Com menos de um mês de vida, o pequeno Guilherme Lucca Wilpert precisou ser operado em Londrina, no Norte do Paraná, para tratar a hidrocefalia, um dia após seu nascimento, em julho de 2024. O bebê veio com a família do interior de Santa Catarina em busca de atendimento especializado. Mas, afinal, hidrocefalia tem cura?
Essa dúvida é comum em muitos consultórios médicos. A doença acomete principalmente bebês e idosos e pode causar graves danos cerebrais. Hidro significa água e cefalia significa cabeça. Essa água está presente na cabeça de todas as pessoas e é conhecida como líquor cefalorraquidiano. A hidrocefalia ocorre quando há acúmulo do líquor produzido pelo cérebro dentro de suas cavidades.
No Dia Nacional da Hidrocefalia e Espinha Bífida (24 de outubro) o neurocirurgião pediátrico Alexandre Canheu explica que é possível tratar a maioria absoluta das hidrocefalias. “Podemos curar, seja com sistema de derivação, tratamento endoscópico por vídeo, ou associação dos dois tratamentos, o que importa é que cada paciente precisa ser avaliado por uma equipe de neurocirurgiões com experiência”, afirma.
Causas e tratamentos
A doença pode ser dividida vários tipos, mas genericamente são três os mais comuns: congênita (mais comum em crianças), adquirida (pode ocorrer após infecções e doenças) e de pressão normal (acomete mais adultos).
A dilatação da cabeça é a principal característica, os pacientes podem sofrer com comprometimento da visão, dores de cabeça, incontinência, perda da coordenação motora e dificuldade cognitiva. Há basicamente duas causas,
Temos a hidrocefalia obstrutiva e a comunicante, a primeira é quando existe obstrução em algum dos pontos de circulação do sistema ventricular, já a comunicante acontece após infecções, inflamações ou situação que dificulte a absorção do líquor, fazendo com que ele se acumule com uma pressão maior dentro do cérebro, mesmo circulando normalmente”, ressalta Canheu.
O tratamento varia de acordo com o tipo da doença. Nos casos de hidrocefalia comunicante, é possível recorrer às válvulas de derivação, que têm várias formas de funcionamento. O mais comum é a válvula de derivação fixa, que direciona o líquido acumulado no cérebro a outras partes do corpo, sendo que a cirurgia é de baixo risco.
Quando a gente implanta um sistema desses em uma criança que começa a crescer, não necessariamente precisamos agendar uma cirurgia para revisão, nós acompanhamos com consultas regulares”, explica o neurocirurgião pediátrico.
O tratamento de neuroendoscopia cerebral é adequado para a hidrocefalia obstrutiva, que é a endoscopia por vídeo. Dessa forma, é possível “navegar” dentro dos ventrículos.
O endoscópio entra através de um pequeno orifício de trepanação, introduzimos e descemos com o vídeo até a região do assoalho do terceiro ventrículo, fazemos uma fenestração, e esse líquido em exagero vai descer por essa via que criamos. Uma vez feito o procedimento, a chance de solução é muito grande”.
Citomegalovírus: doença atinge grávidas e pode causar hidrocefalia em bebês
Vírus do grupo herpes pode causar sintomas parecidos com o de um resfriado
A produtora rural Danielle Camassola Wilpert, de 38 anos, teve a maior parte de sua gravidez tranquila, mas ao final da gestação apresentou sintomas de resfriado, e após realizar um exame de rotina do pré-natal descobriu ter contraído citomegalovírus, um vírus do grupo herpes.
A moradora de Campos Novos, uma pequena cidade de Santa Catarina, foi informada por uma médica que era preciso esperar o bebê nascer para avaliar se o vírus causaria algum problema de saúde no pequeno. Descontente com as respostas, a mãe se aprofundou em pesquisas para encontrar uma forma de proteger a vida do filho, e evitar complicações.
Em um exame morfológico feito com 24 semanas de gravidez uma dilatação dos ventrículos do cérebro do bebê foi identificada, indicando a hidrocefalia.
Comecei a pesquisar na internet e me falaram que deveríamos procurar um neurocirurgião pediátrico, mas onde moramos é difícil localizar um profissional desse. Acabei procurando no Instagram e encontrei vários, mas o único que me chamou a atenção foi o doutor Alexandre Canheu. Segui e acompanhei, sem marcar consulta porque a orientação até então era de esperar o parto. Mas ao me informar, vi que deveria fazer algo o quanto antes para reverter o caso sem causar danos no cérebro do meu filho”, conta a mãe.
