Dois dias depois de um jovem turista, fã da cantora Taylor Swift, ser morto a facadas durante um assalto em Copacabana por um homem em situação de rua, o prefeito do Rio de Janeiro usou as redes sociais para defender a internação compulsória como forma de prevenção de crimes na cidade.
“Não é mais admissível que diferentes áreas de nossa cidade fiquem com pessoas nas ruas que não aceitam qualquer tipo de acolhimento e que mesmo abordadas em diferentes oportunidades pelas equipes da prefeitura e autoridades policiais, acabem cometendo crimes”, escreveu Paes.
O prefeito classificou como ‘caos’ a situação nas ruas da cidade e anunciou que pediu ao secretário municipal de saúde, Daniel Soranz, para elaborar uma proposta para tratamento de usuários de drogas nas ruas da cidade. “Não podemos generalizar, mas as amarras impostas às autoridades públicas para combater o caos que vemos nas ruas da cidade, demanda instrumentos efetivos para se evitar que essa rotina prossiga”, completou o prefeito.
Muitos moradores, principalmente na zona sul do Rio e bairros próximos, como Tijuca e Centro, reclamam do grande número de pessoas em situação de rua, sendo muitos pedintes e usuários de drogas.
Turista fã de Taylor Swift foi morto por homem em situação de rua
Na madrugada de domingo, o turista Gabriel Mongenot Santana Milhomem Santos, de 25 anos, foi abordado enquanto dormia na areia da praia de Copacabana. Ele veio do Mato Grosso do Sul para assistir ao show de Taylor Swift. Segundo relato de uma prima que o acompanhava, ele teria se assustado com a chegada de um homem e foi esfaqueado.
Acusado de ser autor das facadas, Jonathan Batista Barbosa, de 37 anos, vive em situação de rua no bairro e teria cometido o crime menos de 12 horas depois de ser solto – ele havia sido preso por furto de 80 barras de chocolate na sexta-feira (17), em uma loja próximo do local da morte de Gabriel. Na ficha criminal de Jonathan também constam tráfico, duplo homicídio, violência doméstica, flagrante por furto, roubo e posse ilegal de arma de fogo.
Outro caso que chamou a atenção do prefeito foi a morte de um rapaz de 20 anos na segunda-feira (20), numa rua no entorno do Estádio Engenhão – onde ocorreu o show da cantora norte-americana. Ele estava em situação de rua e sofreu uma parada cardíaca, supostamente devido a uma overdose de drogas, chegou a ser socorrido pelos bombeiros e levado ao Hospital Salgado Filho, no Méier (zona norte).
Cuidados para quem não pode pagar por tratamento
O secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, afirma que situações como essa são cada vez mais comuns, e a internação compulsória se justificaria para oferecer cuidados médicos àqueles que não têm mais condições de buscar auxílio por conta própria. Segundo ele, a proposta é fazer uso da internação compulsória em situações de maior gravidade.
“Estamos vendo uma série de casos de pacientes que passam pelas unidades ambulatoriais, com situação clínica se agravando e indo a óbito. Tivemos notícia de um garoto de 20 anos, três meses fora de casa, que foi a óbito por overdose e dependência química. Isso é uma preocupação imensa, o número de óbitos desses casos vem aumentando muito no município do Rio de Janeiro”, disse.
Segundo a prefeitura, o jovem já havia passado por várias unidades de saúde e recebido a indicação clínica de internação, mas não chegou a se internar. “Existe um histórico do paciente, então. essa medida é para o caso em que já se tentou diversas vezes que ele se recupere, mas infelizmente se percebe que o estado dele se agravou profundamente e não tem nenhuma condição de responder por si naquele momento”, acrescentou.
Soranz argumenta que a medida também permitiria uma maior igualdade no acesso aos recursos públicos de saúde. “As famílias que têm mais dinheiro, mais recursos, conseguem internar familiares em situações graves e críticas, e a Secretaria Municipal de Saúde do Rio também precisa oferecer esse serviço para as pessoas mais pobres. É a possibilidade de que um paciente mais pobre tenha acesso ao serviço de socorro em situações de exceção que precisam de fato serem realizadas”.
Críticas à declaração do prefeito
A medida defendida pelo Quem trabalha na área de direitos humanos e saúde mental critica a fala do prefeito, por entender que ela não tem respaldo científico e legal. Lucio Costa, diretor executivo do Instituto Desiderata, que defende direitos humanos e saúde mental, condenou a declaração do prefeito.
“É uma afirmação perigosa. Primeiro, porque ela não leva em consideração uma dimensão científica sobre a internação forçada de pessoas, cuja eficácia não se respalda. E do ponto de vista legal, é uma manifestação arbitrária, porque no Brasil nenhuma pessoa é obrigada a se tratar. O acesso à saúde é um direito e não um dever do cidadão”, disse.
Além de ser contra esse tipo de internação, o diretor executivo do Instituto Desiderata diz que ela não dá conta de um problema que deveria envolver diferentes recursos públicos para além da saúde.
“O problema das pessoas que fazem uso de drogas, principalmente aquelas que estão em via pública, passa por uma estratégia muito mais complexa do que simplesmente prender a pessoa por meio de uma internação compulsória ou forçada. Essas pessoas precisam ter acesso a moradia, cultura, trabalho e geração de renda. A saúde é uma das dimensões da vida. Não dá para um gestor público acordar pensando que achou a solução que é prender pessoas”.
Política de internação compulsória de Paes foi suspensa pelo MP
Esta não é a primeira vez que a internação compulsória de pessoas em situação de rua – especialmente aquelas em dependência química – durante o mandato de Eduardo Paes. Em sua primeira gestão na prefeitura, de 2009 a 2012, Paes chegou a adotar a política de internação compulsória, que acabou suspensa após ação do Ministério Público do Estado do Rio.
Em agosto de 2019, o então prefeito Marcelo Crivella estabeleceu regras e condições para o acolhimento de pessoas em situação de rua e para os tipos de internação de dependentes de drogas – voluntária ou involuntária. No caso da internação involuntária, deveria durar apenas o tempo necessário à desintoxicação, com término determinado pelo médico responsável, e não poderia ultrapassar o prazo de 90 dias e vai durar.
O texto estabelecia ainda que a interrupção do tratamento pode ocorrer caso a família ou o representante legal da pessoa submetida à internação peça ao médico responsável. Para o dependente de drogas, a internação só poderia ocorrer em unidade de saúde ou hospitais gerais que tenham equipes multidisciplinares, após autorização de médico com registro no Conselho Regional de Medicina (CRM).
Em julho passado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, em decisão liminar que depois obteve apoio da maioria dos integrantes da corte, proibiu que o poder público remova compulsoriamente pessoas em situação de rua. A decisão é genérica e não trata especificamente de usuários de drogas, mas pode servir como argumento para impedir a internação obrigatória.
Com informações da Agência Brasil e Agência Estado