Todos os dias, pessoas com mais de 60 anos sofrem algum tipo de violência por sua idade. Nos primeiros cinco meses de 2023, o Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), recebeu mais de 47 mil denúncias de violência cometida contra pessoas idosas. Os registros apontam para cerca de 282 mil violações de direitos, número 87% maior em relação ao mesmo período de 2022.

Neste Dia Mundial da Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa (15 de junho), especialistas chamam a atenção para a importância da denúncia e para as diferentes formas de violência a que está exposta a população em idade avançada. Quando se fala em violência, o mais comum é que se considere apenas a física, mas ela pode se manifestar de várias formas, como violência psicológica, sexual, financeira e patrimonial, além da negligência e abandono.

“Nem sempre as marcas da violência estão expostas no corpo, muitas vezes elas permanecem ocultas na memória de quem sofre, nas entrelinhas das relações abusivas ou na negligência da atenção da família, dos profissionais, dos serviços e do Estado. Independentemente do tipo de violência, certamente, a raiz da violação de direitos e da dignidade humana da pessoa idosa passa pelo etarismo fomentado em nossa sociedade”, afirma a presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

A situação é ainda mais preocupante quando se olha para o envelhecimento da nossa população. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022 a parcela da população brasileira com 60 anos ou mais de idade era de 14,7% do total. Em números absolutos, são aproximadamente 31,2 milhões de pessoas.

A expectativa é que, a partir de 2039, o país tenha mais pessoas idosas do que crianças na sua configuração populacional. A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que até 2050, o número de pessoas com mais de 60 anos no Brasil vai triplicar, ocupando o posto de sexto país com a população mais idosa do planeta. Com o aumento da quantidade de pessoas com mais de 60 anos há uma demanda maior de atenção a esse grupo.

Junho Violeta: alerta para consciência mundial e mudanças

Em 2011, após solicitação da Rede Internacional de Prevenção à Violência à Pessoa Idosa (Inpea), a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o 15 de junho como o Dia Mundial da Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa. A data tem o objetivo de criar uma consciência mundial, social e política da existência desse tipo de violência, além de incentivar e cobrar medidas protetoras por parte dos governos e da sociedade civil.

A violência contra a pessoa idosa é definida pela OMS como “um ato único, repetido ou a falta de ação apropriada, ocorrendo em qualquer relacionamento em que exista uma expectativa de confiança que cause danos ou sofrimento a uma pessoa idosa”. Por isso, a campanha Junho Violeta visa justamente sensibilizar a sociedade sobre a promoção e defesa da dignidade da pessoa idosa.

“Trata-se de uma violação de direitos humanos que atinge a dignidade do ser idoso e tem efeitos desastrosos”, alerta a doutora em enfermagem e especialista em Gerontologia pela SBGG, Jordelina Schier,

Casos de violência contra idosos são maiores que dados oficiais

Para especialistas, as denúncias que chegam aos canais oficiais como o Disque 100 desde o período da pandemia são apenas a ponta do iceberg que esconde a violência contra a pessoa idosa no nosso país.

“As crescentes denúncias de violência contra a pessoa idosa no período de pandemia Covid-19 trouxeram à tona a ponta do iceberg, considerando que muitos casos não são notificados, permanecem não ditos, não são reconhecidos socialmente como abusos, nem são diagnosticados pelos profissionais que atendem a pessoa idosa”, afirma Jordelina Schier.

Para Antonio Leitão, gerente do Instituto de Longevidade, “a violência contra o idoso é um grave problema social que ganha espaço na mídia principalmente quando as agressões são físicas. No entanto, há inúmeras forma de agressão contra a pessoa idosa e, entre elas, a negligência se destaca em grande proporção”.

Ele explica que a negligência ocorre mediante recusa ou omissão de cuidados devidos e necessários aos idosos por parte dos responsáveis familiares ou institucionais. “É uma das formas de violência mais presentes no país. Ela se manifesta frequentemente associada a outros abusos que geram lesões e traumas físicos, emocionais e sociais, em particular, para as que se encontram em situação de múltipla dependência ou incapacidade”, destaca.

Médico geriatra e professor de Medicina da Uniderp, Marcos Blini comenta que quando pensamos nesse tema, logo vem à mente a questão da violência física, mas é importante lembrar que o que temos de mais grave quando relacionado ao idoso é a negligência.

“Esse tema complexo e, infelizmente, muito prevalente em nossa sociedade vai além do que ganha os nossos olhares quando mostrado na mídia. A negligência acontece de forma velada nos lares ou casas de repouso”, destaca.

