O melanoma representa cerca de 4% dos tumores de pele, mas é o tipo mais agressivo e letal, especialmente devido à alta probabilidade de se espalhar para outros órgãos. No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima a ocorrência de 8.980 diagnósticos de melanoma em 2024 e quase 2 mil mortes em decorrência do tumor. Esse tipo de câncer é subdividido em quatro estágios, conforme a gravidade.

Pacientes com melanoma nos estágios 1 e 2 possuem tumor localizado, sem metástases. Pessoas no estágio 3 possuem metástases próximas, geralmente em linfonodos – e são elas que passam por cirurgia e imunoterapia. Pacientes no estágio 4 são os com o melanoma mais avançado, com metástases distantes e espalhadas para outros órgãos.

O tratamento padrão da doença para pacientes com metástase em linfonodos regionais (estágio 3) se baseia na retirada do tumor associada à aplicação de imunoterapia por um ano para diminuir o risco de recidiva.

Agora, um estudo apresentado durante a Asco 2024, a plenária do American Society of Clinical Oncology (Asco), realizado em Chicago, Estados Unidos, deve mudar essa prática clínica. A conclusão do estudo Nadina foi um dos principais destaques da reunião anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, , considerado o maior congresso oncológico do mundo, no começo de junho, mês em que se lembra o combate ao melanoma, por meio da campanha Junho Preto.

Pesquisadores de diversas instituições da Austrália e dos Países Baixos demonstraram que o uso de apenas dois ciclos de uma imunoterapia combinada, antes da cirurgia, aumenta a chance de cura dos pacientes e diminui o risco de ressurgimento do tumor. A neoadjuvância foi realizada em pacientes com estágio 3 do melanoma, com linfonodos positivos, e evidencia resultados positivos em tumores ainda em estágios curativos e traz uma importante mudança no protocolo do melanoma.

Estudo com 423 pacientes revelou que mais de 90% do tumor foi eliminado

Para chegar aos resultados, os pesquisadores fizeram um estudo randomizado com 423 pacientes, divididos em dois grupos: o grupo controle recebeu o tratamento convencional (cirurgia primeiro + nivolumabe por 12 meses) e a outra metade recebeu o tratamento neoadjuvante, com dois ciclos de imunoterapia combinada (nivolumabe e ipilimumabe por seis semanas) e depois a cirurgia.

Os resultados mostraram que 60% dos pacientes do grupo que recebeu a estratégia neoadjuvante (dois ciclos de imunoterapia pré-operatória) tiveram uma resposta patológica completa ou maior, ou seja, mais de 90% do tumor foi eliminado – o que é considerado praticamente uma cura pelos especialistas.

Os outros 40%, que não alcançaram essa resposta, puderam continuar com a imunoterapia no pós-operatório para complementar. Além disso, o estudo demonstrou que o risco de recidiva é 70% menor entre os que receberam a imunoterapia pré-operatória, em comparação com os que fizeram o tratamento- padrão.

Gustavo Schvartsman, oncologista clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, que assistiu à apresentação do novo estudo durante a Asco, avalia como ‘fantástica’ a resposta com o novo protocolo.

A maioria dos pacientes teve essa resposta fantástica com um tratamento muito mais curto. A estratégia fez praticamente evaporar toda a doença e quase não houve casos de recidiva. Os outros 40% vão seguir com o tratamento complementar porque foi possível identificar uma população de risco mais elevado para a recidiva e que de fato precisa de um tratamento mais prolongado”, analisa

Os efeitos colaterais foram parecidos nos dois cenários, embora os pacientes que receberam a combinação dos dois remédios tenham sentido efeitos um pouco mais intensos do que aqueles que estavam no cenário de um medicamento isolado. “Mas a duração mais curta do tratamento fez com que o efeito colateral fosse mais breve também”, frisa Schvartsman.

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Os benefícios da imunoterapia

Há alguns anos, a ciência já sabe que o melanoma é um tipo de câncer extremamente imunogênico, ou seja, responde bem ao tratamento com a imunoterapia – que nada mais é do que uma forma de ensinar o corpo a reconhecer as células cancerígenas e lutar contra elas. Por isso, há vários estudos em andamento que testam diferentes formas de aplicação da imunoterapia no tratamento da doença.

De acordo com Schvartsman, o estudo apresentado na Asco foi desenhado com base em vários outros anteriores, que avaliaram a estratégia do uso da imunoterapia pré-operatória como algo potencialmente melhor para o paciente. Isso porque, segundo o médico, os resultados já vinham demonstrando que o sistema imune costuma funcionar melhor quando a imunoterapia é administrada antes de remover o tumor.

Nesse cenário (da imunoterapia aplicada antes da remoção do tumor) você tem um paciente com um sistema imune mais saudável, pois ele ainda não foi submetido à cirurgia. Além disso, o tumor ainda está presente como uma fonte de reconhecimento do sistema imune. Quando retiramos o tumor, tiramos o que o sistema imune precisa procurar. E a cirurgia também secciona os vasos sanguíneos, cortando o acesso ao tumor. Se você corta a vascularização, o sistema imune não consegue chegar ao câncer e reconhecê-lo”, explica o oncologista.

Novo protocolo é indicado para tumor em fase inicial

Vinícius Conceição, oncologista clínico e sócio do Grupo SOnHe, que participou da Asco 2024, explica que o protocolo apresentado no congresso mundial é direcionado para os pacientes que apresentam o tumor em fase inicial, sem a incidência de metástase.

