Espancada com 61 socos desferidos em seu rosto e na cabeça durante 36 segundos, dentro do elevador do edifício onde mora, a promotora de vendas Juliana Garcia dos Santos, de 35 anos, pode se transformar em novo símbolo da luta contra a violência à mulher no Brasil. O autor das agressões é o ex-jogador de basquete Igor Cabral, de 29 anos, que está preso, acusado de tentativa de feminicídio.
A carioca que reside em Natal (RN) sofreu quatro fraturas no rosto e múltiplas escoriações no corpo. Foram três fraturas na região do olho direito, uma maior, de lado a lado, abaixo do nariz, pequenos fragmentos na maçã do rosto e outra fratura na mandíbula. Sem mostrar imagens do seu rosto, que ficou desfigurado após levar 61 socos do então namorado, Juliana recebeu o jornalista Cabrini, do Domingo Espetacular.
A culpa não foi minha. A culpa não é da pessoa que sofreu a agressão. Eu não tenho responsabilidade sobre o ato dele. A responsabilidade dele é pública e ele tem que pagar por isso”, disse Juliana.
Sete horas de cirurgia para reconstruir a face
Ela passou por uma cirurgia de sete horas para reconstruir o rosto na última sexta-feira (1/8) em um hospital público de Natal. O médico responsável pela cirurgia de reconstrução facial comparou a situação à de vítimas de acidentes de trânsito. “Era como se ela tivesse sofrido um acidente de moto, sem capacete”, afirmou o cirurgião bucomaxilofacial Kerlison Paulino.
Apesar da seriedade, o risco de sequelas neurológicas foi descartado. A recomposição funcional e estética do rosto de Juliana será acompanhada por, pelo menos, dois meses na mesma unidade do SUS.
Eu sobrevivi a tudo isso para dar voz a outras mulheres. Não tenho outra opção a ser não ser forte. O pior é quando me olho no espelho e não consigo enxergar a mulher vaidosa que eu sou’. Para ela, as marcas no rosto agora são símbolo de resistência. “E isso é só o começo da minha nova vida”, disse ela, que pretende dar voz a mulheres que sofrem em silêncio.
Ela contou ao Domingo Espetacular, da TV Record, que vivia uma relação tóxica e abusiva há dois anos, mas acreditava que o namorado pudesse mudar. Sete meses antes do episódio, ela havia sofrido agressões físicas, em mais uma briga por ciúme, mas desistiu de denunciá-lo na Lei Maria da Penha.“Eu sempre soube do histórico de agressões com outras pessoas, mas nunca pensei que comigo fosse assim”,
‘Eu pedi que ele parasse e ele só me batia’
Ele alegou que sofria de claustrofobia e por isso agrediu a namorada no elevador. Depois, mudou a versão e disse que estava sob efeito de uma combinação de bebidas e cocaína. Em nota enviada por sua defesa, Igor diz estar arrependido e ciente de toda a dor que causou. Igor diz ter sido ameaçado de morte e estupro na cadeia, que foi trancado nu numa sala, onde foi espancado.
“Atrocidade, selvageria, covardia, algo inaceitável para qualquer ser humano. Não há desculpa que justifique’, diz a delegada geral do estado, Ana Cláudia Saraiva. “A sociedade brasileira é muito machista e patriarcal. A melhor forma de combater é a denúncia
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Uma nova Maria da Penha
Para a delegada do caso, Ana Victória Lisboa, as imagens são a “prova inquestionável da vontade de matar”. O caso de violência doméstica que chocou o país ocorreu na manhã de 26 de julho, em Ponta Negra, bairro turístico da capital potiguar. As câmeras de segurança de um condomínio registraram Juliana e Igor Eduardo Pereira Cabral, de 29 anos, aproveitando a piscina. Eles se conheceram em uma academia, onde treinavam juntos todos os dias.
Juliana Soares, de 35 anos, vítima de espancamento por seu então namorado — Foto: Reprodução/Fantástico
Naquele mesmo dia, outras imagens do condomínio captaram o casal discutindo dentro do elevador. Segundo as investigações, Igor teve uma crise de ciúmes e a briga escalou para uma “covardia brutal”.
O espancamento durou 36 segundos. Foi do décimo sexto [andar] até o térreo. Ele me esmurrando sem parar, né?”, descreveu a vítima.
Após a agressão, uma moradora do condomínio encontrou Juliana ensanguentada. O porteiro do condomínio acionou imediatamente a polícia. Policiais militares chegaram ao local e levaram Igor para a delegacia. Uma amiga de Juliana e um policial também contataram o SAMU, informando que a vítima estava “bem machucada”.
No dia seguinte, policiais da Delegacia da Mulher foram ao hospital onde Juliana estava internada. Sem condições de falar, Juliana se comunicava por gestos. Em um dado momento, uma policial forneceu caneta e papel, e Juliana escreveu uma declaração crucial:
Eu sabia que ele ia me bater. Então não saí do elevador. E ele começou a me bater e disse que ia me matar”. Com base nessas provas, o juiz decretou a prisão preventiva de Igor no mesmo dia, durante a audiência de custódia.
A delegada que assumiu o caso prevê que Igor responderá inicialmente por tentativa de feminicídio. Outros crimes, como violência psicológica, que já vinham ocorrendo, também podem ser investigados.
A advogada Caroline Mafra, que representa Juliana e a conhece há dez anos, confessou ter ficado estarrecida e não conseguiu assistir ao vídeo da agressão até o final. As duas se conheceram em um trabalho voluntário.
Trabalhei com pessoas carentes, incluindo população em situação de rua e crianças que tiveram a guarda destituída dos pais. Me identificava muito. Achava que eu tinha nascido pra fazer aquilo. A área social sempre a atraiu muito”, contou Juliana.
O elevador, cenário do crime, ficou com “sangue, boné e chinelos” espalhados pelo chão ensanguentado. Juliana prefere que o ocorrido não seja retratado de forma explícita, pois não quer ser sempre lembrada “de maneira deformada, que é infelizmente como ela está hoje”. A delegada do caso ressaltou que “o ataque à face da mulher é violência de gênero, pois atinge a feminilidade”.
Juliana afirma que espera que seu caso sirva para “dar visibilidade pra quem acha que não tem voz”. A delegada-geral do Estado, Ana Claudia Gomes, descreveu o crime como uma “selvageria que não reflete a evolução da sociedade”. “Por que o homem ainda se sente dono da mulher?”, questiona.
Ela reforçou ainda que a denúncia é a única forma de interromper a violência. Ainda segundo a delegada-geral, 90% dos casos de violência ocorrem no ambiente familiar, onde o Estado não está presente.
Com informações da TV Globo e TV Record