Pelo nono ano consecutivo, o Portal Vida e Ação abraça a campanha Novembro Azul. Mais do que conscientização e prevenção ao câncer de próstata, o que mais mata os homens brasileiros, atrás dos tipos agressivos de câncer de pele, a mobilização alerta para a necessidade de ampliar os cuidados com a saúde masculina em geral.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as expectativas de vida para quem nasceu em 2023 são de 79,7 anos para as mulheres e 73,1 anos para os homens. Essa diferença é causada por fatores biológicos, como a resistência ou suscetibilidade a determinadas doenças, e comportamentais, pois os homens tendem a procurar menos por médicos para a realização de exames preventivos.
Ainda que a diferença esteja diminuindo ao longo dos anos, os dados mostram a necessidade dos homens se preocuparem mais com a saúde. No entanto, tabus e questões culturais são barreiras para essa mudança, e afetam diretamente na qualidade de vida e bem-estar.
Ainda existem muitos estigmas e preconceitos perpetuados pela sociedade patriarcal, em que homens são vistos como infalíveis, fortes e seguros. Isso pode explicar a grande diferença na procura por tratamentos de saúde entre homens e mulheres. Segundo relatório da Pesquisa Nacional de Saúde 2019, 69,4% dos homens passaram por consulta no ano de 2018, enquanto esse número é de 82,3% entre as mulheres.
Quando se trata da saúde emocional, a segunda edição do “Panorama da Saúde Mental”, realizado pelo Instituto Cactus e AtlasIntel, mostra que apenas 5% dos brasileiros fazem terapia. Além disso, 56% dos deles afirmaram nunca ter procurado um profissional da saúde para lidar com transtornos de ansiedade. Entre homens, a situaç ão é pior e o índice chega a 65%.
A psicóloga Bárbara Couto, mestre em Psicologia Clínica e Saúde pela Universidad Europea del Atlantico (UNIAtlântico), da Espanha, explica que normas culturais e sociais incentivam os homens a internalizar as dificuldades e a nunca demonstrar fraqueza. Essa socialização masculina tradicional valoriza algumas características, como auto suficiência, controle emocional, força, e gera culpa e vergonha quando se tem algum tipo de sofrimento.
As pesquisas indicam que esses fatores são reforçados pelos ambientes sociais, familiares e profissionais. Desde que a criança nasce, o homem tem que engolir o choro para virar homem e nunca pode demonstrar nenhum tipo de sentimento. É como se o sentimento afetasse a masculinidade. Nesse contexto, a saúde mental é totalmente ignorada, porque é vista como fraqueza”, explica Bárbara.
Muitas vezes, os pais também foram educados dessa forma e perpetuam essa condição, fazendo o mesmo com os filhos. Além disso, na maioria das escolas não há o ensino da inteligência emocional, que poderia ajudar a mostrar que homens têm sentimentos assim como mulheres. Para Bárbara Couto, seria de suma importância que esse tema também fosse abordado em escolas para quebrar esse ciclo e da orientação sexual.
E acaba tendo uma lacuna muito importante no desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais nos meninos e nos homens. Não temos, culturalmente, muitos modelos masculinos positivos que validem essa busca por ajuda, o que agrava o problema”, alerta ela.
Emoções reprimidas mudam o funcionamento cerebral dos homens
Os estudos em neurociência mostram que os homens, quando estão sob estresse emocional, ativam menos as regiões dos cérebros, que são ligadas à percepção e a expressão emocional. Com isso, a amígdala e o córtex pré-frontal ventromedial vão sendo reprimidos. “Para parte da sociedade, a única emoção que o homem pode ter é raiva, se tornando pessoas mais agressivas e mais difíceis de lidar. Essa educação, que muitos de nós temos, acabam perpetuando o ciclo de masculinidade tóxica e reforça o silêncio em relação à saúde mental. Poucos homens Conseguem reconhecer suas fragilidades e dificuldades em lidar sozinhos com suas emoções”, declara Bárbara Couto.
Os homens, que geralmente, já têm mais dificuldade na comunicação, quando não tratam da saúde emocional, têm essa dificuldade aumentada. E isso afeta negativamente os relacionamentos familiares, conjugais, sociais, e até a produtividade no trabalho. “Nos relacionamentos, eles são aqueles homens que explodem, ou que se distanciam emocionalmente, ou que não conseguem conversar, ou que, em qualquer conflito querem terminar a relação. E aí podem se tornar pessoas dependentes emocionais ou solitárias”, explica ela.
Homens cometem mais suicídio
A recusa em procurar ajuda tem consequências graves. Segundo dados do Ministério da Saúde, o suicídio é quase quatro vezes mais incidente entre homens São 9,9 mortes autoprovocadas por 100 mil habitantes; já entre as mulheres são 2,6 casos por 100 mil. Foram quase 80% das mais de 107 mil mortes por suicídio registradas no Brasil entre 2015 e 2022 foram de homens, o que reforça a dimensão do problema.
