Ainda segundo dados referentes a 2022, cerca de 1,4 milhão de pessoas no Brasil, o que representa 0,65% da população, declararam ter deficiência mental ou intelectual que gera dificuldades. Em comparação, o Censo de 2010 apontava 2,6 milhões de pessoas com deficiência mental ou intelectual, correspondendo a 1,4% da população da época.
Os maiores índices estão entre mulheres, pessoas autodeclaradas pretas e na região Nordeste. Desse grupo, mais da metade (54,8%) apresenta limitações intensas ou muito intensas. Mesmo sendo a reabilitação fundamental para ajudar a dar qualidade de vida a essas pessoas, apenas 30% delas usufruem de serviços de reabilitação na área da saúde.
Inclusão real não é só instalar rampa de acesso
Mais do que acessibilidade física, inclusão exige atenção e apoio à saúde mental, diz psiquiatra
A iniciativa coloca em pauta um tema urgente e muitas vezes negligenciado: a inclusão real. Apesar de, nas últimas décadas, o debate sobre acessibilidade física ter avançado, há barreiras invisíveis ligadas à saúde mental, ao preconceito e à sobrecarga emocional que seguem limitando a plena participação social dessas pessoas.
Conforme explica a psiquiatra Aline Sena, do grupo ViV Saúde Mental e Emocional, estas são condições que podem afetar desde o desenvolvimento cognitivo e a capacidade de comunicação até a mobilidade física e a autonomia no dia a dia. Por isso, segundo ela, o acompanhamento contínuo, tanto médico quanto psicossocial, é fundamental para o bem-estar dessas pessoas e para a saúde emocional de suas famílias.
Muitas vezes, o sofrimento emocional não é visível e pode passar despercebido. Pessoas com deficiência intelectual e múltipla enfrentam barreiras sociais e emocionais que comprometem sua qualidade de vida. Além disso, os familiares e cuidadores carregam uma carga emocional intensa, e precisam ter seu bem-estar igualmente considerado no processo de inclusão”, afirma a médica.
Ela alerta que, sem o suporte adequado, esses desafios invisíveis podem desencadear problemas como ansiedade, depressão, crises de estresse e isolamento social tanto para os pacientes quanto para quem está no papel de cuidador.
O cuidado integral precisa incluir suporte psicológico, programas de estimulação cognitiva, terapias ocupacionais e espaços de convivência que favoreçam a participação social. Isso vale tanto para a pessoa com deficiência quanto para quem está ao lado dela no dia a dia”, reforça.
A sobrecarga emocional de familiares e cuidadores
A sobrecarga emocional de famílias e cuidadores é um aspecto que raramente recebe a atenção necessária. O ato de cuidar, embora muitas vezes motivado por amor e compromisso, pode gerar desgaste físico e mental, levando a sintomas como insônia, fadiga e até quadros depressivos. A ausência de redes de apoio, programas de descanso (conhecidos como respite care) e atendimento psicológico agrava esse cenário.
Segundo a psiquiatra, o acompanhamento ideal desses pacientes deve ter como objetivo criar estratégias para preencher essas lacunas, oferecendo atendimento multidisciplinar que envolva psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais e outros profissionais de saúde.
Aline ainda explica que é fundamental criar um plano de cuidado que contemple não apenas a condição clínica, mas também o contexto social e emocional de cada paciente e sua família.
Inclusão de verdade não se limita a rampas e vagas reservadas. Ela passa pelo reconhecimento da dignidade, da autonomia possível e do direito de cada pessoa a uma vida plena, com suporte emocional adequado”, conclui a especialista.
Alerta para falhas graves no atendimento na rede de assistência à saúde
Durante a Semana Nacional das Pessoas com Deficiência Intelectual e Múltipla, a Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente (Sobrasp) – alerta para falhas graves no atendimento dessas pessoas na rede de assistência à saúde, enfrentando riscos que poderiam ser evitados com profissionais capacitados, protocolos e práticas clínicas inclusivas e respeito aos seus direitos como pacientes.
A segurança do paciente é um direito humano fundamental. No entanto, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de um em cada dez pacientes sofrem danos em ambientes de atenção à saúde, e mais de três milhões de mortes anuais em todo o mundo são atribuídas à falta de segurança nos cuidados – problemas que poderiam ser evitados com medidas simples, como a higienização adequada das mãos e cuidados rigorosos no manuseio de medicamentos.