Violência é praticada muitas vezes dentro da família

A situação é agravada quando se nota que o deflagrador das violências é, muitas das vezes, uma pessoa muito próxima à vítima, o que dificulta a iniciativa da denúncia, conforme explica a Dra. Jordelina Schier.

“Em boa parte dos casos, o agressor é o próprio cuidador. Como viver sem o cuidador? Como conviver com ele depois da denúncia? Portanto, o contexto da violência ainda é desafiador, apesar de todos os dispositivos legais e políticas públicas criados para o seu enfrentamento”.

Segundo ela a mudança desse panorama só será possível com uma transformação abrangendo diversos âmbitos da vida em comunidade:

“A sociedade urge por mudanças no seu modo de pensar, ser e agir. É preciso uma verdadeira revisão estrutural e profunda quanto aos estereótipos, preconceitos e discriminação contra a idade das pessoas, que garanta o direito fundamental de envelhecer de forma ativa e com dignidade, numa união de todos”.

A especialista reforça a necessidade de campanhas como a de 15 de junho. “Precisamos falar sobre violência, compreender a multidimensionalidade, aprender a reconhecer e, sobretudo, ter uma rede de prevenção, cuidado e enfrentamento.

A SBGG tem feito uma contínua campanha de conscientização e prevenção da violência contra a pessoa idosa, abordando o tema em eventos, a exemplo no Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia, realizado no início do ano, e em suas redes sociais. “No mês de junho, que é inteiramente dedicado ao tema, a entidade pretende reforçar a iniciativa, abordando as diversas facetas desta lamentável situação”, afirma Ivete Berkenbrock.

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Confira alguns tipos de violência contra os idosos

Violência física – Caracterizado pelos abusos por meio de força física para compelir os idosos a fazerem o que não desejam, para feri-los, provocar dor, incapacidade ou morte, mesmo quando não apresentam lesões ou traumas. Nessa classificação se enquadra toda ação de força contra o idoso, como empurrões, beliscões, tapas e demais agressões.

Violência financeira ou econômica – Consiste na exploração imprópria ou ilegal ou ao uso não consentido pela pessoa idosa de seus recursos financeiros e patrimoniais. São os casos de familiares ou cuidadores que se apropriam da aposentadoria do idoso para uso diário desnecessários ou até usam de oportunidades para realizarem empréstimos no nome do idoso. É fazer uso de algo que não é seu em benefício próprio.

Violência psíquica – Um pouco mais velada na sociedade, mas existente, a violência psíquica ocorre quando o idoso, apesar de estar bem e ativo, sofre um apelo psíquico da família para que ele não realize atividades que seria perfeitamente capaz de executar.  Esse efeito acarreta transtornos de humor do tipo depressão, ansiedade e até tentativa de suicídio.

Violência emocional e social – Refere-se a agressão verbal ou gestual, incluindo palavras depreciativas que possam desrespeitar a identidade, a dignidade e a autoestima. Caracteriza-se pela falta de respeito à intimidade, falta de respeito aos desejos, negação do acesso a amizades, desatenção a necessidades sociais e de saúde, com o objetivo de aterrorizar, humilhar, restringir a liberdade ou isolar o idoso do convívio social.

Violência medicamentosa – Consiste na administração por familiares, cuidadores e profissionais dos medicamentos prescritos, de forma indevida, aumentando, diminuindo ou excluindo os medicamentos.

Violência sexual – Refere-se ao ato ou jogo sexual de caráter homo ou hétero-relacional, utilizando pessoas idosas. Esses abusos visam a obter excitação, relação sexual ou práticas eróticas por meio de aliciamento, violência física ou ameaças.

Negligência – A negligência é a mais recorrente e pode ocorrer por meio daquela família que não leva o idoso a um acompanhamento médico de rotina, ou ainda que deixa o deixa muitas vezes sujo sem higiene adequada, isolado em algum cômodo da casa, principalmente quando se tem algum quadro de confusão mental ou demência, como o Alzheimer. A falta de alimentação ideal para a terceira idade e a ausência de atenção aos que já são acamados, com feridas e úlceras de pressão, muitas vezes abandonados, também se caracteriza nesse ponto.

Abandono – É uma de violência contra o idoso que se manifesta pela ausência ou deserção dos responsáveis governamentais, institucionais ou familiares de prestarem socorro a uma pessoa idosa que necessite de proteção e assistência.

Autonegligência – Diz respeito à conduta da pessoa idosa que ameaça sua própria saúde ou segurança, pela recusa de prover cuidados necessários a si mesma.

