Por Antonio Carlos Lopes*

O Brasil caminha tristemente para a marca de 500 mil mortes por Covid-19. O número de casos avança e, não tardará, serão 16 milhões. Não é fora da curva calcular que, ainda em 2021, podemos somar 1 milhão de óbitos em decorrência da pandemia. Estarrecedor, triste, chocante; faltam adjetivos para definir tamanha tragédia.

Inimaginável há pouco tempo, a Covid-19 parece não ter limites, deixando rastro de mortes e dor. Exatamente enquanto escrevia esse artigo, a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciava que o número de novos casos confirmados por semana quase duplicou nos últimos dois meses. No Brasil, as estatísticas são estarrecedoras.

Entre as gestantes e as puérperas, cresceu exponencialmente o número de mortes maternas por Covid-19. Desde o começo da pandemia, uma em cada cinco gestantes e puérperas internadas com SARS-Cov-2 não tiveram acesso a unidades de terapia intensiva (UTI) e cerca de 34% não foram intubadas, derradeiro recurso terapêutico que poderia salvá-las, de acordo com Observatório Obstétrico Brasileiro COVID-19 (OOBr Covid-19).

Vivemos, todos, juntos, aqui e agora, momento absolutamente diferenciado em termos históricos. Daqui a 100, 200, 500 anos e para sempre, o pesadelo iniciado em 2020 (e hoje ainda sem perspectiva de encerramento) seguirá em estudo em alguma escola de um ponto qualquer do planeta.

O Sistema Único de Saúde

Lamentavelmente, colhemos agora erros recorrentes e históricos na condução das políticas sociais e econômicas do país, em particular no campo da saúde. São os mesmos gargalos há décadas. Ocupam o noticiário diariamente, antes mesmo de 1988, quando a Constituição celebrou a saúde como direito universal de todo cidadão brasileiro, com equidade e integralidade, dando origem ao Sistema Único de Saúde.

Nosso SUS, sistema considerado dos mais perfeitos do mundo, teoricamente, segue com problemas graves, desde a criação. Um deles é a falta de acesso. Há ainda carência de recursos humanos, insuficiência de insumos/medicamentos, assim como a oferta de leitos, o subfinanciamento, além de casos (muitos casos) de gestão ineficaz e, por vezes, marcada por corrupção.

Hoje, o sistema de saúde deve oferecer leitos, oxigênio, medicamentos, recursos humanos, vacinas e tudo mais o que for e tudo mais que se faz essencial para conter a transmissibilidade. Campanhas de alerta aos cidadãos têm de ser sequenciadas e permanentes, até que vençamos essa batalha; e ainda depois dela.

O SUS nasceu a partir de mobilizações populares durante o processo de redemocratização do Brasil. Momento ímpar: então, convergiram para uma proposta comum, em prol do coletivo, pensamentos plurais, políticos de partidos distintos, entidades médicas como a Sociedade Brasileira de Clínica Médica e a Associação Médica Brasileira, instituições da sociedade civil, apenas para citar poucos exemplos.

Em suma, prevaleceu a atitude cidadã em benefício da saúde como política de Estado, para o povo. Pensar em algo do gênero atualmente é quase surreal. Predomina um acirramento de ânimos. O planeta está dividido; pior, nos sentimos em guerra). Uns são lado A, outros lado B. Uns se fecham no preto, outros no branco. Uns dizem verão, outros respondem inverno. Por favor, muita calma nessa hora. Existem outras cores, o alfabeto possui dezenas de letras, temos mais estações em um ano.

Cidadania e consciência do bem comum

Está mais do que na hora de uma reação coletiva, consciente e responsável. O passo 1 é compreender a nossa pequeneza. Tecnologia, ciência, viagens interplanetárias são conquistas maravilhosas. Entretanto, nem elas nem todo o conhecimento do mundo nos propicia o status de Deus, de imortais.

Já que somos “apenas” e felizmente seres humanos, reajamos como tais. A Covid-19 pode virar sinônimo de vida, ou melhor, de amor à vida. Assim como marco de uma virada de postura e de atitude para o bem. Mais do que nunca é preciso olhar a Terra como o cantinho de todos nós e de cada um. A partir daí, dispor o coletivo de possibilidades reais de combater o novo coronavírus.

Ação cidadã passa obrigatoriamente pela consciência do bem comum. Só seremos um país de fato gigante quando as necessidades básicas de todos estiverem equacionadas. É mister igualmente que o social vire prioridade, de fato, garantindo moradia, comida, educação, trabalho etc. O mundo não será jamais perfeito, mas pode ser mais justo.

É mais do que hora de relevar diferenças menores, buscando ajustes e avanços de consenso. Vale para a saúde, para a educação, para moradia, para tudo. Feliz foi o poeta em sua conceituação: “Gente é pra ser feliz, não pra morrer de fome”.

Como médico, ao longo da carreira, sempre olhei pacientes com carinho, dispensando-lhes atenção compromissada e ética. É inerente ao nosso ofício gostar de gente, amar o próximo. Prescrevo, agora, isso a cada um de nós: aja com amor, mude tudo, ainda é tempo.

*Antonio Carlos Lopes é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica

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