Quase 30 anos depois de matar – junto com a então mulher Paula Thomaz – a atriz Daniella Perez, o ex-ator Guilherme de Pádua Thomaz, que atuava desde 2017 como pastor em uma igreja evangélica de Belo Horizonte (MG), foi encontrado morto dentro de sua casa, após sofrer um infarto fulminante, aos 53 anos.
A fatalidade ocorreu dois meses depois do lançamento do documentário ‘Pacto Brutal’, na HBO, que aborda o crime que chocou o país não só pelos requintes de crueldade, como pela impunidade: o ex-casal foi liberado após cumprir apenas um terço da pena a que foram condenados, para tristeza da mãe de Daniella, a novelista Glória Perez.
Na coluna de hoje no Palavra de Especialista, em pleno Mês Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulhere, a psicanalista Andre Ladislau analisa o comportamento doentio dos assassinos e critica o espaço ocupado principalmente por Guilherme de Pádua na mídia, ao longo de todos esses anos.
‘Pacto Brutal’: o crime que chocou o país
Por Andrea Ladislau*
Trinta anos após um crime que chocou o país, a série documental ‘Pacto Brutal’, do canal HBO, revive a morte trágica da atriz Daniela Perez, trazendo vários detalhes levantados após uma seleção criteriosa de documentos, fotos, áudios e vídeos, do acervo da autora de novelas Glória Perez, mãe da vítima. Um crime brutal e chocante que parou o país naquela segunda-feira, 28 de dezembro de 1992.
Fatos voltam à tona e revivem a dor de uma mãe, de uma família e de toda uma nação que acompanharam em choque o desenrolar do crime que condenou o então casal Guilherme de Pádua e Paula Thomaz a 19 anos e 6 meses de reclusão. No entanto, após o cumprimento de um terço da pena, os assassinos foram soltos e seguiam suas vidas, após uma separação.
Difícil não se emocionar e sofrer junto com Glória, quando esta relata todo o horror vivido naquele final de ano. Difícil não compartilhar da raiva e do ódio que invadiram o marido da vítima, o ator Raul Gazolla, quando ele descobre o autor do crime. Difícil não sofrer ao descobrir que a pena dos criminosos seria cumprida em liberdade condicional desde 1999.
Mas como profissional de saúde mental, estudiosa da psiquê humana, posso dizer, sem sombra de dúvidas, que o mais difícil é constatar que, após ter todos os detalhes do crime apresentados, onde mesmo envolto em uma constância de evidências de desequilíbrio emocional e comportamental, Paula e Guilherme continuaram a ter voz em alguns lugares.
Ainda tentam justificar o injustificável. Um crime de ódio que faz com que a mãe da atriz verbalize o desejo de ter o poder mágico de recolher a filha, de volta ao seu ventre, proteger e acolher, como pede seu instinto maternal.
A personalidade narcisista de Guilherme de Pádua
Com o lançamento do documentário na HBO Max, Guilherme de Pádua retornou à mídia. Em agosto de 2022, chegou a postar um vídeo em seu canal do YouTube, pedindo perdão para Gloria Perez e para o viúvo, o ator Raul Gazolla. Embora muitos acreditassem em sua regeneração, outros ficaram revoltados por suspeitarem que ele não estava sendo sincero, e que só teria gravado o vídeo devido à repercussão gerada por ‘Pacto Brutal’.
Mas era visível a necessidade de controlar ou coordenar toda a situação, por meio de uma fala teatral. Era visível um descolamento da realidade, onde a frieza e a crueldade de seus atos ainda brilhavam no seu olhar. Inexistia ali o compartilhamento da dor ou a compaixão. Não se pode dizer que ele não tinha emoção. Tinha sim, mas não uma emoção empática.
Guilherme de Pádua nunca conseguiu vivenciar a dor do outro, apesar de demonstrar que um erro ocorreu de fato, mas que a vida dele precisava seguir. É como se ele não conseguisse alcançar a gravidade da situação em sua totalidade, como se estivesse gritando (internamente) para todos: “Chega, não vamos voltar nisso. Já foi, muitos anos já se passaram. Acabou”.
O cúmplice da morte de Daniela demonstrava total desapego da realidade, mapeado por traços de personalidade narcisista, com grandes marcas de comportamento narcisista. No entanto, é preciso esclarecer que, nem todas as pessoas que possuem personalidade antissocial ou aspectos de narcisismo cometem crimes e são capazes de matar. Dentro dessa análise, pode-se concluir a associação da perversidade e crueldade, no processo de horror ao qual foi submetida Daniela Perez.
Paula Thomaz: traços de personalidade borderline
Quando entramos no universo de Paula Thomaz, ficam nítidos os traços de uma personalidade Borderline, pincelada pela dissimulação e obsessão da criminosa. Paula transmite na fala, uma calmaria típica das pessoas que articulam suas estratégias e não sofrem com os resultados macabros de seus atos, mas que ao mesmo tempo, nos passa aquela impressão de que, a qualquer momento, podem ser sucumbidos por um acesso de fúria incontrolável.
Suas atitudes são tão marcantes que, após sair da prisão, ela demonstra querer seguir os mesmos passos e ter uma vida similar à vida da atriz assassinada. Uma perseguição doentia que não finalizou após a morte de Daniella, tanto que Paula foi estudar na mesma faculdade e morar no mesmo bairro de Glória. E também explorou os desejos de que a filha se torne uma atriz, assim como a vítima.
