Apesar dos 150 quilos, o estudante de Nutrição e gastrólogo, Matheus Aciole, de 23 anos, era um jovem ativo e saudável e não apresentava nenhuma doença crônica, segundo a família. Mesmo assim, não resistiu à Covid-19: morreu no dia 31 de março, após cinco dias internado num hospital particular de Natal (RN)
A morte do primeiro jovem brasileiro pela doença causada pelo novo coronavírus acendeu o sinal de alerta para o risco elevado de agravamento da doença para os obesos.Pesquisa publicada pela renomada revista científica The Lancet confirmou a maior vulnerabilidade dos obesos à Covid-19.  Outro estudo feito pelo Centro Nacional de Pesquisa e Auditoria em Terapia Intensiva do Reino Unido descobriu que sete a cada 10 pacientes internados por causa do coronavírus em UTIs no país eram obesos ou tinham sobrepeso.

De acordo com a World Obesity Society, pessoas com obesidade em todo o mundo já estão em alto risco de complicações graves da Covid-19 por causa do aumento do risco das doenças crônicas que a obesidade causa. No Reino Unido, desde o dia 16 de março, a obesidade é considerada um fator de risco. Dados indicam que sete em cada 10 pacientes internados em unidades de terapia intensiva no país com coronavírus estavam com sobrepeso ou obesidade. Além disso, indivíduos com obesidade que se isolam e evitam o contato social já estão estigmatizados e experimentam taxas mais altas de depressão.

Estudos mais recentes sobre a Covid-19, divulgados na última semana na França e nos Estados Unidos, apontam que a obesidade está presente em mais da metade dos pacientes internados e também naqueles que precisam de ventilação mecânica. Uma pesquisa realizada na França, publicada pelo Instituto Lille Pasteur, aponta que a obesidade está associada a casos mais graves de Covid-19, quando requer uso de respiradores.

Dados divulgados pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) do Departamento de Saúde dos Estados Unidos, divulgado no dia 8 de abril, apontam que a obesidade é a condição mais comum entre pacientes com Covid-19 hospitalizados entre 18 e 65 anos. Na última segunda-feira (13), o CDC estadunidense atualizou o rol de comorbidades que são consideradas de risco diante da epidemia e incluiu a obesidade entre os fatores.

No maior estudo até agora de internações nos EUA para a doença causada pelo novo coronavírus, os pesquisadores do Langone Health Center, o centro de saúde daFaculdade de Medicina Grossman da Universidade de Nova York (NYU), descobriram que idade e doenças crônicas (doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade, em particular) foram os principais fatores que levaram à hospitalização pelo novo coronavírus. Publicado dia 11 de abril no servidor de pré-impressão medRx, o estudo analisou relatórios de 4.103 pacientes e mostrou que a obesidade, depois da idade avançada, foi de longe o preditor mais importante de hospitalização. 

No Brasil, de acordo com o último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde,   divulgado na quinta- feira (16 de abril), oito em cada dez brasileiros (78%) que morreram da doença apresentavam pelo menos um fator de risco associado. O excesso de peso atinge mais da metade da população adulta no Brasil (55,7%) e não é apenas uma doença da faixa etária considerada idosa. Segundo um levantamento recente do Ministério da Saúde (pesquisa Vigitel 2019), um em cada cinco brasileiros (19,8%) é obeso. Além disso, mais da metade da população (55,7%) tem excesso de peso.

Fator de risco associado a outras comorbidades

A obesidade, por si só, não foi o principal fator de risco para pacientes acima de 60 anos – grupo que compõe a maioria dos mortos -, embora apareça na lista de comorbidades. Mas doenças normalmente resultantes dela, sim.  Cardiopatias foram, por exemplo, a condição mais prevalente ligada às mortes investigadas entre aqueles que tinham mais de 60 anos (81% do total de mortos). Nessa mesma faixa etária, em segundo lugar vêm os diabéticos, seguido por quadros de pneumopatia e doenças neurológicas. Entre os mais jovens, as comorbidades mais predominantes foram, nessa ordem: diabetes, cardiopatia e obesidade.

Pesquisas sobre os efeitos da obesidade na gripe sugerem que esse fator de risco pode prolongar o tempo que os vírus permanecem em nossos corpos, dificultando o combate à doença. A obesidade geralmente está por trás de muitas das condições pré-existentes que foram definidas como de alto risco para a possível disseminação do coronavírus. Assim, é um fator de risco conhecido para o desenvolvimento de hipertensão e doenças cardiovasculares. Ao mesmo tempo, alguns estudos sugerem que pessoas obesas têm três vezes mais risco de ter diabetes.

Por meses, a idade e doenças como diabetes e hipertensão apareceram como fatores determinantes de risco, mas agora estudos conduzidos nos Estados Unidos e na França constataram que a obesidade é fator crônico mais importante e o maior marcador para fator de agravamento, principalmente em pacientes jovens e em pacientes que necessitam de respiradores nos hospitais”, informa o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica (SBCBM), Marcos Leão Vilas Bôas.

Mais sobre os estudos nos EUA e na França

Cientistas do Langone Health Center, em Nova York, informam ter descoberto que a obesidade é o fator mais importante para a hospitalização ou não de um paciente após a infecção pelo novo coronavírus. Eles conduziram o maior estudo realizado em hospitais dos Estados Unidos nesta pandemia até agora, de acordo com um relatório da ZDNet. Os pesquisadores descobriram que a composição corporal desempenhou um grande papel na resposta de cada indivíduo à Covid-19.

