Os recentes casos de intoxicação por metanol em bebidas alcoólicas evidenciam um problema grave de saúde pública. Essas ocorrências revelam dois problemas: o risco individual para quem consome bebidas de origem duvidosa e o risco coletivo, pois esses casos sobrecarregam os hospitais e expõem fragilidades na fiscalização de bebidas alcoólicas.

Para a psicóloga e neuropsicóloga, Sabrina Bezerra, o consumo de álcool vai além de uma escolha individual, ele é profundamente enraizado em uma cultura que normaliza e até incentiva o beber, o que contribui para o uso indiscriminado e para a baixa percepção de risco.

metanol é uma substância altamente tóxica. Clinicamente, observamos sintomas neurológicos importantes, como confusão mental, rebaixamento de consciência, convulsões, alterações visuais que podem evoluir para casos graves, como estamos vendo, e até lesões permanentes no sistema nervoso central”, afirma.

Segundo ela, tais sintomas podem ser confundidos com a embriaguez que o próprio álcool causa. “Muitas pessoas não reconhecem os sinais precoces de intoxicação ou não buscam atendimento médico imediato, seja por desconhecimento ou por medo de estigma relacionado ao consumo de álcool. Essa lacuna, aumentam os casos subnotificados, reduz a eficácia das intervenções e dificulta o monitoramento epidemiológico”, ressalta.

Intoxicação por metanol expõe falhas na saúde pública e no controle de bebidas

Para a pesquisadora, especialista em saúde pública e doenças infecciosas Marielena Vogel Saivish, a intoxicação por metanol é uma das mais graves formas de envenenamento associadas ao consumo de bebidas alcoólicas adulteradas.

metanol é um álcool industrial, usado em combustíveis, solventes e produtos químicos, que não deve nunca estar presente em bebidas destinadas ao consumo humano. Segundo ela, o grande risco é que, quando ingerido, o organismo o transforma em formaldeído e ácido fórmico, compostos extremamente tóxicos que atacam o sistema nervoso central e, em especial, o nervo óptico.

Isso significa que os sintomas iniciais podem até se parecer com uma embriaguez comum (dor de cabeça, tontura, náusea), mas rapidamente evoluem para um quadro muito mais perigoso: perda parcial ou total da visão, convulsões, confusão mental, queda no nível de consciência e, em casos graves, coma e morte. O que assusta é que até pequenas quantidades podem provocar sequelas permanentes.

 O que estamos vendo não é um acidente imprevisível, mas sim uma tragédia evitável. A intoxicação por metanol mostra como a falta de fiscalização e a informalidade na produção de bebidas podem custar vidas em poucas horas”, afirma.

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Especialistas explicam como identificar essas diferenças

Apesar de quimicamente muito parecido com o etanol – o álcool comum presente nas bebidas -, o metanol tem dinâmica de degradação no corpo humano muito diferente e perigosa, podendo causar danos permanentes ou levar à morte mesmo em doses baixas. Especialista falam sobre os perigos mais comuns e a dinâmica da intoxicação por esse agente.

O metanol não é metabolizado da mesma maneira que o etanol, que compõe as bebidas alcoólicas, O etanol se transforma em molécula conhecida como acetaldeído, que é tóxico mas com a qual o nosso fígado consegue geralmente trabalhar, convertendo-o em ácido acético (o mesmo do vinagre).

O ritmo e a capacidade de cada pessoa para lidar com o álcool varia de acordo com fatores como idade, peso e saúde do fígado. Ele pode causar dependência, intoxicação e mesmo a morte, se em quantidades acima da capacidade de metabolismo do organismo, além de ser fator de risco para doenças do fígado, do coração e dos rins.

Para o metanol, a dinâmica segue o mesmo caminho, mas produz formaldeído. Esse composto é transformado em ácido fórmico (encontrado na natureza em algumas formigas, abelhas e plantas). O passo seguinte é seu metabolismo com ácido fólico, gerando água e gás carbônico, o que pode ser muito lento e causar acúmulo em alguns órgãos.

Ai começam os problemas: o acúmulo sobrecarrega inicialmente o sistema nervoso, principalmente o nervo óptico, e um dos sintomas mais característicos são as alterações na visão ou mesmo cegueira, que podem ser breves, duradouras ou até permanentes.

O pior dos cenários, porém, é de uma intoxicação severa, onde a concentração de ácido fórmico no sangue leva a uma sobrecarga no metabolismo intracelular, afetando as mitocôndrias. Elas são responsáveis pela geração de energia dentro das células e qualquer coisa que as afete terá impacto em todo o corpo.

Neurocirurgião explica a diferença entre os sintomas

A diferença nos sintomas talvez seja a melhor forma de identificar se a bebida continha uma mistura de etanol e metanol. Enquanto o primeiro gera desconforto e impactos rapidamente, mesmo os mais graves, os sintomas do metanol vão aparecer aos poucos, pois o corpo metaboliza a substância lentamente, explicou o neurocirurgião André Meireles Borba. Os sintomas, segundo ele, tendem a aparecer algumas horas depois da ingestão e vão se agravando.

Mesmo que você tenha ingerido álcool, se horas depois da ingestão você começar a sentir sintomas que sejam diferentes dos habituais, especialmente se envolvem a alteração da parte visual, deve haver alguma preocupação. Especialmente se os sintomas, em vez de diminuírem, forem piorando ao longo das horas”.

Entre os sintomas possíveis estão cegueira, névoa na visão, intolerância à luz e aparecimento de manchas. Apesar dos sinais relacionados ao nervo óptico serem os mais comuns, Borba esclarece que o mais perigoso são os sintomas do que seria a “intoxicação das mitocôndrias”.

Normalmente, elas fazem a respiração bioquímica, que é a produção de energia dentro das células, por meio do metabolismo do açúcar no sangue (que não é o açúcar que comemos, já é um produto dele, geralmente açúcares menores e gorduras). Esse processo é regulado por um mecanismo bioquímico que envolve sais e é desequilibrado pelo metabólito do metanol, o formaldeído.

Na prática ele ‘gruda’ no citocromo, o que faz com que pare de funcionar. Se a gente comparar esse funcionamento com o pistão do motor de um carro, é como você encher o pistão de água, e isso impede seu funcionamento”, ilustra o médico. É como um processo de asfixia em nível celular, muito difícil de tratar e, a partir de um certo ponto, irreversível. “As células deixam de produzir energia, não tem como a gente trocar isso”, conclui.

Com Assessorias e Agência Brasil

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