncer”, alerta a especialista. “Fumar também aumenta a ocorrência de leucoplasia oral, lesões brancas pré-cancerosas na boca que podem evoluir para câncer bucal”. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), 90% dos casos de câncer bucal estão associados ao uso de tabaco e álcool. O diagnóstico precoce é fundamental para o sucesso do tratamento, reforçando a importância de consultas odontológicas regulares.
- Fumar irrita os ductos das glândulas salivares. E, por isso, os fumantes têm maior chance de desenvolver estomatite nicotínica, que ocorre quando o interior da boca é exposto a um calor extremo que deixa o palato branco e com aparência de “rachado”. As saliências vermelhas também podem estar presentes, decorrentes dos ductos inflamados.
- Diminuição do olfato e paladar. A fumaça do tabaco causa um processo inflamatório permanente nos receptores de paladar e olfato. “A boa notícia é que com a cessação do hábito, a tendência é que estes sentidos voltem à normalidade em pouco tempo”, diz a especialista.
Cigarro eletrônico também oferece riscos
Engana-se quem acredita que apenas o cigarro tradicional prejudica a saúde. Os cigarros eletrônicos, como os vapes, cada vez mais populares entre os jovens, também apresentam sérios riscos. Dados do IBGE revelam que quase 17% dos adolescentes entre 13 e 17 anos já experimentaram esse tipo de dispositivo.
O vapor do cigarro eletrônico pode alterar a composição da saliva, reduzir seu fluxo e favorecer a formação do biofilme, uma película que se deposita sobre os dentes e facilita a proliferação de bactérias causadoras de cáries e doenças periodontais”, explica a especialista.
Além disso, os líquidos utilizados nos vapes geralmente contêm açúcares, o que aumenta o risco de cáries. “O vapor inalado também pode conter substâncias que desmineralizam o esmalte, deixando os dentes mais frágeis”, acrescenta. Outro fator preocupante é que a exposição constante ao vapor quente pode ressecar a mucosa bucal, desidratar as gengivas e favorecer inflamações como gengivite e periodontite.
Levantamentos recentes de instituições como a American Dental Association e universidades americanas revelam que o vape altera a microbiota oral de maneira diferente do cigarro tradicional, o que pode abrir caminho para novas formas de inflamação ainda pouco conhecidas.
Marcelo Kyrillos cirurgião-dentista da clínica Ateliê Oral, sediada em São Paulo, afirma que os danos à saúde bucal são, em alguns casos, até piores do que aqueles causados pelo cigarro tradicional. Segundo ele, um dos efeitos mais comuns é a inflamação na gengiva (gengivite). “Isso acontece porque a nicotina presente no vape diminui o fluxo de sangue na região, o que enfraquece a defesa natural do corpo e favorece a ação das bactérias”, explica.
Além da gengivite e da periodontite (estágio avançado da gengivite), o uso frequente do vape pode causar mau hálito persistente, aftas, irritações, perda de paladar e aumento de cáries.
Um dos principais vilões é o propilenoglicol (composto orgânico usado em alguns produtos, incluindo cosméticos, alimentos e produtos de limpeza), presente nos vaporizadores líquidos do vape, que provoca intenso ressecamento da boca, reduzindo a produção de saliva — um dos mecanismos naturais de proteção contra bactérias.
Recomendações para quem quer parar de fumar
Além de acompanhamento odontológico, o Dr. Kyrillos recomenda cuidados específicos para quem está deixando o cigarro eletrônico:
- Escovação correta e uso diário do fio dental;
- Consultas regulares ao dentista (idealmente a cada 3 meses);
- Uso de enxaguantes bucais anti-inflamatórios, se prescritos;
- Hidratação constante da boca com água e saliva artificial;
- Apoio psicológico ou médico para cessação da nicotina.
Ao notar sinais como mau hálito, sangramento gengival, boca seca ou aftas recorrentes, é fundamental procurar um dentista. Esses são alertas de que algo não vai bem”, frisa Kyrillos.
Tabagismo é principal causa de câncer de boca e radioterapia é aliada no tratamento
O tabagismo é o principal fator de risco para esse tipo de câncer — e para diversos outros, como os de pulmão, laringe, esôfago, bexiga e pâncreas
Além dos danos ao DNA celular provocados pelas substâncias tóxicas do cigarro, o tabagismo compromete o sistema imunológico e dificulta a resposta do organismo ao tratamento oncológico.
O tratamento do câncer de boca pode incluir cirurgia, quimioterapia, imunoterapia e radioterapia — esta última, especialmente indicada para tumores localmente avançados ou como terapia adjuvante após a remoção cirúrgica do tumor. Em grande parte desses casos, a radioterapia é um determinante pilar do tratamento.
A radioterapia atua no controle local da doença, utilizando feixes de radiação direcionados com alta precisão para eliminar células cancerígenas e preservar, sempre que possível, as estruturas saudáveis ao redor. Dependendo do estágio do tumor, pode ser utilizada isoladamente ou em combinação com outros tratamentos.
A radioterapia desempenha um papel fundamental no tratamento do câncer de boca, principalmente contribuir para o controle da doença, ela pode ser decisiva na melhora da qualidade de vida dos pacientes”, destaca o radio-oncologista Erick Rauber, diretor de Comunicação da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT).
Cânceres relacionados ao tabagismo e o papel da radioterapia
Diversos tipos de câncer relacionados ao tabagismo contam com a radioterapia como uma das principais estratégias terapêuticas. Assim como no câncer de boca, tumores de cabeça e pescoço frequentemente exigem radioterapia isolada ou em associação com cirurgia e quimioterapia, dependendo do estágio da doença.
O mesmo racional se aplica ao câncer de pulmão, sobretudo em pacientes inoperáveis, nos quais a radioterapia pode proporcionar controle local e alívio de sintomas. Tumores de bexiga e esôfago, também associados ao tabagismo, têm na radioterapia um componente essencial dos protocolos curativos.
Essa abordagem permite preservar funções importantes dos órgãos afetados, contribuindo significativamente para o controle da doença e para a qualidade de vida do paciente”, finaliza o especialista.
Com Assessorias