No estudo intitulado “Fatores associados à hospitalização e doença crítica entre 4.103 pacientes de Covid-19 na cidade de Nova York “,  os médicos do centro de saúde da Faculdade de Medicina Grossman da NYU, afirmam que a obesidade foi o maior fator decisivo nas internações, depois da idade, o que pode indicar o papel das reações hiperinflamatórias que ocorrem nas pessoas com a doença.

O relatório Covid-NET foi realizado entre 1 e 30 de março, primeiro mês de vigilância nos Estados Unidos, em 99 municípios de 14 estados americanos. Para aproximadamente 180 adultos hospitalizados 89,3% apresentavam outras doenças crônicas, sendo as mais comumente relatados a hipertensão (49,7%), obesidade (48,3%), doença pulmonar crônica (34,6%), diabetes mellitus (28,3%) e doença cardiovascular (27,8%).

Outro estudo separado feito por pesquisadores da NYU Langone Health, revelou que pacientes com menos de 60 anos apresentavam maior risco de hospitalização devido a complicações da covid-19 se fossem obesos. Entre jovens e adultos internados, com idades entre 18 e 49 anos, 59% são obesos. Na faixa etária entre 50 e 64 anos, o número de obesos nos leitos é de 49%. Apenas entre idosos, com idade igual ou superior a 65 anos, a obesidade é superada pelos casos em que pacientes apresentam histórico clínico de hipertensão arterial.

O relatório, publicado na revista Clinical Infectious Diseases, analisou os dados de 3.615 pacientes que apresentaram resultado positivo para o coronavírus de 4 de março a 4 de abril. Escrito por vários médicos, o artigo ainda não foi revisado por pares, mas pode ser o começo de uma importante descoberta sobre o coronavírus.

A condição crônica com a associação mais forte com doenças críticas foi a obesidade, com uma razão de chances substancialmente mais alta do que qualquer doença cardiovascular ou pulmonar”, escreveu o principal autor Christopher M. Petrilli, da NYU Grossman School.

GRÁFICO: CONDIÇÕES DE INTERNAMENTOS POR COVID-19 NOS EUA

Estudos na frança e reino unido

A pesquisa divulgada no dia 23 de março pela NHS, Agência de Saúde Inglesa, revelou que quase dois terços dos pacientes do Reino Unido que têm o quadro grave da doença Covid-19 são obesos; e perto de 40% estão na faixa de idade abaixo de 60 anos. Foram analisados 194 pacientes internados nos centros de cuidados intensivos no Reino Unido.

Já pesquisa realizada pela Universidade de Lille, o Departamento de Terapia Intensiva e o Centro Integrado de Obesidade da cidade francesa de Lille, mostrou que a gravidade da doença aumenta de acordo com o Índice de Massa Corporal (IMC) do paciente. O resultado mostra que, de maneira geral, 68,6% dos pacientes com IMC acima de 30 e obesidade grave precisaram de ventilação mecânica durante o internamento. A proporção de pacientes que necessitaram de ventilação mecânica foi maior nos pacientes com IMC >35 kg/m2 (85,7%).

Neste estudo de coorte retrospectivo, os pesquisadores analisaram a relação entre as características clínicas, incluindo o índice de massa corporal (IMC) e a necessidade de ventilação mecânica invasiva (VMI) em 124 pacientes consecutivos internados em terapia intensiva por SARS-CoV-2, em um único centro francês.

Mesma situação com a gripe suína

Durante a epidemia da gripe suína (H1N1) de 2009, outra infecção viral que também grave, a obesidade foi reconhecida como fator de risco independente para complicações da influenza. Dados publicados em 2011 da Organização Mundial da Saúde já relatavam uma relação entre a obesidade e os quadros mais graves da doença. Esse estudo envolveu uma revisão de resultados de 70 mil laboratórios de 20 países.

De acordo com o cirurgião bariátrico Caetano Marchesini, como outros estados de alterações nutricionais, a obesidade promove defeitos no sistema imunológico alterando a contagem de leucócitos, bem como a resposta destas células a condições infecciosas. Entre as explicações estão o aumento da produção de um hormônio chamado leptina e a diminuição de adiponectina. O primeiro promove inflamação e o segundo é um hormônio anti-inflamatório. O aumento da leptina tem efeito direto sobre as células imunológicas.

Estudos com metanálises, que avaliaram pacientes com obesidade e H1N1, demonstraram um risco mais que duas vezes maior de internação em UTI e mortalidade. Em pesquisas, camundongos com obesidade induzida por dieta e infectados por influenza apresentaram menor atividade antiviral. Animais e humanos com deficiência do hormônio leptina têm mais infecções respiratórias.

Outro fator de risco parece estar relacionado ao excesso de volume das células adiposas. “Entre as células passa o sangue que as mantêm vivas, este inchaço devido ao acúmulo excessivo de gordura dentro delas leva a um comprometimento do fluxo de sangue, consequentemente a uma falta de oxigênio – hipóxia – crônica e a produção contínua de proteínas promotoras de infecção”, conta Marchesini. “Curiosamente estes fenômenos se restringem mais à gordura visceral, que é a do abdômen e menos à gordura periférica”, finaliza o cirurgião.

Com Assessorias

 

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