Conduzida por cientistas do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), da London School e do Instituto de Saúde Global de Barcelona, a pesquisa foi publicada no periódico Environmental Research.
A análise abrangeu mais de 1 milhão de mortes de menores de 5 anos ao longo de 20 anos e o risco de mortalidade nesta faixa etária chegou a ser 95% maior no frio extremo e 29% maior no calor extremo do que em dias com temperatura amena (em torno de 14 a 21°C, a depender da região). O estudo identificou ainda que o risco apresentou variações regionais, por idade e causas específicas.
Leia mais
7 consequências da crise climática para a saúde das crianças
A vida em risco: crise climática pode levar a extinção em massa
Redes de apoio para enfrentar os impactos da crise climática
Crianças pequenas são mais vulneráveis ao clima extremo
Líder do estudo, o professor do ISC/UFBA e colaborador do Cidacs, Ismael Silveira, aponta que a sugestão de que crianças pequenas são mais vulneráveis ao clima extremo já havia sido indicada por pesquisas internacionais, no entanto, havia poucas evidências em países com clima tropical e que fossem em escala nacional.
O Brasil tem dimensões continentais e forte desigualdade socioeconômica, o que o torna um ‘laboratório natural’ para investigar os impactos do clima. A cobertura e qualidade dos dados de óbitos e o uso de métodos estatísticos robustos favoreceram a superação dessa lacuna”, pontua.
De acordo com o pesquisador, crianças são especialmente vulneráveis aos efeitos das mudanças de temperatura. Como seus corpos ainda não desenvolveram totalmente os mecanismos de regulação térmica, elas têm mais dificuldade em se adaptar tanto ao calor quanto ao frio. Essa combinação de fatores explica por que eventos climáticos extremos costumam ter um impacto mais severo na saúde infantil.
Nos dias mais quentes, os riscos vão além do desconforto. Casos de insolação, desidratação e até problemas renais podem surgir, além do aumento de doenças respiratórias e infecciosas. O frio, por sua vez, acende outros alertas. Baixas temperaturas podem levar à hipotermia, que desencadeia complicações respiratórias e metabólicas, e ainda favorece o aumento de infecções.
Tanto o frio quanto o calor estavam associados à maior mortalidade por todas as doenças infecciosas, e especialmente por diarreia, enquanto a mortalidade por doenças respiratórias estava associada apenas ao calor”, destaca Ismael.
Para análise, os pesquisadores analisaram dados de mortalidade infantil de todos os 5.570 municípios brasileiros e cruzaram com informações diárias de temperatura entre 2000 e 2019. O método permitiu comparar as condições climáticas exatamente nos dias de morte das crianças e em dias próximos, mostrando de forma precisa o efeito imediato do calor e do frio sobre a saúde infantil.
A pesquisa teve como base os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Conjunto de Dados Meteorológicos Diários em Grade do Brasil (BR-DWGD).
Variações regionais
Embora o estudo seja nacional, os resultados mostram grandes desigualdades regionais que podem ser de diferenças climáticas, sociais, de infraestrutura e de acesso à saúde”, observa Ismael.
O estudo indicou que a Região Sul apresentou um maior risco de mortalidade associado ao frio e a Região Nordeste um maior risco associado ao calor. Nos achados, a mortalidade de crianças menores de cinco anos relacionada ao frio atingiu o maior aumento (117%) no Sul, já a mortalidade relacionada ao calor foi maior no Nordeste (102%).
As taxas elevadas de mortes de crianças permanecem concentradas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, áreas onde a vulnerabilidade socioeconômica é maior e o acesso à infraestrutura básica, como saneamento e moradia adequada, segue desigual. Nesse contexto, o aumento das temperaturas representa uma ameaça adicional.
Mortalidade como indicador de vulnerabilidades climáticas
A mortalidade infantil é altamente sensível a fatores ambientais e pode ser um importante indicador das vulnerabilidades climáticas do país. Investir em monitoramento climático e epidemiológico é fundamental para proteger a saúde das próximas gerações”, afirma o pesquisador.
De acordo com dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a taxa global de mortalidade de menores de cinco anos caiu 61% (em 1990, foram 94 mortes por 1 mil nascidos; em 2023, 37). No Brasil, houve a queda de 4,4% ao ano na mortalidade infantil desde 2000, segundo dados do Painel de Monitoramento da Mortalidade Infantil e Fetal do Ministério da Saúde (MS). No entanto, as mudanças climáticas ameaçam essas quedas.
Os achados trouxeram uma importante evidência científica para políticas públicas, mostrando que o clima já tem impacto mensurável na saúde infantil, reforçando a necessidade de ações de adaptação às mudanças climáticas para proteger os grupos mais vulneráveis”, conclui Ismael.
Da Agência Fiocruz e Agência Brasil (atualizada em 12/10/25)