Trama de manipulação, mentiras e sofrimento intenso
Enfim, todo esse enredo macabro poderia ser palco de uma novela. Mas, certamente, não seria, jamais a novela que Gloria Perez gostaria de assinar ou vivenciar. Uma trama recheada de manipulação, mentiras, um sofrimento intenso e a dor de uma mãe que declarava seu receio de permanecer como alvo dos assassinos, já que, para Glória, as estocadas de punhal que encerraram a vida de sua filha seriam para ela.
Segundo foi apurado pela autora, Guilherme estava incomodado, dentre outras coisas, com a redução de seu papel na novela. Um fato atribuído apenas à novelista, mas que, por vingança, vitimou Daniela. E dentro de todo esse cenário de dor, restam indignações de toda uma nação que sofreu e hoje sofre ao reviver os fatos.
Revolta por ver que algumas mídias insistiam em dar voz aos dois criminosos. E que o ciclo de manipulação da realidade e da construção da falsa verdade ainda faz parte do jogo perverso, omisso, psicopático e doentio destes dois personagens. Por meio de atos covardes, Guilherme e Pádua tiraram a vida de uma linda moça no auge de seus sonhos e de suas realizações, além de terem imputado um vazio eterno e imenso no peito de Gloria Perez.
Apesar de todo o sofrimento, a novelista tirou forças, não se sabe de onde, para reunir provas, juntar pistas e clamar por justiça, como uma verdadeira detetive e leoa, durante todos esses anos, para ver os criminosos atrás das grades.
*Andrea Ladislau é pós-graduada em Administração Hospitalar e Psicanálise e doutora em Psicanálise Contemporânea. Possui especialização em Psicopedagogia e Inclusão Digital. É também graduada em Letras e Administração de Empresas, palestrante, membro da Academia Fluminense de Letras e escreve para diversos veículos. Na pandemia, criou no Whatsapp o grupo Reflexões Positivas, para apoio emocional de pessoas do Brasil inteiro.
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Andrea Ladislau colabora para a seção Palavra de Especialista toda quarta-feira. Dúvidas e sugestões para palavradeespecialista@vidaeacao.com.br.
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Entenda o crime e a vida de Pádua
A Wikipedia informa que “Guilherme de Pádua Thomaz foi um ator e posteriormente um pastor batista brasileiro. Ficou nacionalmente conhecido por sua cumplicidade no assassinato brutal da atriz Daniella Perez, sua colega de elenco e par romântico na novela ‘De Corpo e Alma'”. Condenado a 19 anos de prisão, cumpriu apenas um terço da pena: foi solto em 14 de outubro de 1999, após ficar preso por apenas seis anos e nove meses.
Para revolta da mãe de Daniella, a autora Glória Perez, e de boa parte do elenco da Globo e da população, que torciam para que Guilherme e a mulher, Paula Thomaz, apodrecessem na cadeia para pagar pelo crime que cometeram. Na vida real, essa novela macabra foi interrompida por uma fatalidade no dia 6 de novembro, quatro dias após Guilherme completar 53 anos e na mesma data da estreia da novela ‘Explode Coração”, também de Glória Perez, há 27 anos. O agora pastor que jurava inocência foi encontrado morto em sua casa, vítima de um infarto.
O crime ocorreu em 28 dezembro de 1992, quando Guilherme de Pádua e sua então esposa Paula Nogueira Thomaz (atualmente Paula Nogueira Peixoto), assassinaram Daniella. A perícia apontou que Paula desferiu 18 golpes em Daniella utilizando um instrumento perfurocortante (uma tesoura segundo Pádua, um punhal segundo o autor da autópsia).
Pádua já mudou sua versão sobre os fatos em diversas entrevistas após o crime, passou por alguns trabalhos e, em 2017, casou-se novamente e se converteu à religião, tornando-se pastor da Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte. Após a morte do marido, Juliana o defendeu em posts nas redes sociais, dizendo que s golpes mortais em Daniella foram desferidos por Paula. E declarou: “Igual ou melhor que você jamais”.
Em 24 de maio de 2020, o ex-ator chamou a atenção por comparecer a uma manifestação pró-Bolsonaro com a mulher, a estilista Juliana Lacerda, fã da primeira-dama Michele Bolsonaro, gerando indignação de usuários no Twitter. Na campanha presidencial, Pádua também declarou voto a favor do atual presidente, assim como o Goleiro Bruno, preso e condenado pelo assassinato e ocultação do cadáver de sua ex-namorada, Elisa Samudio, mãe de um filho do jogador.
Glória Perez não se manifestou publicamente sobre a morte do algoz de sua filha. Mas em suas redes sociais, houve uma avalanche de mensagens de apoio após a notícia de que Guilherme de Pádua estava morto. “Da justiça divina ele não fugirá”, escreveu uma seguidora. “Guilherme de Pádua morreu, agora ele será julgado de verdade”, escreveu outra fã. “Gloria, a justiça tarda, mas não falha”, complementou outra. “Não pagou na lei dos homens, mas hoje pagará na lei de Deus. Entendedores entenderão”, postou outra internauta.