E, o suicídio entre homens não são só maiores em números, como também conseguem mais êxito no ato por usarem métodos mais letais.
Como eles não dão conta de regular a emoção de uma maneira mais saudável, eles acabam tomando essa decisão em momentos de crise. Essa cultura de nunca procurar ajuda, sempre vai intensificar o risco do suicídio, porque os homens vão recorrer a esse tipo de resolução por acharem que ninguém vai entender o que eles sente e que eles têm que dar conta disso sozinho”, alerta a psicóloga.
Além do suicídio, outra consequência muito comum nos homens que não buscam ajuda psicológica é o uso do álcool e outras substâncias, que acabam tendo um papel substitutivo para uma medicação ou para uma terapia, trazendo um falso “alívio”.
Nos homens, a falta de tratamento psicológico agrava muitas condições de depressão, de ansiedade, de transtornos e de uso de substâncias. Quando eles têm transtorno bipolar, por exemplo, podem ser só considerados pessoas difíceis de lidar.
Estudos mostram que eles têm maior probabilidade de externar os sintomas emocionais por meio de comportamento, como a irritabilidade, o isolamento, o abuso de álcool e de droga e comportamento agressivo, porque não foram ensinados a identificar e expressar as emoç&ot ilde;es de uma maneira saudável. E, essa ausência de tratamento psicológico também colabora com aumento do risco de doenças físicas, como estresse, hipertensão, problemas cardíacos, entre outras”, enumera Bárbara.
Homens da Geração Z buscam mais ajuda
De acordo com Bárbara, homens mais jovens têm mais abertura para buscar tratamento psicológico. A masculinidade tradicional vem sendo desconstruída e há maior conscientização sobre saúde mental na Geração Z. Além de ser uma geração de pais mais esclarecidos, os homens dessa geração são mais influenciados por campanhas nas redes sociais e por figuras públicas. “Na clínica, a maioria dos pacientes são mulheres.
É o reflexo do nosso padrão cultural, onde as mulheres têm uma aceitação maior em discutir problemas, em sentir e em buscar apoio. E os homens que chegam ao consultório são os mais jovens ou que estão numa crise emocional muito grande, ou quando é pedido por familiar, principalmente esposa. Aqueles que super am as barreiras culturais e iniciam o processo terapêutico, têm um progresso significativo”, finaliza a psicóloga Bárbara Couto.
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Saúde mental dos homens no Brasil expõe ligação direta com violência
Especialistas apontam que o machismo agrava o sofrimento psíquico masculino e contribui para a reprodução de comportamentos violentos
A saúde mental masculina tem ganhado cada vez mais atenção no Brasil diante de números preocupantes de sofrimento psíquico e violência. Estudos indicam que quase 30% dos homens atendidos na atenção primária apresentam algum grau de adoecimento mental, mas, em vez de buscar apoio psicológico, muitos recorrem ao álcool, às drogas ou até à violência como formas de lidar com conflitos. Especialistas apontam que esse cenário está diretamente ligado ao machismo e às normas rígidas de masculinidade, que ensinam desde cedo que expressar fragilidade é sinal de fraqueza.
A psicóloga Luanna Debs, especialista em Relacionamentos Abusivos e Trauma, explica que o machismo funciona como um duplo obstáculo: além de legitimar comportamentos agressivos, dificulta que homens reconheçam suas vulnerabilidades e busquem ajuda adequada. De acordo com a profissional, a socialização dos homens ainda se baseia em normas rígidas de masculinidade, em que agressividade e violência são legitimadas como parte da identidade.
O machismo ensina que a violência é uma forma legítima de resolver conflitos e que a agressividade faz parte do que é ser homem. Isso torna os homens mais propensos tanto a se tornarem vítimas quanto autores de violência, quando falamos em violência urbana, por exemplo e vitimiza mulheres que convivem e se relacionam com estes homens.”, afirma Luanna.
Essa lógica também repercute diretamente na saúde mental. A repressão dos afetos, a vergonha de demonstrar fragilidade e a autocrítica constante são fatores que contribuem para o isolamento e o uso de substâncias como forma de anestesia emocional. “Buscar ajuda psicológica é muitas vezes interpretado como fraqueza ou fracasso. Por isso, o álcool e as drogas acabam sendo socialmente mais aceitos como estratégia de alívio, mesmo que tragam consequências graves”, acrescenta a psicóloga.
A barreira da fragilidade
O tabu em torno da vulnerabilidade masculina aparece como um dos principais obstáculos na busca por apoio psicológico. Desde cedo, meninos aprendem que tristeza, medo ou insegurança não são comportamentos “aceitáveis” para homens. “Muitos silenciam o sofrimento e tentam lidar sozinhos ou com recursos que reafirmem sua masculinidade, como a violência ou o consumo de álcool”, explica Luanna, especialista em relacionamentos abusivos.