O que ficou evidente é que, nesses casos, utilizar a imunoterapia antes da retirada do tumor traz menos chances de recidiva do tumor em comparação aos pacientes que foram tratados com a imunoterapia após a cirurgia”, explica o oncologista.

Nos testes clínicos de fase 2, a combinação com a imunoterapia – terapia que promove o tratamento do tumor por meio da ativação do próprio sistema imunológico do paciente – o tratamento de pacientes com melanoma antes da cirurgia para a retirada do tumor demonstrou uma redução de 44% no risco de retorno da doença ou morte em pacientes com melanoma em comparação aos que utilizam apenas a imunoterapia.

Imunoterapia no SUS e nos planos de saúde

Os dois imunoterápicos usados no estudo – nivolumabe e ipilimumabe – já estão aprovados no Brasil, mas, por enquanto, estão amplamente disponíveis somente na rede privada. Apesar da recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) no Sistema Único de Saúde (SUS), as medicações ainda não fazem parte do rol de medicamentos usados como rotina para os pacientes com melanoma atendidos pelo SUS. Isso porque são drogas de alto custo e a adesão dos centros especializados esbarra no preço.

A estratégia de antecipar a imunoterapia encurta muito o tratamento e reduz consideravelmente o custo associado. Apesar de serem dois remédios, o número de doses a serem usadas é tão menor que o custo final do tratamento fica mais barato”, observa o oncologista.

Para Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia, os resultados desse estudo podem favorecer o processo de incorporação desses imunoterápicos à rede pública, justamente pelo fato de serem necessárias menos doses.

Apesar de já termos a imunoterapia incorporada no SUS pela Conitec, ela ainda não está disponível de forma equitativa para todos que podem se beneficiar. Os centros que conseguem comprar o fazem, mas não são todos. Então nem todos os pacientes têm acesso. Acredito que esse novo estudo pode, sim, nos ajudar a buscar essas mudanças e beneficiar o paciente do SUS”, afirma Holtz.

Para o oncologista do Einstein, não restam dúvidas de que a prática clínica para pacientes da saúde suplementar deve mudar com esses resultados. “A conclusão do trabalho é inequívoca. A partir de agora, todos os pacientes com melanoma metastático deverão ser submetidos ao ciclo de imunoterapia no pré-operatório. Além de ser mais barata, porque envolve menos doses da medicação, a estratégia aumenta significativamente as chances de cura. Não existe cenário melhor”, completa.

Palavra de Especialista

Melanoma: avanços e atenção constante!

Por Vinícius Corrêa da Conceição*

Neste mês de junho, quando a conscientização sobre o melanoma ganha destaque em razão da campanha Junho Preto, a medicina trouxe para a sociedade uma boa notícia, apresentada no maior congresso oncológico do mundo, realizado em Chicago (EUA), o American Society of Clinical Oncology (ASCO).

Um estudo chamado Nadina demonstrou que a imunoterapia realizada antes da cirurgia para a retirada do melanoma diminui muito a chance de ressurgimento da doença. Trata-se de um estudo promissor, que certamente vai mudar a prática clínica nos consultórios dos oncologistas.

A aplicação do protocolo foi realizada em pacientes com melanoma localmente avançado e comparou essa nova prática com a prática convencional. A plateia de oncologistas do mundo inteiro pôde se certificar que esse deve ser o novo caminho a ser seguido.

O estudo apresentado em Chicago foi aplicado em pacientes no estágio III da doença, considerado localmente avançado, e demonstrou eficiência e trouxe mais esperança e confiança no tratamento para essa fase. Ou seja: uma inovação recebida com bastante otimismo por nós, oncologistas, que acompanhamos a jornada dos nossos pacientes no tratamento contra a agressividade do melanoma. 

Medidas de prevenção ao melanoma

Embora novos estudos em busca da cura ou de tratamentos mais efetivos sejam sempre motivo de comemoração, é fundamental conscientizar a população sobre a ameaça que significa o melanoma. Este tipo de câncer é pouco incidente e representa apenas 4% de todos os tumores de pele. Contudo, é uma doença perigosa, que apresenta altas chances de metástase, sendo responsável por duas mil mortes por ano no Brasil. 

Vale sempre reafirmar que quanto mais cedo for o diagnóstico, maiores as chances de cura do melanoma, assim como da maioria dos casos de câncer. Essencial também é focar na prevenção, que inclui a já tão comentada proteção solar. Adulto, pele branca, mais de 40 anos, morador das regiões Sul e Sudeste. Esse é o perfil mais frequente de pacientes que descobrem ter melanoma no Brasil.

E mesmo junho sendo o mês que marca a chegada do nosso inverno, temos que reforçar a necessidade da proteção contra o sol. Por mais que não estejamos na piscina ou na praia, precisamos ter o hábito de usar o filtro solar e outros acessórios como bonés e chapéus. A incidência dos raios ultravioleta existe independentemente da estação do ano.

Outra atitude importante é ter muita atenção com as pintas e as manchas na pele. Mudanças de cor, tamanho ou forma, coceira, sangramento ou inflamações devem ser investigadas com cuidado pelo médico.

*Vinícius Corrêa da Conceição é oncologista do Grupo SOnHe – Sasse Oncologia e Hematologia, de Campinas-SP. Formado em Medicina e com Residência Médica em Oncologia pela Unicamp, é coordenador geral da Oncologia do Hospital Santa Tereza. Atua também no Centro de Oncologia Vera Cruz e na Oncologia do Hospital PUC-Campinas.

Fonte: Agência Einstein e Grupo SOnHe

 

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