A pandemia de Covid-19 contribuiu para um aumento no número de pessoas com deficiência intelectual no Brasil e no mundo. Pessoas com deficiência enfrentam barreiras adicionais, como comunicação inadequada, ambientes não acessíveis e preconceito estrutural, que aumentam o risco de eventos adversos, conhecidos como “erros médicos”.
Desafios no atendimento seguro e de qualidade em saúde
Infelizmente, além do aumento no número de casos, as pessoas com deficiência intelectual continuam sendo discriminadas no atendimento à saúde. Estudos indicam que esses pacientes frequentemente não têm prioridade nos atendimentos, enfrentando atrasos em cuidados médicos e declínio na realização de exames de rotina, como os cardiovasculares.
Há uma vulnerabilidade acentuada entre esses pacientes, com taxas mais altas de incidentes de segurança e tratamento discriminatório. É fundamental implementar políticas específicas já existentes, que tenham como foco as pessoas com deficiência. O Ministério da Saúde tem a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Pessoa com Deficiência, atualizada pela Portaria GM/MS n. 1.526/2023), que garante a segurança e a equidade nos cuidados dessa população. São necessárias intervenções que abordem a acessibilidade e a capacitação dos profissionais de saúde para promover um atendimento de qualidade e seguro”, alerta Luciana Musse, membro da Sobrasp.
Direitos do paciente com deficiência
A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD), a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) reconhecem a pessoa com deficiência intelectual e múltipla como sujeito de direitos, garantindo-lhes o direito de se casarem e terem filhos, por exemplo. Mas, seus direitos sexuais e reprodutivos são violados com frequência.
Na condição de paciente, têm direito de ser ouvido e a participar direta e ativamente da tomada de decisão sobre seu tratamento e ações que envolvem sua vida e saúde.
Confira outros direitos do paciente com deficiência intelectual ou múltipla
● À vida e à saúde por meio de cuidado seguro e de qualidade;
● A não ser discriminado;
● À informação, que deverá ser transmitida ao paciente de forma acessível, através de uma linguagem simples, clara e sem infantilizar a pessoa com deficiência intelectual ou múltipla;
● A um acompanhante durante todo o período de internação, independentemente da idade;
● A uma segunda opinião, mesmo em situações de urgência e emergência;
● Ao acesso ao seu prontuário, sem custos ou justificativas;
● Ao consentimento informado;
● À privacidade durante os cuidados em saúde;
● A não ser submetido a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes;
● Ao ser cuidado em estabelecimentos de saúde seguros e protegidos e por trabalhadores de saúde qualificados;
● A apresentar queixa e exigir reparação, se acontecer um incidente evitável (“erro médico”).
Políticas públicas
As políticas públicas desempenham um papel fundamental na promoção da inclusão e do respeito às pessoas com deficiência. Na área da saúde, é fundamental estabelecer critérios de acessibilidade física e de comunicação em hospitais e centros de saúde, garantindo que esses espaços sejam realmente acessíveis e seguros a todos. Protocolos também devem ser criados em linguagem simples e acessível para assegurar o respeito ao consentimento livre, prévio e informado das pessoas com deficiência durante qualquer procedimento médico, promovendo um atendimento humanizado e respeitoso, com base em direitos humanos.
Outro aspecto importante é garantir os direitos sexuais e reprodutivos dessas pessoas, especialmente de mulheres, lésbicas, bissexuais, pessoas transgênero e meninas com deficiência intelectual, psicossocial ou sensorial. Essas garantias são essenciais para promover a autonomia e o bem-estar de cada indivíduo.
Por fim, é fundamental investir na capacitação de profissionais da saúde que atuam tanto na iniciativa privada, quanto no setor público, promovendo cursos e treinamentos que abordem a segurança e a qualidade do cuidado, assim como os direitos das pessoas e dos pacientes com deficiência e as consequências de práticas prejudiciais e discriminatórias. Assim, é possível construir uma cultura de segurança do paciente com deficiência, baseada no respeito à sua dignidade, inclusão e valorização da diversidade, contribuindo para uma sociedade mais justa e igualitária para todos.
Tipos de deficiência mais frequentes:
- Dificuldade de enxergar: Foi a mais comum, afetando 7,9 milhões de pessoas.
- Dificuldade para andar ou subir degraus: Afetou 5,2 milhões de pessoas.
- Dificuldade para se comunicar, realizar cuidados pessoais ou trabalhar/estudar por limitações mentais: Atingiu 2,7 milhões de pessoas.
- Dificuldade para ouvir: Alcançou 2,6 milhões de pessoas.
Com Assessorias