Esse padrão gera um efeito preocupante: quando mais necessitam de suporte, os homens tendem a se afastar dos serviços de saúde mental. Isso atrasa o diagnóstico de quadros graves e reduz as chances de prevenção.
A ligação entre sofrimento psíquico e violência é direta. De acordo com a psicóloga, a cultura machista ensina que o homem deve ser forte e controlador, e que emoções como tristeza ou medo devem ser reprimidas. Nesse contexto, a raiva e a agressividade tornam-se emoções legitimadas.
Quadros de depressão, ansiedade ou traumas não tratados podem se manifestar em explosões de violência contra si mesmos, em tentativas de suicídio, ou contra outras pessoas, especialmente mulheres em relações íntimas, ainda que a causa da violência não seja nenhum diagnóstico de saúde mental e sim o machismo, que causa o adoecimento e autoriza o uso dela para resolver os conflitos.”, destaca Luanna.
Violência como solução ensinada
Outro ponto abordado pela especialista em trauma é a forma como a violência é apresentada, desde cedo, como uma maneira legítima de resolver conflitos. Isso se manifesta em diferentes contextos, desde brigas e assaltos até casos de violência doméstica e feminicídio.
Quando um homem não consegue o que deseja de sua parceira, por exemplo, pode recorrer a manipulações ou à escalada da violência até chegar à agressão física, ou sexual, chegando até ao feminicídio. Esse padrão é fruto direto de uma cultura que legitima a violência como prova de masculinidade”, explica.
As consequências atingem tanto os indivíduos quanto a sociedade: maior risco de adoecimento psíquico, abuso de álcool e drogas, encarceramento, feminicídios e sobrecarga dos sistemas de saúde e justiça.
Caminhos para mudança
Para reduzir o sofrimento psíquico masculino e os índices de violência, a psicóloga defende a transformação cultural e mudanças nos serviços de saúde. É necessário, segundo ela, criar espaços de diálogo que desconstruam o machismo e ampliem o repertório emocional e de solução de problemas dos homens, permitindo que possam expressar sentimentos, buscar apoio sem estigma e resolver frustrações e conflitos de maneiras diferentes.
Precisamos de campanhas educativas, espaços de conversa em escolas e comunidades, e políticas públicas que ampliem o acesso a psicoterapia e grupos de apoio específicos para homens. O acolhimento sem julgamento é essencial para que eles não recorram ao álcool, às drogas ou à violência como saída para o sofrimento”, conclui Luanna Debs.
Relutância com o exame de próstata
No Novembro Azul, mês dedicado à saúde masculina, o debate sobre o preconceito contra o exame de próstata volta a ser um ponto central. Segundo a terapeuta integrativa Suzy Reigado Ferreira, essa relutância, muitas vezes ligada a uma visão machista , é uma barreira cultural que pode ser fatal, pois o diagnóstico precoce aumenta significativamente as chances de cura do câncer de próstata, o segundo tipo mais comum entre os homens brasileiros.
Muitos homens veem o exame de toque retal como algo que compromete a sua imagem masculina , desconhecendo a rapidez do procedimento (cerca de 5 segundos). Alguns chegam a preferir não saber se têm a doença, associando-a, de forma infundada, a disfunções eréteis ou a uma piora na qualidade de vida. A campanha do Novembro Azul visa desmistificar o exame e incentivar a consulta anual ao urologista.
Numa perspetiva mais integrativa, Suzy Reigado Ferreira destaca que a saúde é um conjunto de ações físicas, mentais, espirituais e energéticas. “A verdade é que descuidamos da alma e nossos padrões emocionais ao longo de nossa história” , afirma o material, que posiciona a doença como uma consequência.
Sob a ótica da metafísica, o câncer pode ser compreendido como uma manifestação de desequilíbrios emocionais e psicológicos , com o corpo a transformar em sintomas aquilo que a mente não conseguiu elaborar. Abordagens como a Constelação Familiar Sistêmica sugerem que doenças graves podem refletir desordens no sistema familiar, como exclusões ou destinos trágicos de antepassados.
Como ferramenta de cuidado complementar, a arteterapia, especificamente a mandalaterapia , tem se mostrado uma valiosa aliada , auxiliando na redução da ansiedade , na gestão da dor e permitindo a expressão de emoções sem a necessidade de palavras.
A integração entre ciência, espiritualidade e arte pode abrir caminhos para mais equilíbrio e renovação no enfrentamento da doença. É fundamental ressaltar a importância de procurar sempre um profissional qualificado. As terapias integrativas e complementares são valiosas ferramentas de apoio, mas não substituem diagnósticos, tratamentos ou o acompanhamento médico convencional.
Com Assessorias