Como procurar ajuda

Ao observar sinais de violência no tratamento a um idoso, é preciso procurar ajuda. “É importante acender um alerta à rede de serviço social da região para que o caso pontual seja investigado. Em grande parte das situações, um aviso ou advertência dada ao responsável já é suficiente para sanar casos de abuso contra o idoso”, esclarece Blini.

Hematomas na pele, ferimentos inexplicados, sinais de desnutrição, roupas sujas ou aparente descuido, sinais de sonolência e alterações repentinas de comportamento podem ser fatores sinalizadores de violência. As unidades de saúde também devem ficar atentas e as medidas tomadas com cautela para que o idoso não fique desamparado.

Os Centros de Referência em Assistência Social (CRASs), Conselho do Idoso da região e a UBS formam uma rede de suporte social e são grandes encaminhadores para a solução de questões envolvendo abuso contra o idoso.

Como funciona o Disque 100

Especialistas reforçam que todos podem colaboram com a denúncia desses casos de violência contra os idosos. Um dos canais mais eficientes para este tipo de registro é o Disque 100 (Disque Direitos Humanos). O atendimento é realizado diariamente, 24 horas por dia, inclusive aos fins de semana.

No primeiro trimestre de 2023, o registro de violações de direitos humanos contra pessoas idosas chegou a 202,3 mil pelo Disque 100, quase o dobro se comparado ao mesmo período de 2022. De janeiro a maio de 2022, mais de 150 mil violações foram anotadas, a partir de mais de 30 mil denúncias.

Em relação à faixa etária, os dois perfis que predominam são de pessoas com idade entre 60 e 79 anos, com 33.972 denúncias, e com idade superior a 80 anos, com 16.146 denúncias. Quanto à escolaridade da vítima, 67% apresentam pouca instrução, 35% possuem o nível fundamental incompleto e 32% são analfabetos.

Os dados são da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, mantida pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC). Cada denúncia pode ter mais de um tipo de violação de direitos. Desde janeiro, o canal de denúncias Disque Direitos Humanos (Disque 100) retomou as atividades no intuito de diminuir a subnotificação de casos.

Plataforma oferece serviço de emergência para idosos

Ainda segundo dados do IBGE, há cerca de 4,3 milhões de idosos morando sozinhos no Brasil em 2022, situação que torna essa população mais vulnerável a agressões. O cenário faz surgir demandas por estratégias de prevenção e divulgação das plataformas de denúncia para permitir o rápido atendimento dos casos de emergência.

A Tecnosenior, por exemplo, oferece o vidafone, um pequeno colar ou pulseira pode ser acionado e o usuário se conecta com uma central de monitoramento, que faz contato com pessoas ou autoridades para que possam ajudar dependendo da emergência. O serviço já evitou complicações de saúde depois de casos como quedas e desmaios e pode servir como plataforma de denúncia também.

“A violência contra idosos tem consequências graves para a saúde física e mental dos idosos. Pode levar a lesões graves, hospitalização, deficiências físicas e mentais e até mesmo à morte. Também pode aumentar o risco de depressão, ansiedade, estresse pós-traumático e outras condições de saúde mental”, afirma o fundador e CEO da Tecnosenior, Gilson Esteves.

Ele ainda defende que a sociedade em geral, incluindo os governos, instituições de saúde e sociedade em geral, tomem medidas para prevenir a violência contra idosos e proteger seus direitos e dignidade. “Conhecer e implantar novas tecnologias que possam auxiliar os idosos a manter sua independência, faz parte dessa conscientização”, completa Gilson.

Como denunciar

“Se você suspeita que uma pessoa idosa seja vítima de qualquer tipo de violência, denuncie. Ligue para o Disque 100, procure unidades de saúde ou assistência social, delegacia de polícia especializada ou, em caso de risco iminente, disque 190!”, finaliza a Dra. Jordelina Schier.

Além do Disque 100, as denúncias de violência contra a pessoa idosa podem ser feitas pelo aplicativo Proteja Brasil, para a Delegacia Online da Polícia Civil do seu estado e ligando para a Emergência Policial (190).

A cartilhaComo evitar e combater a violência contra a pessoa idosa’, criada pelo Instituto de Longevidade, conta com mais detalhes sobre os tipos de violências que pessoas idosas podem sofrer. Além disso, com o suporte de diversos especialistas, é possível saber como agir em casos de abusos e também como identificar os sinais em idosos que sofrem violência.

Com Assessorias

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