Na primeira consulta online, o neurocirurgião pediátrico de Londrina, no Paraná, avaliou os exames e orientou a família sobre o caso, com a indicação de um obstetra, e um plano para operar o recém-nascido, com o objetivo de evitar danos cerebrais causados pelo acúmulo de líquido no cérebro, característico da hidrocefalia. A cesariana foi realizada no início de julho, e um dia depois o pequeno Guilherme Lucca Wilpert passou por uma cirurgia feita pelo especialista no Hospital Evangélico de Londrina.
O procedimento é conhecido como “DVP”, ou válvula de derivação ventriculoperitoneal, em que esse dispositivo é implantado no paciente para drenar o líquor de dentro dos ventrículos cerebrais e levá-lo a cavidade abdominal, que será responsáveis pela absorção. No caso do Guilherme, fizemos o acompanhamento no final da gestação, com exames frequentes, e avaliei que o ideal seria fazer a cirurgia logo após o parto. Quando o bebê nasceu, fizemos uma avaliação médica e confirmamos a necessidade da DVP, que foi um sucesso”, relata Canheu.
Após 16 dias do nascimento, a mãe comemora a saúde do filho, “Ele está muito bem, a cabeça dele já normalizou e não teve nenhum dano. A princípio é um bebê sem dano no cérebro causado por hidrocefalia”. O especialista explica que Guilherme possivelmente terá que conviver com a válvula, e que se desenvolverá bem.
O vírus
O citomegalovírus, chamado de CMV, é uma infecção por vírus da família herpes-vírus, que acomete pessoas de todas as idades. A maioria dos casos não apresentam sintomas, mas podem provocar sensação de febre e cansaço, tendo em vista que o sistema imunológico fica enfraquecido. A transmissão ocorre por saliva ou outras secreções, transfusões de sangue, transplante de órgãos, transmissão congênita e sexual.
Em bebês, o vírus pode causar doenças graves, como a hidrocefalia. Quando a mãe é infectada, o filho pode ser infectado durante a gestação ou no parto. A doença pode provocar aborto, a morte de bebê no parto ou após”, explica Canheu.
Para detectar a patologia em recém-nascidos, é necessário realizar um exame de urina, ou saliva. O tratamento é feito com medicamentos antivirais. “É essencial que, ao ser diagnosticada com o citomegalovírus, a mãe seja acompanhada por um obstetra experiente e que, caso uma alteração seja identificada, um neurocirurgião avalie o caso”, conclui o especialista.
Pacientes viajam de muitos lugares em busca de tratamento
De acordo com o guia especializado Patients Beyond Borders, 20 milhões de pessoas viajam anualmente para outros países com a finalidade de receber atendimento médico. Várias características dos países que recebem os pacientes são listadas pelo guia: investimento do governo e do setor privado em infraestrutura de saúde; compromisso com a acreditação internacional; garantia de qualidade e transparência de resultados; potencial de redução de custos em procedimentos médicos e reputação sustentada de excelência clínica.
A cidade de Londrina é um exemplo disso. Essa é a trajetória que muitas pessoas vivem no Brasil e até mesmo no exterior, quando decidem sair de onde moram para ter acesso a tratamentos de saúde, tendo como destino o norte do Paraná.
A grande maioria dos casos operados pelo neurocirurgião pediátrico Alexandre Canheu é de fora da cidade. O especialista já operou 167 casos em dois anos, sendo que 76% dos pacientes vieram de outros municípios. Entre eles, cinco são do Paraguai. Segundo o profissional, o movimento é impulsionado por vários aspectos.
Foi por meio de consultas online que Bianca Webber, do Paraguai, encontrou uma esperança para o filho, diagnosticado com cranioestenose. O neurocirurgião pediátrico identificou logo nas consultas a distância que o caso era cirúrgico. Após a chegada da família no Brasil, exames confirmaram a necessidade de uma operação, aos cinco meses de vida do pequeno.
A cirurgia de correção da cranioestenose precisa ser feita antes do primeiro ano de idade, e em alguns casos o ideal é em até seis meses. Com a possibilidade de consultas online para pacientes que são de outras regiões, o atendimento se torna mais ágil, sem precisarem vir várias vezes até a clínica, e facilita um diagnóstico mais rápido, como foi esse caso do Paraguai”, lembra Alexandre Canheu.
Londrina tem vantagens com relação a grandes centros. Quando analisamos a região observamos bons hospitais, boa localização e um povo acolhedor. Muitos pais e mães me procuram com o objetivo de ter um diagnóstico para seus filhos. Dentro da área da neurocirurgia pediátrica nos deparamos com patologias raras, ou seja, que são difíceis de serem identificadas.
Para chegar a uma conclusão é preciso contar com equipes especializadas e equipamentos que permitam uma investigação mais profunda. Nem todas as cidades, e principalmente as menores, possuem essa estrutura, e isso motiva famílias a viajarem para outras regiões do Brasil em busca de respostas”, explica.





